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2.2 TERRITÓRIO DE RESISTÊNCIA NEGRA I: SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL

2.2.1 Aspectos socioeconômicos que potencializaram o processo de

Para realizar uma análise do processo de segregação socioespacial, que conduziu ás primeiras ocupações na localidade do Cabula, primeiro faz-se necessário realizar um estudo sobre a situação socioeconômica de Salvador nesse período, para então entender como essa situação deixou marcas registradas no espaço físico da cidade.

A historiadora Kátia M. de Queirós Mattoso, apresenta um breve quadro da flutuação econômica da Bahia, em que divide o longo período entre 1751 a 1860 em quatro fases. A fase que atende esta pesquisa, situa-se entre 1787 a 1821 e foi caracterizada como a fase de prosperidade (MATTOSO,1974). De fato, variados estudiosos sobre a economia baiana afirmam que nesse período a Bahia figurou como a capitania mais promissora, populosa e produtora das Américas, mesmo após a transferência da capital do país para o Rio de Janeiro - 1763. Paradoxalmente, foi a fase em que a segregação socioespacial se intensificou, juntamente com o número de ocorrências de levantes negros.

Na Bahia, o principal produto de exportação foi o açúcar, seguido pelo fumo, utilizado como moeda de troca por homens escravizados e, em menor escala, o algodão, o couro, a madeira, aguardente, melaço, arroz, o cacau, café e azeite de baleia (SOUSA, 2012.). A economia açucareira no Brasil rendia volumosos lucros ao mercantilismo lusitano e, no seu âmago, fez desenvolver relações sociais escravistas, a fim de dinamizar a larga produção direcionada a atender o mercado externo sob o intermédio metropolitano.

A fonte de produção da capitania da Bahia encontrava-se principalmente nas terras do Recôncavo e, claro, nas relações e redes comerciais, prioritariamente fluviais, que garantiam a comunicação e articulação que favoreceu a posição da Cidade do Salvador em ligação imediata com sua hinterlândia agrícola. Stuart Schwartz destacou a importância do Recôncavo, informando que Salvador dependia das terras do seu entorno para se abastecer de alimentos e de produtos agrícolas comercializáveis. No Recôncavo, estavam situados os terrenos férteis, graças ao solo argiloso e pesado do massapê, que é apropriado para atividade agrícola em larga escala e principalmente a presença de água em abundância, devido aos rios de variados tamanhos e com amplos afluentes navegáveis com embarcações leves: Paraguaçu, Sergipe, Açu, Pericoara, Subaé e ribeirões como Cotegipe,

Jacarancanga e Pitanga (SCHWARTZ, 1988.)123. Pequenas vilas e grandes

engenhos foram se desenvolvendo nas proximidades de rios, que ajudavam na sua manutenção e no transporte dos produtos.

Nesse extenso território da capitania da Bahia no século XIX, nota-se que, embora houvesse uma íntima articulação entre a capital e o Recôncavo, o mesmo

123 Os historiadores Stuart Schwartz (1988) e Kátia Mattoso (1992) enfatizam em suas obras a importância dos referidos rios

para o abastecimento dos engenhos e navegabilidade dos produtos produzidos no Recôncavo e conduzidos a capital soteropolitana.

não se podia afirmar em relação às outras áreas da província. Mattoso, ao discutir a geografia da produção na Bahia, analisa que suas redes comerciais não foram totalmente articuladas. A autora sublinha dois principais motivos: o primeiro devido à população dispersa em grandes propriedades de terras ocupadas no interior. O segundo, e mais evidenciado fator, foi a precariedade dos meios de transporte, dificultando as comunicações inclusive comerciais. Assim, "o que se produzia para além da zona do Agreste, nas profundezas do Sertão, raramente chegava ao mercado de Salvador” (MATTOSO,1992, p. 458), exceto o gado, que viajava longos percursos, a fim de abastecer Salvador e também os engenhos do seu entorno, tanto no setor alimentício, quanto no trabalho de tração para movimentar os moinhos, transportar pessoas e a mercadoria.

Como se observa, a produção baiana era diversificada, logo, nas regiões sertanejas, o principal cultivo foi de fumo e cana-de-açúcar, mas que não se destinavam ao porto de Salvador, em geral, serviam ao consumo local. Algumas localidades da Chapada se especializaram no cultivo do algodão, destinados aos mercados de Minas Gerais. É mesmo o Recôncavo o grande celeiro produtor que abasteceu o mercado de Salvador. Toda dinâmica econômica desse celeiro produtor refletia na capital soteropolitana que, além de atender à demanda agroexportadora,

também importava produtos manufaturados e pessoas escravizados. Esse aspecto

comercial confere a cidade um caráter cosmopolita. Característica que, ao longo do processo histórico do Período Colonial, foi aguçado, ao ponto que a cidade passa a ser um dos principais centros pertencente à rota das Índias, o que justifica a cidade ter se tornado exemplo de interetnias.

Salvador se desenvolveu por meio das atividades ligadas ao comércio desde

o século XVI. Foi se avolumando nos séculos XVII, XVIII e alcançou o auge na primeira metade do século XIX. Além de representar um polo administrativo, conforme foi visto no primeiro tópico deste capítulo, a cidade também formou um significativo núcleo de homens de negócios, característica mencionada por viajantes que passaram aqui em diferentes períodos históricos.

Maria Dunas Graham, viajante inglesa, que relatou suas impressões sobre a Bahia em um diário124, demonstrou uma breve descrição, ainda que superficial, de

124 Maria Graham foi uma viajante inglesa que esteve no Brasil nos anos de 1821, 1822 e 1823. Fez os registros sobre a Bahia

como se constituíam as atividades comerciais no estreito espaço da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, que abrigou o porto da cidade.

[...] todos os artífices trazem seus bancos e ferramentas para a rua. Nos espaços que deixam livres, ao longo da parede, estão vendedores de frutas, de salsichas, de chouriços, de peixe frito, de azeite e doces, negros trançando chapéus ou tapetes, cadeiras (espécie de liteiras) com seus carregadores, cães, porcos e aves domésticas, sem separação nem distinção; e como a sarjeta corre no meio da rua, tudo ali se atira das diferentes lojas, bem como das janelas. Ali vivem e alimentam-se os animais. Nessa rua estão os armazéns e os escritórios dos comerciantes, tanto estrangeiros quanto nativos (GRAHAM, 2001, p. 145.).

De acordo com as impressões de Graham, era um espaço que apresentava oferta de serviços variados, misturas de cheiros, produtos sortidos que continham desde alimentos, principalmente peixarias, até lojas de ourives, joalheiros e armarinhos, frequentados por pessoas de variadas camadas sociais e com interesses comerciais diversificados.

Thomas Lindley125 afirmou que nesse emaranhado de oferta e procura, o escambo era o formato usual de realizações comerciais em Salvador, muito embora a circulação da moeda e o estímulo a créditos ocorressem em largas medidas (LINDLEY,1969.). De fato, a freguesia da praia, em função do porto, era um local frequentado por viajantes que chegavam de outras partes do Brasil e também de destinos internacionais. Alguns comerciantes estrangeiros lá se estabeleceram montando suas lojas, armazéns ou quitandas. Também alguns nativos e pequenos negociantes que montavam seu negócio na rua, necessitando apenas de um banco

ou tabuleiros, em um formato de comércio ambulante.

Sobre as relações comerciais entre os homens de negócios, Lindley criticou a habilidade dos comerciantes locais, relatando que a tendência dos baianos era tentar se aproveitar, principalmente dos comerciantes estrangeiros, agindo de forma desonesta:

Em seus negócios, prevalece a astúcia mesquinha e velhaca, principalmente quando efetuadas as transações com estrangeiros, aos quais pedem o dobro do preço que acabarão aceitando por sua mercadoria, ao passo que procuram desvalorizar o que terão de obter em troca, utilizando-se de todos os artifícios ao seu alcance.

125 Thomas Lindley foi um viajante inglês que esteve no Brasil entre julho de 1802 a agosto de 1803, foi preso em Porto Seguro

acusado de contrabando, ou seja, negociar ilicitamente a mercadoria Pau-brasil. Foi conduzido a Salvador e preso. Meses após a prisão, em dezembro, os detidos receberam o direito de passar o dia na cidade, retornando a noite (18h) para a reclusão no Forte de São Pedro.

Numa palavra: salvo algumas exceções, são as pessoas inteiramente destituídas do sentimento de honra, não possuindo aquele senso geral de retidão que deve presidir a toda e qualquer transação entre os homens (LINDLEY,1969, p. 173.).

Mesmo que os registros dos viajantes tenham apontado aspectos de uma cidade que necessitava de melhorias, tanto em caráter urbanístico quanto educacional, é, sobretudo, constatado que a cidade do Salvador foi privilegiada pela localização e potencialidade de articulações que poderia proporcionar ao setor

comercial. De tal maneira, que Von Martius e Von Spix126 relataram o dinamismo e

intensa movimentação portuária, informando que durante todo o ano havia centenas de navios mercantes representando as mais variadas nações (MARTIUS e SPIX, 1938.), como mostra o mapa cognitivo que segue.

Figura 04 - Mapa cognitivo das relações comerciais do Porto de Salvador no final do século XVIII e início do século XIX.

126 Viajantes alemãs, membros da comitiva da arquiduquesa da Áustria Leopoldina, esposa de D. Pedro I. Eles percorreram

estados brasileiros como: Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais,Piauí, Pará, Amazonas e Maranhão, ao longo dos anos de 1818 - 1821. Publicaram seus relatos e impressões de viagens na obra Reise in Brasilien (Viagem pelo Brasil). Desta obra completa, uma parte referente a Bahia, foi publicada com o título: "Através da Bahia: excreptos da obra Reise in Brasilien".

Fonte: Mapa cognitivo elaborado pela autora, a partir dos dados obtidos na obra de PEREIRA, Avanete Sousa. A Bahia no século XVIII: poder político local e atividades econômicas. São Paulo: Alameda, 2012. pp. 35-53.

A historiadora Avanete Pereira Sousa (2012) traçou um delineamento das redes comerciais articuladas pela capital soteropolitana ao longo do século XVIII, mas que pode servir de referência para o início do século XIX, comprovando o caráter fortemente mercantil da cidade, que vai além da lógica agroexportadora, conforme foi observado na figura 04. Nota-se ainda no mapa cognitivo, que a dinâmica de vida produtiva da cidade era diferente do campo: mesmo sabendo que eram complementares, que pertenciam ao mesmo processo histórico sustentado pelo mercantilismo e que ambas pautavam-se em relações senhoriais, em que a posse da terra ou espaço valorizado, das ferramentas de trabalho/ meios de produção , de trabalhadores escravizados/ forças produtivas, do poder de articulação comercial e o controle sobre o uso do solo garantiam certo prestígio social à camada hegemônica, formada pelos proprietários de terras - mesmo os do meio urbano, autoridades locais e grandes comerciantes citadinos.

A lógica socioeconômica estruturante estava na relação senhor - escravo, embora concorde com João José Reis, quando este afirma que não somente os grandes senhores e negociantes eram os donos de escravos, pois a concepção do ser dono de escravo era mais ampla e encontrava-se espalhada nas variadas classes e setores sociais, inclusive de funcionários ligados ao governo, brancos

pobres e libertos (REIS, 2003). Lindley observou que, uma vez alforriados, escravos

adquiriam antigos hábitos dos seus senhores e passavam a exercer a condição de "senhor" (LINDLEY, 1969.). Embora haja exagero em sua observação, sabe-se que em alguns casos essa assertiva foi confirmada.

Essa rede comercial e social influenciou diretamente na organização do espaço. Não obstante, estudiosos afirmam que não se pode pensar na estruturação e ocupação do espaço no centro urbanizado e nos trechos periféricos da cidade do Salvador no século XIX sem relacioná-las ao escravismo e à sua posterior desagregação, uma vez que todo funcionamento da cidade dependeu dos serviços prestados pelos negros escravizados e também dos negros libertos. De maneira que os viajantes desse período são categóricos ao registrarem com indignação a grande quantidade de negros transitando, trabalhando e habitando nas ruas da cidade, chegando a superar em número os brancos.

Em meio a tudo isso, há de se destacar ocorrências que contribuíram para reforçar a segregação socioespacial da cidade do Salvador, como o grande contingente de negros que adentraram a cidade, devido às influências socioeconômicas externas que, por sua vez, ocasionaram demandas internas; também a dinâmica de vivência dos escravizados da cidade do Salvador e a crescente quantidade de processos de alforrias.

Como fator inicial, ressalta-se que o final do século XVIII e início do XIX foi marcado como o período de intensificação do tráfico negreiro, isso devido ao fortalecimento das atividades agrícolas brasileira, que significou aumento demográfico e, consequentemente, a necessidade residencial do contingente de pessoas que chegavam para atender prioritariamente as demandas do Recôncavo, mas que em alguns casos ficavam na cidade. Fatores de ordem externa foram cruciais para compreender tal fenômeno, não obstante, Mattoso (1974) atribui ao advento da revolução francesa e à influência nas guerras de independência de colônias na América, cujas ideias e lógicas libertárias vão culminar em revoluções dos principais produtores antilhenses como Haiti e Jamaica, concorrentes diretos da

produção açucareira do Brasil (GOMES, F. e LIBANEO, 2002.)127.

A desestruturação desses concorrentes incidiu no contexto socioeconômico brasileiro. Por um lado, potencializou a supervalorização da produção açucareira do Brasil, que adquiriu um quase monopólio deste produto imprescindível ao mercado internacional, necessitando assim do aumento da mão de obra escrava. Por outro lado, essa situação gerou um paradoxo que foi a ameaça e temor da camada senhorial e de autoridades que, enchiam as ruas das cidades e os engenhos de negros, ao mesmo tempo em que corriam as informações de lutas, ideias políticas libertárias e resultados satisfatórios de negros em processo de resistência à escravidão, demonstrando assim que os escravizados e libertos não estavam alheios diante da conjuntura internacional (GOMES, F. e LIBANEO, 2002.).

Outro fator que potencializou a segregação socioespacial de Salvador foi a dinâmica de vivência dos escravizados da cidade, que possibilitou a intensificação da circulação de negros com maior "autonomia" por todas as partes do espaço urbano. Segundo Ana Maria de Lourdes R. da Costa (1990), a escravidão urbana

127 Sobre as influências da Revolução francesa e das propagandas revolucionárias européia, relacionando aos processos de

resistência negra na América, os autores Carlos Eugênio Soares e Flávio Gomes citam algumas insurreições escravas que eclodiram nas colônias, como: rebeliões em Guadalupe e Santa Lúcia (1794), Cuba e Venezuela (1795), além da Revolução do Haiti (1791-1804).

esteve estruturada em três grandes grupos: escravizados de ganho, escravizados de aluguel e escravizados domésticos. Essa divisão é apresentada apenas para uma compreensão didática, pois as relações de trabalho eram mais complexas, não podendo assim falar de divisão estanque do trabalho escravo, já que o mesmo escravizado/a poderia exercer a atividade de doméstico/a, trabalhar, mesmo que esporadicamente, no ganho ou ser alugado/a (COSTA, 1990).

Os/as escravizados/as domésticos/as, além de realizar os serviços na casa do senhor, também se relacionavam com o meio externo à casa, atuando em atividades como compras em quitandas, buscando água nas fontes para abastecer a casa do senhor, levando recados, dentre outras atividades. Esse tipo de trabalho não oferecia retorno financeiro ao senhor. Já os/as escravizados/as de aluguel representavam retorno financeiro aos senhores, uma vez que a atividade consistia em alugar temporariamente seus escravos/as para prestar serviços a outros senhores (COSTA, 1989.). Em ambos os casos, os escravizados/as ficavam diretamente sob o controle dos seus senhores.

Os/as escravizados/as de ganho receberam maior destaque por parte dos estudiosos contemporâneos, pois essa atividade garantia que o escravizado/a fornecesse uma renda extra para seu senhor, mas, do mesmo modo, poderiam obter uma parte da renda. A premissa era um acordo verbal que, no geral, funcionava da seguinte forma: o senhor estabelecia uma quantia a ser adquirida pelo escravizado/a e o prazo que este deveria pagá-lo poderia ser semanal ou diário. Esses acordos variavam segundo o contexto e relações entre senhores e escravizados. A obrigação era do escravizado/a pagar o que foi acordado e, se houvesse excedente, este poderia se apropriar (SOARES, 2006.). Eram atividades desenvolvidas longe do controle direto do senhor, como vendedores ambulantes, carregadores de mercadorias e de pessoas, estivadores, artesãos, dentre outras. Esses homens e mulheres poderiam gerir seu próprio tempo e ritmo de trabalho, também se comunicar, batucar e congregar com outros negros que pertenciam ao mesmo grupo étnico e cultural (GOMES, M.1990.).

Muitos escravizados de ganho ocupavam espaços de moradias alugados fora da casa do senhor e, com o acúmulo dos excedentes conquistados, poderiam comprar sua alforria. Por outro lado, não raros foram os casos de fugas, conspirações e articulações de escravizados que atuavam na atividade de ganho.

A crescente quantidade de negros alforriados também foi um fator marcante no final do século XVIII e início do XIX, o que ocasionou nova configuração ao espaço físico de Salvador. Lindley (1969) explicou que foram duas as formas de obtenção de alforrias: ou por benefício, devido à prestação de bons serviços ao senhor, que significava fidelidade, obediência e lealdade ou pela compra da alforria. Reis e Silva (1989) ampliam a noção sobre as estratégias utilizadas por negros escravizados para aquisição da carta de liberdade e, baseando-se em aspectos do contexto sócio histórico desses sujeitos, revelam que até se efetivar o ato de compra, muitas negociações foram necessárias. Embora o foco deste trabalho não seja alforria, interessa-nos saber onde esses negros se alocavam? Fossem eles escravizados de ganho ou libertos, quais as condições das suas moradias? Nos casos dos escravizados que fugiam, onde se refugiavam?

Adotando a corrente epistemológica do materialismo histórico dialético, defende-se que o processo de segregação socioespacial percebido na cidade do Salvador no início do século XIX é fruto da contradição existente no âmbito da própria sociedade. Não por acaso, se percebem dois tipos claros de segregação em relação às populações negras. O primeiro deles, situava-se dentro do próprio espaço das áreas urbanas, no qual a classe senhorial e de comerciantes necessita ter próxima a mão de obra escrava, uma vez que estes não só davam conta de garantir a produtividade dos seus senhores, como também toda dinâmica de funcionamento da cidade, conforme já foi mencionado neste texto.

De acordo com essa conjuntura, os negros de variadas nações habitavam no centro urbanizado, muitas vezes coabitando a mesma residência do senhor ou em habitações mais pobres nas proximidades, para garantir um certo controle por parte do seu proprietário. Contudo, isso não invalidava o processo de segregação já que, mesmo na residência senhorial, os locais ocupados por estes trabalhadores compulsórios eram os porões, subsolos, lojas, espaços minúsculos e insalubres

(COSTA, 1989). Graham registrou em seu diário que muitos escravizados eram

alojados junto com os cavalos, em cubículos construídos na parte térrea das residências. Destaca ainda características das habitações pobres, para os casos de negros que habitavam em espaços ou quartos alugados:

As cabanas dos pobres são construídas de estacas verticais, com galhos de árvores trançados entre elas, cobertas e revestidas seja

com folhas de coqueiros, seja com barro. Os tetos são cobertos de palha. (GRAHAM, 1956, p.163.).

Essas moradias poderiam ser de brancos, mas também de libertos ou até mesmo escravizados que dormiam fora da casa do senhor. Thomas Lindley apresenta sua descrição das residências pobres com mais detalhes, apresentando algumas diferenças da descrição realizada por Graham:

A classe mais baixa, constituída de soldados, mulatos e negros, vive em choças cobertas de telhas e sem forro, dotadas de uma única janela de rótula. Esses tipos de construções diversas (com exceção de uma ou duas ruas), acham-se misturadas umas às outras por toda a cidade, que exibe aparência variegada e desagradável (LINDLEY, 1969, p. 164.).

São descrições diferentes, mas que se referem a considerável discrepância entre a habitação e o privilégio de espaço da classe dominante, em relação aos grupos sociais menos abastados.

Outro tipo de segregação socioespacial relaciona-se às habitações de negros em localidades “distanciadas” do centro urbanizado - as áreas periféricas - sem interesse de ocupação efetiva por parte da camada hegemônica, principalmente pela dificuldade de acesso e distanciamento do trecho comercial da cidade, sendo um período em que os meios de transporte eram escassos e rústicos, também pela presença de uma natureza pouco explorada. Essas áreas, mesmo pertencendo oficialmente a algum latifundiário urbano, a igrejas ou conventos, foram relegadas a ocupação de negros libertos e brancos pobres, cujas casas possuíam aspectos que