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5. Jovem Adulto: Desenvolvimento, Transições e Mudanças

5.1. Desenvolvimento Pessoal

Relativamente a esta dimensão, apresentamos alguns aspectos que nos parecem uteis para o enquadramento desenvolvimental da faixa etária em estudo, nomeadamente os modelos teóricos do desenvolvimento de Erickson e Baltes, algumas temáticas relacionadas com a frequência do ensino superior e a proposta de Kohlberg para o desenvolvimento do raciocínio moral.

Dada a complexidade do ser humano, naturalmente o estudo do seu desenvolvimento convoca uma vasta gama de áreas científicas, no sentido de compreender os processos que ocorrem ao longo do desenvolvimento da vida dos seres humanos. Das abordagens biológicas às filosóficas, passando por áreas como a antropologia, a sociologia e a psicologia, muitos são os enfoques dirigidos ao desenvolvimento humano.

Numa área de articulação entre a psicologia e a sociologia, a teoria psicossocial do desenvolvimento da personalidade de Erikson, apresenta um lugar de destaque, tendo sido ponte partida para outros abordagens, como as de George Vaillant e Daniel Levinson. A proposta de Erikson organiza-se em torno de oito estádios ou períodos de desenvolvimento, em que em cada um deles é marcado por uma crise particular, resultante de posições conflituais opostas. Assim, em cada período, o individuo deve dar resposta a exigências de natureza pessoal e social, procurando solucionar um conjunto de tarefas que, a serem conseguidas, permitem a aquisição de uma nova qualidade (virtude). As dificuldades extremas ou fracassos na resolução dessas tarefas, resultariam em perturbação e desarmonia no desenvolvimento dos indivíduos. Verifica-se que à

maior parte do percurso de vida, são dedicados três períodos (da idade adulta à velhice) enquanto que até à idade adulta são descritos cinco períodos. Para o período adolescente e de jovem adulto, enquadram-se os períodos designados pelos pares conflituais “identidade versus difusão/confusão da identidade” e “intimidade versus isolamento”, a que correspondem as qualidades de virtude a adquirir, “fidelidade” e “amor”, respectivamente (Erikson, 1963/1976; 1968/1976; 1998).

Uma outra proposta, mais recente, que nos parece relevante é a teoria do desenvolvimento do curso de vida de Paul Baltes, desenvolvida pela sua equipa do Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano e Educação, de Berlin. O estudo dos processos psicológicos envolvidos no desenvolvimento e envelhecimento, conduziram à elaboração de um modelo que integra perspectivas teóricas e metateoricas do desenvolvimento do curso de vida, que integram o reconhecimento da multidireccionalidade das mudanças ontogenéticas. O modelo enquadra então sete proposições estruturantes da vida psicológica: 1) Desenvolvimento ao longo da vida: o desenvolvimento ontogenético processa-se ao longo do curso de vida e nenhum período apresenta supremacia na regulação do desenvolvimento; durante o desenvolvimento todas as fases compreendem processos contínuos (cumulativos) e descontínuos (inovação), 2) Multidireccionalidade: considerável diversidade ou pluralismo existe na direccionalidade das mudanças que constituem a ontogénese; a direção da mudança varia por categorias de comportamento; durante um mesmo período de desenvolvimento, alguns sistemas de comportamento podem obter um incremento enquanto outros podem decrescer o seu nível de funcionalidade. 3) Ganhos e perdas como desenvolvimento: o processo de desenvolvimento não é um simples movimento em direção da maior eficácia, como um crescimento continuo; as mudanças implicam ganhos nas capacidades adaptativas, mas também perdas nas capacidades existentes, 4) Plasticidade: o desenvolvimento psicológico possui muita plasticidade intrapessoal; dependendo das experiencias e condições de vida, o curso do desenvolvimento pode tomar várias formas, a chave para o desenvolvimento é a procura de uma amplitude de plasticidade e dos seus constrangimentos, 5) Enraizamento na história: o desenvolvimento ontogénico varia de acordo com as condições histórico-culturais; a importância de como o desenvolvimento é fortemente marcado pela influência das condições socioculturais, 6) O contextualismo como paradigma: cada percurso individual de desenvolvimento, pode ser compreendido como resultado de interacções

entre três sistemas de influência – gradação por idade, contexto histórico e acontecimentos não normativos e 7) desenvolvimento como área multidisciplinar: o desenvolvimento necessita de ser visto no contexto interdisciplinar, com o contributo de outras disciplinas (como a antropologia, a biologia e a sociologia), envolvidas com o desenvolvimento humano (Baltes, 1987).

No que respeita à fase do ciclo de vida em consideração, a transição de adolescente para jovem adulto, a entrada no ensino superior é sem dúvida um factor de grande importância para o desenvolvimento pessoal e social dos adolescentes/jovens adultos. Verifica-se que, particularmente após a II Grande Guerra, um número cada vez maior de adolescentes frequenta o ensino superior, facto que tem possibilitado a estabilização de um grupo de indivíduos que partilham a mesma situação, neste caso, uma idade semelhante e um ambiente específico, onde desenvolvem um conjunto de actividades relacionadas com a vida académica, mas também sociais e de transição para o mundo do trabalho. Alguns autores pensam poder estar a formar-se um novo estádio no processo de desenvolvimento, semelhante ao que aconteceu com a adolescência na passagem do século XIX para o século XX (Sprinthall & Collins, 2003). Neste sentido, Keniston defende que, devido ao facto de uma grande faixa da população jovem frequentar o ensino superior, adiando consequentemente a entrada no mundo do trabalho, está a organizar um novo conceito, um período de juventude, um estádio intermédio entre a adolescência e a vida adulta, e que não se trata de uma simples extensão da adolescência ou de um processo de moratória (Keniston in Sprinthall & Collins, 2003). Muitos adolescentes prolongam a sua formação académica antes de entrar na vida adulta, o que tem originado o surgimento de um conjunto de temáticas psicológicas e sociológicas relacionadas com este novo período.

Uma das características que distinguem os jovens que frequentam o ensino superior, dos adolescentes propriamente ditos, é uma importante diminuição do contacto com os pais que, no ensino secundário estava relativamente mantido. A natureza e extensão do contacto com a família sofrem uma significativa alteração. Keniston (in Sprinthall & Collins, 2003) propôs três temáticas que distinguem a juventude do período adolescente, mais típico do ensino secundário: 1) Tensão e ambivalência entre o Eu e a sociedade, 2) Indiferença e omnipotencialidade e 3) Recusa da socialização e da aculturação. Estes aspectos, constituem de algum modo, aquilo que se costuma designar por contra-cultura

juvenil, a qual é caracterizada pela presença de identidades específicas, de uma sobrevalorização dada à mudança e uma certa aversão à estagnação.

O desenvolvimento intelectual dos jovens no ensino superior, é o exemplo de uma dessas novas linhas de interesse. Perry et al (in Sprinthall & Collins, 2003) desenvolveram estudos no sentido de perceber como é que os estudantes do ensino superior compreendiam o que lhes era pedido, no âmbito do processo de estudo e da realização de provas de avaliação. Observaram que a forma como os indivíduos encaram as suas experiencia, é quase totalmente determinada pelo seu nível de desenvolvimento, o qual se apresenta independente das médias das notas da avaliação das competências escolares; os estudantes revelam experiencias e formas de compreensão muito diversificadas. Os autores identificaram, três níveis de desenvolvimento, de acordo com as modalidades de compreensão do processo de aprendizagem: 1) Dualismo, 2) Relativismo e 3) Compromisso no relativismo.

Relativamente ao dualismo, este é caracterizado pela percepção de uma aprendizagem em que os factos adoptam modalidade de verdadeiro ou de falso; nas várias áreas do conhecimento, as respostas são ou correctas ou incorrectas; o pensamento tende a ser absolutista e o conhecimento é transmitido pelas figuras de autoridade. Os estudantes nesta posição encaram o estudo, fundamentalmente como um processo de memorização de conteúdos e transcrição do que lhes é pedido; a aprendizagem é um processo de acumulação de factos em que o estudante tende a ser um elemento passivo.

A segunda modalidade de aprendizagem, relativismo, situa-se num nível de desenvolvimento mais avançado, em que os estudantes encaram o conhecimento como um conjunto de conceitos e abstracções; em vez de se limitarem a aceitar a informação, os estudantes ponderam e comparam pontos de vista alternativos; a aprendizagem envolve a reflexão, factos e teorias, no sentido de perceber quais explicam melhor os fenómenos. No que respeita ao desenvolvimento, a passagem de uma posição dualista para uma posição relativista, representa uma importante mudança, em que o estudante compreende com mais clareza as tarefas e funções do ensino superior; o estudo torna-se selectivo e o pensamento, agora mais baseado em conceitos, é capaz de estabelecer prioridades, de aprender a fazer generalizações e a evitar a informação irrelevante. No estádio de compromisso com o relativismo, além de manter a capacidade de pensar em termos abstractos, o estudante é já capaz de assumir um ponto de vista ou uma posição moral; após ponderação cuidada das alternativas, é possível chegar a uma

conclusão ou julgamento moral, de fazer julgamentos informados. O pensamento, mantem-se no entanto, aberto a nova informação e novas teorias.

Podemos deduzir, pela sequência evolutiva da capacidade fina de pensar e aprender, os contributos que o ensino superior comporta, para a autonomia e desenvolvimento dos indivíduos, nos planos individual, social e cultural. Sabemos contudo, que as transições entre estádios de aprendizagem, não são fluidos nem pacíficos. Para muitos indivíduos passar de uma posição dualista, por vezes reforçada pela escola e pela sociedade, para posições de relativismo, implica capacidade de se envolver, mais em movimentos de desafio e fascínio pelo conhecimento, do que manifestar hesitação, insegurança e receio. Neste sentido, os traços de personalidade, podem condicionar a postura face ao desafio de conhecer, tal como se pretende que seja desenvolvido ao nível do ensino superior. Coimbra de Matos (2002c), refere dois conceitos apresentados por Balint, e que integram traços de personalidade: filobatismo e ocnofilia. Os filobatas seriam caracterizados pela autonomia do Eu, por sentimentos de autossegurança e independência e por assunção da liberdade própria, ou seja, o individuo apoia-se principalmente na autonomia de si próprio, em prejuízo da dependência das relações com os outros. Inversamente, os ocnofilicos, seriam caracterizados por uma maior dependência dos objectos e das relações; tendem a agarrar-se ao objecto (daí a designação de ocnófilo, amigo de agarrar-se), multiplicando-se, por necessidades de segurança, as relações de apoio.

O desenvolvimento moral é um processo racional que acompanha a maturação cognitiva. Os jovens desenvolvem o seu julgamento moral à medida que abandonam o pensamento egocêntrico e desenvolvem o pensamento abstracto. Na idade adulta os julgamentos morais parecem tornar-se mais complexos; a experiencia e as emoções adquirem um papel progressivamente mais importante (Papalia & Olds, 2013).

Kohlberg (1969/1992) elaborou uma teoria do desenvolvimento do raciocínio moral, baseada na teoria dos estágios de Jean Piaget, considerando que esta teoria é um elemento central da posição cognitiva-evolutiva do desenvolvimento dos indivíduos. Pelo tipo de respostas dadas pelos indivíduos, a situações de dilema moral, o autor identificou três níveis de desenvolvimento moral, compreendendo cada um deles dois estágios; os estágios propostos enquadram as dimensões de raciocínio e de justiça, e não de emoções ou comportamentos, ou seja, é o raciocínio subjacente à resposta, e não a

resposta em si, que indica o estágio de desenvolvimento. O Nível I, é designado de “Moralidade pré-convencional” e está associado a indivíduos que, sob controlo externo, obedecem a regras para evitar punição ou obter recompensa, ou agem por interesse próprio; é típico de crianças entre os quatro e os dez anos de idade. Integra um 1º Estágio, de orientação para a punição e obediência, e um 2º Estágio de orientação para finalidade e troca instrumental. O Nível II, designado de “Moralidade de conformidade ao papel convencional”, refere-se a indivíduos que internalizam os padrões das figuras de autoridade; preocupam-se em manter a ordem social por obediência à norma; nível geralmente atingido após os dez anos de idade, e em que muitos indivíduos não chegam a superar, mesmo em idade adulta. Integra um 1º Estágio, relacionado com a tendência a manter relações mútuas, a aprovação dos outros e as regras em geral, e um 2º Estágio, referente à preocupação social e consciência. O Nível III, intitulado “Moralidade dos princípios morais”, em que os indivíduos já reconhecem conflitos entre os padrões morais e fazem os seus próprios julgamentos, com base em princípios de correcção, imparcialidade e justiça; este estágio geralmente não é atingido antes dos treze anos, podendo nunca ser atingido. Integra um 1º Estágio, relacionado coma moralidade de contracto, dos direitos individuais e da lei democraticamente aceite, e um 2º Estágio, que compreende uma moralidade dos princípios éticos universais (Kohlberg, 1969/1992).