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2. Missionário: evangelização dos índios e assistência espiritual dos colonos

2.2. Assistência aos colonos

Numa sociedade marcada pela degradação moral e religiosa dos moradores e por atuações escandalosas de parte dos religiosos118, entregues a vícios e paixões, e por isso et alibi stationem quaerere, ubi quieto possent Deo inservire, Indorumque saluti a se reductorum incumbere; frustra ducentarum, eoque amplius, eundo, ac redeundo, leucarum itinere superato ad implorandum a soli Dominis contra adversarios auxilium, audacia fretos, nullaque ratione vincendos» (Bras. 4, f. 9v). Igual denúncia dos abusos e da impiedade dos herdeiros da Casa da Torre faz Ascenso Gago em carta enviada em 1697 ao provincial Alexandre de Gusmão, lastimando que «em terras de chrystaõs, (…) em este Certaõ tam distante, fora das justiças, e Governadores, e taõ esquecidos de Deos, vivem a ley da vontade, sem obedecer a outra algũa, mais q a da caza da torre», os quais «zelaõ mais os seos gados, que o bem das almas» (Bras. 15, ff. 461-461v).

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«Relação da maneira com que se botarão os PPes da Comp.a de JESVS fora das suas missões no Rio de S. Francisco», remetida pelo provincial Gusmão a D. Pedro II da Baía, a 19 de novembro de 1696, e inserida na carta ao P.e Geral com data de 2 de dezembro desse mesmo ano (Bras. 4, ff. 24v-25).

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E. HOORNAERT, História da igreja no Brasil, p. 258. Alfredo BOSI refere-se também a esta «crua evidência de necessidade» da prática da escravatura no sistema colonial, relembrando a exploração dos escravos nos engenhos que os próprios jesuítas detinham, como o famoso Engenho de Sergipe do Conde, em Santo Amaro (Dialéctica da colonização, p. 161).

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No quadro da literatura que censura os atos ilícitos de colonos e religiosos, apontamos apenas alguns textos que revelam diferentes enfoques, objetivos e registos discursivos, como o clássico estudo de Gilberto Freyre, Casa-Grande e Senzala, as sátiras de Gregório de Matos (remetendo para o estudo de João Adolfo HANSEN, A Sátira e o Engenho – Gregório de Matos e a Bahia do século XVII, São Paulo, Companhia das Letras/ Secretaria de Estado da Cultura, 1989) ou a viagem pelo Brasil do Peregrino da América, de Nuno Marques Pereira. As pastorais do episcopado merecem também uma análise cuidada, por observar aspetos fundamentais da vivência religiosa dos colonos, como a administração dos sacramentos, as práticas penitenciais, as indulgências e o culto dos santos. Cf. Dalila ZANON, «Os Bispos e a orientação tridentina no século XVIII», in História: Questões & Debates, 36 (2002), pp. 219- 250. Acerca da regulação da pregação pelo episcopado em Portugal na época moderna, por via de

necessitados de uma ampla reforma na sua formação e de instruções essenciais para uma prática devota dos ofícios divinos, compreende-se a preocupação e o empenho de Gusmão em organizar por escrito, em tipologias textuais diversas, um programa de disciplinamento119 que cumprisse as determinações reformistas de Trento, fornecendo modelos de civilidade, codificando regras de comportamento moral e dirigindo a vida espiritual dos fiéis cristãos.

Destacando-se pelas missões de evangelização dos índios120, com o passar do tempo, e deixando de se justificar a concentração da ação religiosa dos padres da Companhia junto dos indígenas, por decrescer o seu número em resultado do trabalho de conversão e das guerras e mortes, desde os primeiros anos que os inacianos (e em particular Gusmão) se ocuparam da assistência espiritual dos colonos portugueses e dos mamelucos, sem esquecer o acompanhamento dos negros, ainda que dentro de uma conceção teológica – e político-económica – que não lhes reconhecia a dignidade espiritual e a liberdade121. Como os documentos coevos demonstram, os religiosos da instrumentos normartivos como as pastorais, as constituições e as provisões, veja-se de José Pedro PAIVA, «Episcopado e Pregação no Portugal Moderno: Formas de actuação e de vigilância», Via Spiritus, 16, 2009, pp. 9-44.

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Para analisar a literatura jesuítica de intervenção social, moral e religiosa, utilizamos o conceito de «disciplinamento» não como imposição de uma disciplina coerciva e punitiva – pelos instrumentos que formaram uma «pedagogia do medo» (ou, se preferirmos a designação de J. DELUMEAU, uma «pastoral do medo», Le Péché et la Peur. La Culpabilisation en Occident (XIII-XVIIIe siècles), Paris, Fayard, 1983, pp. 340-369) –, mas pelo recurso a estratégias pedagógicas e persuasivas (a leitura de livros que conduzissem à boa prática moral e espiritual, a utilização didáctica de imagens – numa teoria da visão e da sugestão visual que se materializa na abundante utilização de representações emblemáticas e ecfrásticas –, os sermonários exortativos à piedade e à conversão, as representações teatrais e as procissões barrocas de grande espectacularidade). Cf. Federico PALOMO, A Contra-Reforma em Portugal (1540-1700), Lisboa, Livros Horizonte, 2006.

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Para além do assinalado labor missionário junto dos índios, a verdade é que, pela pregação, Vieira participou também, e de forma ativa, no apostolado dirigido aos colonos. No Sermão do Espírito Santo, proferindo um discurso duríssimo contra a inconstância do índio, «a mais bruta, a mais ingrata, a mais inconstante, a mais avessa, a mais trabalhosa de ensinar de quantas há no mundo», acreditando ainda assim na possibilidade de os converter pela ação paciente dos missionários, Vieira visa os próprios colonos – afinal o principal destinatário dos seus sermões, ainda que se trate, por exemplo, dos sermões do Rosário, dirigidos aos negros –, acusando «uma mesma ausência de constância na fé entre os próprios cristãos da província, descuidados das coisas da religião e, por isso mesmo, igualados aos bárbaros; a rigor, considera que descem abaixo deles, já que não têm, como os índios, o atenuante da ignorância». Alcir PÉCORA, «O Bom Selvagem e o Boçal: Argumentos de Vieira em torno à imagem do «índio boçal»», in José Eduardo FRANCO (coord.), Entre a Selva e a Corte: Novos Olhares sobre Vieira, Lisboa, Esfera do Caos, 2009, p. 57. Na atuação apostólica dos missionários, desde cedo o batismo se revelou motivo de controvérsia, visto que as celebrações em massa, desprovidas de uma preparação doutrinal sólida, se mostravam ordinariamente inúteis, já que com frequência os índios retornavam à sua condição de pagãos, perdendo-se em definitivo a sua alma. Neste contexto, durante o Concílio de Trento afirmou-se a necessidade de reajustar o modelo de catequese a desenvolver junto dos índios, deslocando- se o centro das missões apostólicas do batismo para a confissão. Cf. Cristina POMPA, «O Lugar da Utopia: Os Jesuítas e a Catequese Indígena», Novos Estudos CEBRAP, n. 64, Nov. 2002, pp. 83-95.

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A ação pastoral de Gusmão, orientada sobretudo para os portugueses e seus descendentes, é certo, não deixou de lado a assistência espiritual e o conforto físico dos mais necessitados, incluindo os índios e os

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Companhia de Jesus asseguraram também o cuidado pastoral dos escravos africanos sujeitos aos mais gravosos sofrimentos nos engenhos e nas fazendas particulares122 (incluindo as fazendas jesuíticas, usualmente dotadas de um colégio para o ensino das primeiras letras e catequese das crianças negras123), promovendo a sua conversão por meio da associação da catequese à aprendizagem das primeiras letras124. Neste ponto, ainda que nos tratados de índole moral e espiritual ou nas instruções que compendiou para a boa criação de meninos e meninas não se possa identificar qualquer passagem relativa à questão da escravatura no contexto brasílico, refira-se que na correspondência trocada com Roma se encontram referências concretas à atenção que Gusmão dedicou negros, um pouco à imagem do que sucedia com os seus irmãos de hábito e com outras congregações religiosas na América Portuguesa. Tomando por exemplo o P.e Vieira, se é verdade que se notabilizou principalmente pelo seu entusiasmo missionário em favor dos índios, não se pode menosprezar a sua ação de pregação dirigida aos colonos. Note-se que no Sermão do Espírito Santo, proferindo um discurso duríssimo contra a inconstância do índio, «a mais bruta, a mais ingrata, a mais inconstante, a mais avessa, a mais trabalhosa de ensinar de quantas há no mundo», embora acreditando sempre na possibilidade de os converter pela ação paciente dos missionários, Vieira visava os próprios colonos – afinal o principal destinatário dos seus sermões, ainda que se trate, por exemplo, dos sermões do Rosário, dirigidos aos negros –, ao acusar «uma mesma ausência de constância na fé entre os próprios cristãos da província, descuidados das coisas da religião e, por isso mesmo, igualados aos bárbaros; a rigor, considera que descem abaixo deles, já que não têm, como os índios, o atenuante da ignorância» (Alcir PÉCORA, «O Bom Selvagem e o Boçal: Argumentos de Vieira em torno à imagem do «índio boçal»», in José Eduardo FRANCO (coord.), Entre a Selva e a Corte: Novos Olhares sobre Vieira, Lisboa, Esfera do Caos, 2009, p. 57).

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Para conhecer os princípios que nortearam a relação dos colonos com os escravos negros, a partir do pensamento de quatro autores que nas suas obras e sermões refletiram sobre o tratamento e educação devidos aos servos africanos, leia-se Ana Palmira Bittencourt Santos CASIMIRO, «Quatro Visões do Escravismo Colonial: Jorge Benci, Antônio Vieira, Manuel Bernardes e João Antônio Andreoni», Politeia: História e Sociedade, vol. 1, n. 1, 2001, pp. 141-159. Sobre o tema da escravatura dos negros no pensamento de Vieira, marcado pela compaixão dos que pelo seu sofrimento nos engenhos se aproximavam do padecimento de Cristo na cruz, além da leitura do sermão que Vieira pregou aos escravos africanos da Baía, denunciando de uma forma crua as duras condições de trabalho e a sua penosa existência, a qual, contudo, deveriam aceitar voluntariamente – «Sermão Vigésimo Sétimo, com o Santíssimo Sacramento Exposto» - «Da Série Maria Rosa Mística» - (António VIEIRA, Obras escolhidas, pref. e notas de António Sérgio e Hernâni Cidade, Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1951, pp. 47- 95) –, remetemos também para a obra de Magno VILELA, Uma Questão de Igualdade: Antônio Vieira e a Escravidão Negra na Bahia do Século XVII, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1997.

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S. LEITE trata de encarecer a assistência dos jesuítas aos escravos, salientando as ações educativas e pastorais a eles dirigidas: «E o que ela fez pela catequese e elevação moral dos Escravos, além do proverbial bom trato que lhes dava, afere-se por este tríplice fato: foi um jesuíta o P. Pero Dias, Apóstolo dos Negros do Brasil, que escreveu a Arte da Língua de Angola com o propósito deliberado de melhor os amparar e servir; fundou-se nos Colégios o apostolado do mar à chegada dos navios de África; e multiplicaram-se, a favor dos Negros dos Engenhos e Fazendas, as missões discurrentes, saídas dos Colégios de cada região, em toda a extensão do Brasil.» (História da Companhia de Jesus, VII, pp. 144- 145).

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Acerca do pensamento de Vieira sobre o tema da escravatura dos negros, ver de Amarilio FERREIRA Jr. e Marisa BITTAR, «A pedagogia da escravidão nos Sermões do Padre António Vieira», Revista brasileira de Estudos pedagógicos, Brasília, v. 84, n. 206/207/208, jan./dez. 2003, pp. 43-53. Sobre a educação dos escravos negros neste período, dos mesmos autores, «Educação jesuítica e crianças negras no Brasil Colonial», Revista brasileira de Estudos pedagógicos, Brasília, v. 80, n. 196, set./dez. 1999, pp. 472-482.

aos escravos negros, repetindo-se no seu provincialato as visitas aos navios negreiros pejados de escravos mortos, a pregação pelas ruas e em dias de festa, a explicação dos princípios da fé por catequistas peritos na «língua Angola» e as expedições aos engenhos, oficinas de cana sacarina e fazendas para lhes pregar o Evangelho e administrar os sacramentos, sobretudo da penitência e da eucaristia, mas também para impor os valores da moral cristã e combater os ritos e as superstições africanas125. Por outro lado, em finais de Seiscentos, impunha-se cada vez mais uma «pastoral urbana»126 que orientasse os moradores (brancos, mamelucos e índios catequizados) no caminho da perfeição moral e religiosa, sem esquecer os numerosos visitantes que permaneciam temporariamente por aquelas terras, incluindo os hereges127 que ameaçavam o rebanho católico e os militares e marinheiros128, sobretudo no tempo da Quaresma, pela importância da expiação dos pecados através da confissão. Esta preocupação com a reforma dos costumes e a dilatação da piedade cristã dos moradores das principais vilas e cidades foi claramente identificada, em 1695, pelo governador D. João de Lencastre (1694-1702), ao afirmar que «não pode hauer missão na gentilidade dos Certoens tão meritoria, como esta dentro nos muros da Bahia», denunciando, entre os prejuízos temporais e espirituais que afetavam toda a sociedade, o escândalo e os inconvenientes que resultavam da liberdade e vaidade com que trajavam as escravas129.

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Na carta ânua de 1694 enunciou Gusmão os ministérios praticados pelos jesuítas no auxílio dos africanos: «Lustratae Angolanae naves, mancipiis inde aspertatis onustae: Habitae in Plateis conciones diebus festis; et explicata ibidem christianae Fidei documenta, praesertim servis, qui multi in Brasilia sunt, a Cathecistis Angolanae lingua peritis: Excursiones factae extra urbes ad Molas, et officinas sacchareas, Afris mancipiis refertas» (Bras. 9, f. 400). Sobre esta temática, pode ler-se o artigo de Aécio FEITOSA, «Os jesuítas e os problemas da escravidão e da catequese negra no Brasil», Revista Portuguesa de Pedagogia (2ª Série, Ano XX), vol. 20, 1986, pp. 169-77.

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Segundo Paolo BROGGIO, a missão jesuítica, mais do que suprir as insuficiências da estrutura paroquial, encontrara nos meios urbanos um campo privilegiado de ação, tornando-se um eficaz instrumento de controlo do comportamento e da conservação do fervor religioso: «è diventata uno strumento di risveglio del fervore religioso e di controllo dei comportamenti (...) è proprio nell’ambiente urbano che anche in America i gesuiti intravedevano un campo privilegiato di azione, un ambiente particolarmente segnato dalla plurietnicità in cui un ruolo di assoluto rilievo era affidato all’introduzione di devozioni» (Evangelizzare il mondo: Le missioni della Compagnia di Gesù tra Europa e America (secoli XVI-XVII), prefazione di Francesca Cantù, Roma, Carocci, 2004, p. 282).

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Na Relação sumaria do q obraraõ os PP. da Comp.a de Jesu no Brazil em ordem ao bem espiritual do Proximo desde o anno 1690 até o de 1691, refere-se que «Converteram-se dous hereges Luteranos, hum Calvino, e hum Mouro ajudados com a divina graça por meyo dos PP. a retratar os erros passados, e a seguir a Igreja Catholica» (Bras. 9, ff. 375-375v).

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Cf. «praesertim quadragesimali tempore; et in appulsu, discessuque classium Lusitanarum; militibus aeque ac nautis a Portu non solventibus, nisi prius sacra exomologesi expiatis» (Bras. 9, f. 400).

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«Do Governador D. João de Lencastre, sobre o vestuário dos mulatos e mulatas», in José Pinheiro SILVA, «A Capitania da Baía», Revista Portuguesa de História, XI, vol. I (1964), pp. 40-113: «as mulatas, e negras que são forras, occazionão com as suas galas, e demaziado aceyo não so o empenho dos naturaes da Bahia, e dos do Reino que vem com seu negoçio, (mas o que he maia para sentir) a distraçam

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Em finais de Seiscentos, o número crescente de ações missionárias para consolação espiritual dos «brancos», concretizadas em diferentes ministérios e campos de atuação que visavam no seu conjunto a conversão interior e o aumento dos atos religiosos dos cristãos, sugere que se tenha verificado, de forma paulatina e sem a aprovação de todos os inacianos, uma ressemantização do conceito de missão. Inicialmente relacionado com as atividades de redução dos índios selvagens ao cristianismo, o termo missão, como exemplificam abundantemente os documentos coetâneos, começou a aplicar-se também a outros campos de atuação dos religiosos, em resultado de uma reorientação da vocação inicial dos jesuítas e das alterações demográficas e sociais da sociedade colonial brasileira. Com efeito, ainda que diminuísse o número de irmãos jesuítas que nas florestas e sertões procuravam converter os gentios à palavra de Deus, aumentou de modo significativo a quantidade de padres que nos colégios e escolas de aprender a ler, escrever e contar se ocupavam da educação dos filhos dos colonizadores e dos nascidos no Brasil. Além do mais, constituindo as instituições escolares e as residências da Companhia de Jesus um centro de irradiação de cultura e de saber no Brasil colonial, eram igualmente o espaço onde se organizavam as expedições urbanas e rurais que, através de sacramentos como a confissão e a comunhão, davam resposta às necessidades espirituais tanto dos moradores mais distintos como dos mais pobres e ignorantes. Como as cartas enviadas para o Geral da Ordem dão conta, as inúmeras missões itinerantes, desenvolvidas com um espírito de apostolado popular e rural, adquiriram suma importância social e religiosa para a população colonial dispersa pelo imenso território americano130. Na de muitos ecleziasticos simples, e Regulares, que menos Religiosamente faltão as obrigaçoens que huns professão, e outros deuem ao decoro do seu habito» (p. 103). Igual crítica ao modo de vida centrado no luxo, ostentação e vaidade, por oposição à falta de caridade com o próximo e ao desinteresse pelas obras de Deus, pode ser percebida na viagem alegórica do Predestinado Peregrino, quando o narrador censura o comportamento dos «moradores de Edem notavelmente deliciosos; por isso os moradores nam vendiam outras cousas, senam sedas, olandas, pastilhas, perfumes, & tabaco; era lastima ver os miseraveis tirar o vintem da boca para o nariz, porque muitos deixam de comprar o pam para a boca, por comprar o tabaco para o nariz; muitos vi gastar largos cruzados em flores, tabaco & perfumes, que nam tinham para o pobre hum vintem, ou para o faminto hum pam; outros, que em galas, em luvas, & (186) em cabeleiras, gastavam grande quantidade de moeda, que deviam grande suma de dinheiro. O que causava maior horror era, ver os Pays regalados, & os filhos famintos; os pagens trajados, & despidos os filhos; as mancebas vestidas, & as filhas nuas: os leitos armados de colchas, & cortinas de seda, & os Altares de Deos despidos, & faltos de tudo» (A. GUSMÃO, Historia do Predestinado Peregrino, e seu Irmao Precito, pp. 186-7).

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De modo ilustrativo, refira-se que a partir do Colégio da Baía «se exercitava uma quotidiana e perpetua missão, porq de todos os Bairros e Freguesias da Cidade, ainda das mais distantes, recorrem a ele, mandando chamar os PP. p.a em suas doenças se confessarem, p.a fazerem seus testam.tos, e p.a os ajudarem a bem morrer…» (Relação sumaria do q obraraõ os PP. da Comp.a de Jesu no Brazil em ordem ao bem espiritual do Proximo desde o anno 1690 até o de 1691 – Bras. 9, f. 375). Muitos são também os

verdade, com o intuito de disciplinar práticas sociais, morais e religiosas, os padres da Companhia percorriam as mais remotas paróquias, fazendas e engenhos. Para aumento da piedade religiosa e salvação das almas, pregavam a cada oito dias, liam o catecismo aos meninos, ouviam centenas de confissões gerais de toda a vida e confissões ordinárias, celebravam matrimónios para pôr fim a relações pecaminosas, livravam muitos pecadores das sugestões e opressões do demónio com recurso aos ritos do batismo e da confissão, compunham as pazes entre inimigos e acabavam com as vinganças entre os principais, contribuíam para a satisfação de injúrias públicas e a restituição pela retratação da boa fama violada, excitavam nos indígenas cristãos a frequência dos sacramentos e o culto da Virgem Mãe e recitação das contas do rosário nos tempos fixados131.

Ao ler as pormenorizadas descrições de missões volantes que no provincialato de Gusmão foram organizadas para benefício da população católica, torna-se evidente que as práticas missionárias usadas pelos padres da Companhia na Assistência do Brasil relatos de jesuítas que percorreram as serras e os sertões, afastando-se ainda mais dos principais povoados, «movidos da neccessidade espiritual, emq vivem alli os brancos faltos de Sacerdotes, q lhe administrem os Sacram.tos, e ainda a q o cuidado das ovelhas proprias, q deixamos sem pastor» (Bras. 15, 459v).

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Um pormenorizado relato das missões realizadas pelo célebre padre Andreoni, secretário de Gusmão no seu provincialato, inclui a enumeração dos ministérios realizados para fruto das almas dos visitados (Bras. 9, 412-413v). Na Relação sumaria do q obraraõ os PP. da Comp.a de Jesu no Brazil em ordem ao bem espiritual do Proximo desde o anno 1690 até o de 1691 compendiam-se os resultados de uma missão efetuada por dois padres desde Pernambuco até à Baía: durante quase cinco meses, procurando de propósito os moradores mais pobres e necessitados, reconciliaram mais de 2000 inimigos, pregaram 115 vezes, fizeram 1388 confissões gerais necessárias, deram a comunhão a 7909 pessoas, a que acresce equivalente número de confissões ordinárias, «e q trabalhoso exercicio era ouvir curraleiros, vaqueiros, e

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