• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 – COMPORTAMENTOS DE RISCO, IMPLICAÇÕES E PREVENÇÃO

5. Aspectos Preventivos

[…]

“O passado passou. O presente agoniza.

Cubram de flores a única verdade Que se eterniza!”

Miguel Torga

O consumo de drogas, legais e ilegais, representa um problema social e de saúde pública de contornos preocupantes no nosso país. As respostas interventivas têm incidido predominantemente em estratégias de redução da procura, nas quais se inscrevem as abordagens preventivas.

Assiste-se no entanto a uma situação paradoxal: por um lado multiplicam-se as iniciativas e projectos que se reclamam de prevenção do abuso de drogas, por outro, são recorrentes as posições críticas em relação à prevenção, baseadas na constatação de que não há indicadores de eficácia das intervenções, na diminuição da incidência e prevalencia do uso de drogas. Esta desconfiança persiste, quer em círculos científicos, quer profissionais (Negreiros, 2001). Este autor reconhece que as intervenções preventivas na área das drogas, têm consistido em tentativas relativamente fracassadas de controlar o fenómeno do uso e abuso de drogas, muito em parte devido ao facto de as estratégias de intervenção se centrarem na transmissão de informação acerca das drogas. Olievenstein (1970/ s/d) refere a propósito que, “ uma campanha antidroga não deve por em relevo apenas os perigos dos produtos. Deve ter em conta o sentido da transgressão, o que representa no plano individual e colectivo querer tomar uma substancia que modifica não só a relação do individuo com o mundo, mas o próprio mundo” (p. 116).

Também Morel et al (2000) realçam que a existencia de um fenómeno designado de “toxicomanias sem drogas” (jogo patológico, adicção sexual, anorexia-bulimia, entre outros) cuja proximidade clínica com o alcoolismo, tabagismo ou qualquer outra adicção, é cada vez mais reforçada, indica-nos que o cerne do problema não se encontra na substância, nem apenas no seu efeito bioquímico sobre o sistema nervoso. Para os autores, a prevenção da toxicomania levanta dificuldades acrescidas, relacionadas com a complexidade, a ausência de uma definição clara do fenómeno e das suas causas e também à mistificação de certas substâncias. A luta contra “A Droga” tem motivado medidas excepcionais, principalmente repressivas e curativas, enquanto que, para as substâncias licitas, foram sobretudo tomadas medidas de controlo.

Nas últimas três décadas, grande quantidade de recursos foram investidos em programas de prevenção do consumo de álcool e drogas, mas só recentemente se começaram a analisar os fracassos de tais medidas. Negreiros (2001), aponta alguns aspectos menos positivos, ou mesmo negativos, que caracterizam a situação dos últimos anos, no domínio da prevenção: 1) predominância das intervenções designadas de “inespecíficas”, as quais se prestam a uma multiplicidade de acções sem qualquer suporte científico, 2) recurso a acções pontuais, frequentemente em meio escolar, centradas na transmissão de informação e polarizadas no vector “medo”, 3) ausência generalizada de procedimentos de avaliação das acções desenvolvidas, 4) ausência de

coordenação e articulação de acções, levando à duplicação desnecessária de recursos, 5) claras deficiências na formação dos técnicos envolvidos nos projectos preventivos, 6) escassez de materiais preventivos adaptados à realidade sociocultural portuguesa e 7) insuficiente utilização das potencialidades do sistema educativo, no que respeita à inclusão de conteúdos e estratégias orientadas para a prevenção.

Os pressupostos destas estratégias e métodos preventivos eram os de que, se os adolescentes estivessem bem informados dos perigos e consequências do consumo de substâncias psicoactivas, evitariam experimentá-los ou consumi-los regularmente (Carvalho, 1990, 1991; Weiner, 1995; Farate, 2000). Contudo, não surgiram provas evidentes de que a participação em programas de prevenção, impedisse os adolescentes de consumir substâncias psicoactivas. Pelo contrário, autores como Bangert-Drowns, Fialkov & Goodstadt (in Weiner, 1995) mostraram que, proporcionar informação sobre drogas aos jovens, podia contribuir mais para um envolvimento do que para um afastamento em relação às mesmas.

Estes modelos tradicionais de prevenção tendem a partir do princípio de que a associação da substância (agente) com o indivíduo (hospedeiro) produz necessariamente um indivíduo doente, subentendendo uma etiologia monocausal para o consumo excessivo de substâncias psicoactivas. Daí que as estratégias preventivas assentassem na informação sobre as substâncias e na persuasão dos sujeitos a não as consumir (Carvalho, 1991).

De modo diferente, as concepções mais recentes de prevenção, enquadram-se em modelos de etiologia multicausal das perturbações relacionadas com o consumo excessivo de substâncias, em que o risco de condutas aditivas pelos adolescentes, se equaciona com vulnerabilidades desenvolvimentais e distorções sócio-afectivas identificadas (Farate, 2000).

Esta prevenção é, contudo, “um tecido frágil, difícil de entretecer, dadas as diversas origens pessoais, familiares e sociais e, por isso, difícil de impedir que se esgace” (Weiner, 1995, p.422). O autor refere ainda que, à semelhança de outras perturbações crónicas, a melhor maneira de tratar o abuso e a dependência de substâncias tóxicas é, primeiro que tudo, evitar que ocorram.

Neste sentido, Marzial (in Farate, 2000) sublinha que, nas sociedades contemporâneas, a maior parte dos problemas de saúde estão relacionados com o estilo de vida dos

indivíduos, pelo que a educação promotora de saúde deve substituir as abordagens educativas tradicionais, baseadas em interditos, pelo encorajamento de atitudes positivas auto-motivadas. Para a concretização destes objectivos, o autor aponta alguns critérios que os programas de prevenção para a saúde devem comportar: 1) serem desenvolvidos de forma positiva, evitando atitudes culpabilizantes e reforçando a auto-estima; 2) intervirem simultaneamente com as famílias e com a comunidade (grupos profissionais, formadores, órgãos de informação) e, particularmente, com os profissionais de saúde; 3) sejam apoiados por uma política preventiva global nas áreas da saúde, trabalho e lazeres. O mesmo autor refere ainda que a educação para a saúde, na área do consumo de substâncias psicoactivas, deve concentrar-se no problema da utilização judiciosa dos produtos psicoactivos, e não no aspecto qualitativo dos mesmos. Também Carvalho (1991, p.140) se refere à noção de “uso responsável” de substâncias psicoactivas, noção introduzida há alguns anos em programas de prevenção relativos ao consumo de álcool. Os novos modelos preventivos emergentes, que Carvalho (1991) designa de abordagens humanistas, são caracterizados pela introdução de uma componente afectiva e psicológica, e entram em clara ruptura com as estratégias preventivas clássicas que consideravam os indivíduos como meros processadores de informação. O autor refere ainda que, subjacentes a esta concepção humanista, estão duas noções fundamentais: (1) de que a decisão de consumir (ou não) substâncias psicoactivas não tem por base apenas factores cognitivos, mas releva de atitudes, valores e necessidades e (2) de que as substâncias e os seus efeitos têm um significado: por um lado, o seu uso não é intrinsecamente negativo (pode ter um significado funcional), por outro, o consumo excessivo das mesmas, assume desde logo a forma de um sintoma social importante. A componente afectiva referida incluída nos programas de prevenção, tem por objectivo facilitar a análise das atitudes dos adolescentes, com recurso a actividades que não os reduzam apenas a receptores de informação sobre drogas. Estas actividades devem permitir ao adolescente, a análise de como as atitudes e os valores pessoais podem influenciar o comportamento e a tomada de decisão, bem como a identificação das funções que o uso de substâncias pode desempenhar na sua vida (Carvalho, 1990). Neste âmbito, a postura dos orientadores/professores, deve pautar-se pela flexibilidade e pelo não autoritarismo, uma vez que a sua função é a de clarificar e aprofundar os temas que vão sendo abordados, e não a produção de juízos de valor sobre as condutas dos indivíduos. Tal, releva uma componente social que pode traduzir-se fundamentalmente,

na aprendizagem de competências que visem, por um lado a recusa de oferta gratuita de substâncias em determinados contextos, por outro a promoção do desenvolvimento interpessoal dos adolescentes (Carvalho, 1990). Este autor destaca, a propósito, a importância do treino de um estilo de comunicação assertivo, caracterizado pela possibilidade da expressão aberta e directa de preferências e opiniões, de direitos pessoais e capacidade de dizer ‘não’, e ainda pela capacidade de exprimir sentimentos positivos e negativos.

Os programas específicos de desenvolvimento emocional, têm sido também introduzidos nas estratégias e programas de prevenção de abuso de álcool e drogas. Visam influenciar emoções e sentimentos, na tentativa de provocar mudanças duradouras no comportamento (Van der Stel, 1998).

Goleman (1997) utilizou o termo ‘inteligência emocional’, para descrever a capacidade dos indivíduos para lidar de forma eficaz com as emoções e os sentimentos. A relação com a prevenção, prende-se com o facto de a inteligência emocional competir com a necessidade que os indivíduos possam ter de consumir substâncias psicoactivas. De facto, não raramente o consumo de álcool ou drogas, parece estar relacionado com uma necessidade de compensar a incapacidade de lidar, de forma adequada, com sentimentos de dependência e de desespero. Este autor refere ainda que, os componentes activos dos programas de prevenção devem incluir competências emocionais, cognitivas e comportamentais. Consequentemente, os resultados destas acções deverão traduzir-se em auto-confiança emocional, capacidade de regular e aplicar as emoções de forma mais produtiva, interpretar melhor as emoções (empatia) e lidar melhor com as relações interpessoais.

Laventure et al (2010), numa extensa avaliação de programas de prevenção, verificaram que os programas de prevenção da toxicodependência oferecidos aos adolescentes, são frequentemente intuitivos e raramente baseados em critérios científicos; referem a importância de recapitular os diferentes factores preditivos da eficácia dos programas de prevenção, e apresentam um conjunto de considerações, que nos parecem organizadoras dos conceitos subjacentes à prevenção: 1) os programas devem ser multimodais; devem dirigir-se aos adolescentes e simultaneamente a outros elementos do seu ambiente relacional, 2) os programas de prevenção devem ser preferencialmente co-animados por profissionais da área psicossocial e pares mais velhos, do contexto social; aqui o profissional pode agir como responsável/recurso, enquanto os pares permitem assegurar

a credibilidade da mensagem; é importante avaliar as capacidades relacionais dos animadores, os seus conhecimentos sobre a população alvo, a sua formação inicial e contínua em programas de prevenção e as suas técnicas de intervenção, 3) do ponto de vista estrutural, é difícil delimitar a duração ideal de um programa; lamentávelmente e devido a dificuldades financeiras, muitos programas têm como objectivo apenas sensibilizar e informar os jovens de maneira pontual, prática que se revela pouco eficaz. Os autores referem ainda que, do ponto de vista do desenvolvimento, as dificuldades ligadas ao consumo de substâncias na adolescência, são uma problemática entre os pares, pelo que os adolescentes que estão em risco de desenvolver consumos problemáticos, são também os que estão em risco de apresentar outras dificuldades. Partindo do princípio sistémico que prevenir o aparecimento de dificuldades específicas pode ter impactos indirectos noutras esferas problemáticas dos adolescentes, os programas de prevenção do abuso de substâncias, beneficiam em se associar a outras práticas preventivas oferecidas, a fim de aumentar a sua eficácia (Laventure et al, 2010). Da evolução dos modelos de prevenção de substâncias psicoactivas, podemos pois constatar que as estratégias baseadas na informação/formação dos adolescentes, em que são sublinhados os perigos do uso de drogas, foram substituídas por outras que dão ênfase ao treino de competências sóciais, à resolução de problemas e à intervenção em actividades sociais e comunitárias. De uma perspectiva centrada na substância, seus efeitos e malefícios, passou-se a uma perspectiva valorizadora do desenvolvimento pessoal e de condutas activas e responsáveis dos indivíduos em relação às várias substâncias. As abordagens mais recentes preconizam também a participação de outros actores do contexto social e ambientam dos adolescentes.