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Discussões entre jesuítas: a formação de noviços e os métodos de

2. Missionário: evangelização dos índios e assistência espiritual dos colonos

2.3. Discussões entre jesuítas: a formação de noviços e os métodos de

A discussão acerca da escravidão dos índios constituiu de facto o ponto central da contenda entre os «Alexandristas» ou «grupo dos estrangeiros»133 – envolvidos sobretudo na educação ministrada nos grandes centros urbanos e tidos por contrários a uma estratégia de evangelização centrada em aldeamentos, a maior parte em zonas remotas do interior, em favor de uma missionação desenvolvida a partir dos colégios, juntando nomes tão influentes na província como os italianos Jorge Benci, autor de Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos (1700)134, e João António Andreoni, que, com o pseudónimo André João Antonil, escreveu Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas (1711)135, ou o flamengo Jacob Rolland, autor de uma controversa «Apologia pro paulistis»136, desaprovada por Roma, e o missionário alemão João Filipe Bettendorff, que compôs a Crónica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão137 –, e os «Vieiristas», defensores de um projeto de

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Esta distinção entre «Alexandristas» e «Vieiristas» foi introduzida pelo padre Serafim Leite, nitidamente afeto ao ilustre orador e missionário, revelando-se mais ambígua a sua opinião acerca de Gusmão, ora criticando-o, nomeadamente quando as suas ideias ou tomadas de posição diferiram das de Vieira, ora considerando-o, por exemplo, o maior pedagogo do Brasil colonial. No entanto, se o ilustre historiador da Companhia de Jesus na Assistência do Brasil afirmou que «O P. Alexandre de Gusmão assim como favorecia os mamelucos ou mestiços não se preocupava tanto com os Índios aldeados, e nisso era acompanhado ou movido por alguns Padres (posições recìprocamente opostas à do P. António Vieira)», não deixou ainda assim de elogiar a sua intervenção em todo este difícil processo, considerando mesmo que a solução encontrada em 1694 «coroou, digna e coerentemente, um apostolado de mais de meio século a favor da liberdade». Cf. S. LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, VI, p. 317.

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Joge BENCI, Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos (livro brasileiro de 1700), pref. e anot. por Serafim Leite, 2.ª. ed., Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1954.

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André João ANTONIL, Cultura e Opulência do Brasil, introd. e comentario crítico por Andrée Mansuy Diniz Silva, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. No artigo «Antonil e a Escravidão sem Mistérios», Ricardo Luiz de SOUZA analisa a relação entre os senhores e os escravos, constatando que para o jesuíta italiano a escravidão constituía uma componente natural do sistema de produção colonial, legitimando-se pela sua importância económica na criação de riquezas no Brasil (História & Perspectivas, Uberlândia, nn. 29 e 30, Jul./Dez. 2003 e Jan./Jun. 2004, pp. 239-253).

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Remetemos para o artigo de Carlos Alberto de M. R. ZERON, «Interpretações das relações entre cura animarum e potestas indirecta no mundo luso-americano», Clio – Serie Revista de Pesquisa Histórica, 27-1, Editora Universitária UFPE, 2009, pp. 140-77, no qual o autor analisa a «Apologia em favor dos paulistas, onde se prova que os habitantes de São Paulo e cidades vizinhas, ainda que não desistam da invasão [conquista] dos índios do Brasil, nem restituam a liberdade aos mesmos índios, são capazes, no entanto, de confissão sacramental e de absolvição», documento de defesa dos paulistas excomungados pelo breve Commissum nobis, de 22 de abril de 1639, devido à sua atividade de captura e escravização dos índios. No complexo contexto das missões jesuíticas, no quadro das tensas relações entre a conversão e a exploração do trabalho indígena, o autor discute – no plano político, económico, jurídico e teológico – a legitimidade das formas de domínio sobre os ameríndios e a direção temporal dos aldeamentos reais.

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João Felipe BETTENDORF, Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no Maranhão [1698], Belém, SECULT, 1990.

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missões concretizado em aldeias afastadas dos colégios e dos povoamentos.

Por entre violentas discussões e acusações pouco edificantes138 em resultado dos pensamentos discordes de Gusmão e Vieira, note-se que todas as tensões que eclodiram por aqueles anos entre os inacianos, ainda que centradas na questão da liberdade dos índios, traduziam sobretudo uma divergência acerca das estratégias e métodos de evangelização139 que nos finais de Seiscentos seriam mais úteis na «conquista de almas» para a Igreja, discordância que se estendia ainda ao processo de formação e direção dos noviços.

Na verdade, se desde que chegaram ao Brasil os jesuítas se ocuparam fundamentalmente na evangelização dos índios (pela pregação, pela organização de entradas no sertão e descimentos para o litoral, pela fundação de aldeamentos, por missões volantes), rapidamente perceberam que para os índios perseverarem na doutrina cristã – o que não se conseguia de forma segura com os métodos de conversão pontuais e os batismos em massa140 – se impunha num primeiro momento civilizá-los e educá-los

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Em carta dirigida ao P.e Geral Tirso González, de 2 de julho de 1690, Gusmão teceu duras críticas à atuação do P.e Vieira, então visitador, afirmando que «tiene perturbado los animos de muchos, pues q ni su ingenio, ni su exemplo son p.a reformar la provincia», e acrescentando que devido ao seu «violento e extravagante gobierno» se começava a perder uma Província tão benemérita (Bras. 3-2, f. 280). Note-se, no entanto, que a animosidade entre estes ilustres filhos de Santo Inácio não impediu que Gusmão tenha concedido licença para impressão da segunda parte dos sermões do Padre António Vieira, Maria Rosa Mística, incluindo esta obra no grupo dos mais notáveis sermonários de devoção mariana, particularmente os dois tomos de «Sermões do Rosário», «nos quaes cõ a sua costumada agudeza encarece muyto, naõ só o util desta devoçaõ, mas o modo cõ que se ha de fazer, ambos os tomos compendiados em trinta sermões, em que maravilhosamente persuade as excellencias, poderes, & maravilhas do Rosario da Senhora» (Rosa de Nazareth, p. 323). Os mesmos elogios são retomados na carta ânua de 1694 («Res litteraria ab uno Patre Antonio Vieyra pro omnibus aucta, edito in lucem singulis annis novo concionum volumine, aureis characteribus digno», Bras. 9, f. 40v), dando igualmente conta da sua estima pela Clavis Prophetarum, que leu ainda em manuscrito, conforme refere na Árvore da Vida: «o P. Antonio Vieira da Companhia de JESU compoz hum livro muy erudito, que naõ sahiu a luz, que intitulou: De Regno Christi in terris consumato, em que prova, que todas aquellas felicidades promettidas pelos Profetas se hao de cumprir nesta vida; e porque, supposta esta opiniaõ, ficavaõ os Oraculos dos Profetas claros, chamou a este seu livro: Clavis Prophetarum» (A. GUSMÃO, Arvore da Vida, Jesus Crucificado, p. 257).

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Cf. Jorge COUTO, «Estratégias e métodos de missionação dos jesuítas no Brasil», in A Companhia de Jesus e a missionação no Oriente, Actas do Colóquio internacional promovido pela Fundação Oriente e pela revista Brotéria, Lisboa, 2000, pp. 65-83; Ana Palmira Bittencourt Santos CASIMIRO, «Quatro Visões do Escravismo Colonial: Jorge Benci, Antônio Vieira, Manuel Bernardes e Joao Antônio Andreoni»; e «Igreja, Educação e Escravidão no Brasil Colonial», Politeia: Hist. E Soc., Vitória da Conquista, n. 7, 2007, pp. 85-102.

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O batismo em massa constituiu um dos principais motivos de controvérsia em relação à atividade missionária dos jesuítas desde os primeiros projetos de evangelização dos gentios – tanto da Ásia como da América, ainda que com estratégias diferentes, adaptadas à especificidade de cada contexto sociocultural. Pensados como um método capaz de proporcionar a conversão dos gentios de forma mais rápida do que as tradicionais estratégias de evangelização, observou-se porém que as celebrações em massa no Brasil, desprovidas de uma preparação doutrinal sólida, se revelavam muitas vezes pouco frutuosas, já que os índios retornavam com frequência à sua condição de pagãos, perdendo-se em definitivo as suas almas. Por este motivo, durante o Concílio de Trento afirmou-se a necessidade de reajustar o modelo de catequese a implementar com os índios, transferindo-se o ponto fulcral das missões

para só depois os instruir com a luz da fé católica. Com este intuito, além das escolas para ensinar as operações básicas de ler, escrever e contar – a que acrescia o estudo da música141 –, em conjunto com a instrução na doutrina cristã, não só aos filhos dos portugueses, mas também às crianças índias aldeadas, os superiores da Companhia procuraram organizar a formação de religiosos para dar resposta à permanente necessidade de missionários, tanto para atrair e catequisar os gentios como para conservar todos os cristãos, portugueses e nascidos em terras brasílicas, na frequência dos sacramentos e na guarda dos mandamentos.

Introduzidos na espiritualidade inaciana e imbuídos da vocação apostólica caraterizadora do seu instituto, muitos noviços eram levados a experimentar muito cedo a evangelização dos gentios residentes em aldeias remotas das florestas e do sertão. Ainda antes de pronunciarem os votos religiosos e de completarem os estudos, os candidatos eram tidos por capazes assim que possuíssem algum conhecimento de teologia e sobretudo se manifestassem conhecimento satisfatório da língua brasílica para o contacto com os índios. Em torno desta adaptação142 do plano de formação dos padres

apostólicas do batismo para a confissão (A preocupação com a inconstância de fé, fulcral –, recorde-se que Cf. Cristina POMPA, «O Lugar da Utopia: Os Jesuítas e a Catequese Indígena», Novos Estudos CEBRAP, n. 64, Nov. 2002, pp. 83-95). Refira-se ainda que o mesmo problema já se tinha posto na Índia, originando um desentendimento entre os jesuítas do colégio de S. Paulo, em Goa, e o arcebispo D. Gaspar de Leão, crítico do recurso ao batismo em massa, nomeadamente no Livro chamado Desengano de Perdidos (1573). Esta temática, integrada na leitura da obra de Frei Gaspar de Leão, foi abordada por Ricardo VENTURA em «Estratégias de conversão ao tempo de D. Gaspar de Leão, primeiro arcebispo de Goa – Reconstituição histórica de uma controvérsia», in A Companhia de Jesus na Península Ibérica nos sécs. XVI e XVII – Espiritualidade e Cultura, Actas do Colóquio Internacional, Porto, vol. II, Maio de 2004, pp. 505-518; e principalmente «Arte e discurso da oração na obra de D. Gaspar de Leão, primeiro arcebispo de Goa», Via Spiritus, 14, 2007, pp. 21-30.

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Entre as estratégias pedagógicas usadas pelos jesuítas para a evangelização dos índios, além da «pedagogia do medo» e da «pedagogia dos poderes sobrenaturais» decorrente das funções ministeriais assumidas pelos missionários, Aécio FEITOSA considera ainda a «pedagogia cultural», isto é, a apropriação pelos padres da Companhia de valores próprios da cultura nativa. De modo sintético, começando por recordar que os jesuítas se socorreram da língua brasílica, ou língua tupi, para a composição de orações e cânticos religiosos utilizados no ensino dos índios e para a composição de homilias, catecismos, peças teatrais e gramáticas, salienta igualmente a presença de instrumentos musicais dos índios nas cerimónias religiosas, o uso de cânticos indígenas para os atrair à catequese ou o ensino de músicas indígenas aos meninos órfãos que auxiliavam os religiosos na evangelização, a que se pode acrescentar ainda a integração da dança nas práticas missionárias. Cf. «Estratégia do discurso dos jesuítas junto aos indígenas brasileiros», Revista Portuguesa de Pedagogia (2ª Série, Ano XXI), vol. 21, 1987, pp. 69-76.

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Uma das caraterísticas que justifica a eficácia da ação missionária dos inacianos, mesmo em diferentes regiões e em meios políticos e culturais distintos, é a sua capacidade de adaptatio. No Brasil colonial, note-se que, mais do que responder às exigências das Constituições da Companhia de Jesus, que os primeiros jesuítas, liderados por Nóbrega, dificilmente terão conhecido em pormenor, a adaptação das estratégias de catequese (o uso do teatro, a apropriação e ressignificação de jogos, danças, rituais e costumes indígenas de acordo com os princípios cristão…) resultaram essencialmente das experiências particulares dos missionários em contacto com os naturais da terra. Sobre esta questão, leia-se de Célio

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resultaram polémicas conhecidas das cartas trocadas entre jesuítas, sujeitando-se os princípios definidos nas Constituições às condições e necessidades específicas das atividades de evangelização em terras americanas. Mais em resultado da experiência de contacto com os indígenas do que da obediência aos preceitos inscritos nas Constituições inacianas (preparadas desde 1546 até à versão definitiva de 1553), com a indicação de que os religiosos tivessem o cuidado de aprender a língua da terra onde se desenvolvessem missões permanentes, os jesuítas cedo perceberam que a aprendizagem do tupi era fundamental para de um modo mais eficaz conviverem com os indígenas e concretizarem a ação de evangelização. Sendo esta uma experiência que se revestia de um caráter provatório da vocação dos jovens inacianos, era também ocasião de inúmeros perigos para as suas almas – assim como o eram igualmente para os padres mais experimentados, como lembravam aqueles que se opunham a que estes residissem nas aldeias dos índios, e índias… – pelo que no provincialato do P.e José de Seixas se efetuou uma reforma do noviciado no sentido de que os noviços e irmãos juniores permanecessem sob orientação dos mestres até que adquirissem uma sólida formação que os orientasse na sua ação apostólica143. Em desacordo com o plano de formação dos noviços e a proibição de os integrar nas práticas missionárias, António Vieira acusou o P.e Seixas de desconhecer os «antigos usos da Província»144, acusando ainda de ceder nesta deliberação ao secretário da província, o P.e Alexandre de Gusmão. Alguns anos mais tarde, usando os seus reconhecidos dotes de orador, Vieira incentivou os noviços a completarem a sua formação nos sertões e aprenderem as línguas indígenas nas aldeias. Na Exortação I em Véspera do Espírito Santo na Capela do interior do Colégio, pronunciada em 1688, e dedicada aos «irmãos noviços e estudantes da Companhia de Jesus, zelosos, como todos devem ser, de empregar e sacrificar a vida à conversão e salvação dos gentios nas missões das nossas Conquistas», recomendou que «nesta Província, que o estudo da língua anteceda a todos os outros, sem que a eles possa Juvenal COSTA, «A evangelização jesuítica e a adaptação», Revista Educação em Questão, v. 22, n. 8, jan./abr. 2005, pp. 82-112.

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Comparando o estado de noviços ao de uma criança no ventre de sua mãe, Gusmão concebia o noviciado como tempo destinado à sua formação no espírito e nas forças necessárias para os trabalhos de evangelização: «assim como aquella de hum embriaõ se fórma em hum perfeyto homem, & com o tempo que a natureza lhe destinou, vay tomando fórma, espírito, & forças, para poder sahir a luz, como os mais homens; assim aquellas de humas crianças toscas, como embriões no ventre da Religiaõ, qual he o noviciado, que he o tempo, que a Regra lhes destinou, tomaõ fórma, espirito, & forças, para poderem sahir a luz, como os demais Religiosos, para mayor gloria de Deos, & salvaçaõ das almas.» (A. GUSMÃO, Rosa de Nazareth nas Montanhas de Hebron, p. 75).

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passar algum da Companhia de Jesus, sem primeiro ser rigorosamente examinado e aprovado nela», chamando os noviços para a atividade missionária e censurando a ambição de todos os religiosos que se deixassem mover pelos graus académicos e pelas «honrinhas», apresentando a Amazónia, os sertões e bosques da gentilidade como uma imensa «universidade de almas»145 onde poderiam aplicar o seu talento ao serviço de Deus.

Confrontado com a insuficiência de irmãos jesuítas para os trabalhos de administração temporal e espiritual dos índios que viviam nas aldeias, Gusmão propôs em 1696 que alguns índios cristianizados, instruídos na fé e educados segundo a moral e as práticas religiosas seguidas na Companhia, fossem admitidos no noviciado a fim de auxiliarem depois nas ações missionárias, exigindo contudo uma preparação adequada ao espírito apostólico da Ordem146. Com a mesma preocupação de assegurar a proteção e cuidado espiritual dos indígenas, integrando-se num processo de «contínua reelaboração de modalidades de catequese»147, propôs também que as aldeias mais pequenas e dispersas por zonas mais afastadas fossem concentrados em aldeias mais numerosas para que desta forma se pudesse atenuar a insuficiência de padres assistentes.

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No seu discurso, Vieira, acérrimo defensor da aprendizagem da lingua brasílica para a catequese dos nativos, remete para regra de Santo Inácio para justificar a sua posição nesta matéria: «Para maior ajuda dos naturaes da terra em que residem, todos aprendam a lingua d’ella», com a precisão de que «todos os estudantes e os professos, os irmãos e os padres, os discipulos e os mestres, os moços e os velhos, subditos e os superiores, sem que haja officio ou occupação alguma tão importante, que os exceptue d’esta, porque ella é a maior, a mais importante, e a de que depende o fim de toda a Companhia.» (António VIEIRA, Sermões (1679-1748), Porto, Lello & Irmão, 1959, V, pp. 385-386). O P.e Vieira teria em mente o preceito das Constituições da Companhia de Jesus, no capítulo oitavo, tratando «Del instruir los scolares en los medios de ayudar a sus próximos», que ordena que «[402] Ansín mesmo se exercitarán en el predicar y leer en modo conveniente para la edificación del pueblo (que es diverso del scolástico), procurando tomar bien la lengua y tener vistas y a la mano las cosas más útiles para este oficio, y ayudares de todos los medios convenientes para mejor hacerle y com más fructo de la ánimas» (Const. 4:402).

Cf. S. LEITE, «O Curso de Filosofia e Tentativas para se Criar a Universidade do Brasil no Século XVII», separata da Revista VERBUM, tomo V, fasc. 2, junho de 1948, pp. 121-123.

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Cf. «Et si juxta Societatis Leges, spiritu, literisque, ut oportet, prius instructi non sint, Missionarii nostri non erunt; nec eis absque formidine in Pagis utemur: justeque illi etiam conqueri poterunt, quod ante tempus a studiis avocentur, vel ab eis interruptis identidem amoveantur; et cum tam paucis in terra deserta, invia, et inacuosa occupentur, qui pluribus in unum locum coactis ibidem satis esse commodius possent, ac fructuosius»; «Cui etsi Indorum salus maxime cordi est; non ita tamen quae renda videtur, ut ipsis Missionariis necessario absque delectu designandis, ad huc imperfectis, atque imperitis, et in tot parvis Pagis, per has silvas sparsis, cum per exiguo Indorum numero versaturis, periculum non leve creetur; quod vitare facile posset, si quatuor, aut quinque e minoribus Pagis in unum coalescentibus, duo tantum Sacerdotes praessent, facilius inveniendi; eorumque curam suscepturi securius, atque libentius. Neque enim Sanctissime Parentis Nostri Ignatii mens fuit, binos in stationibus Sacerdotes cum ducentis, trecentisve Animabus occupatos videre, qui minoribus Urbibus Collegia denegebat, hodieque ejus sucessores denegant, maiore spe fructus alibi colligendi» (Bras. 4, ff. 9v-10).

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E se é certo que Vieira nunca deixou de defender o exercício da missionação entre os indígenas aldeados, como o próprio experimentou na Baía durante cinco anos e no Maranhão e no Grão-Pará durante nove148, neste campo de ação pode-se afirmar que Gusmão, ainda que sem ter vivido de muito perto as missões afastadas das populações, mas delas tendo perfeito conhecimento, revelou uma maior capacidade de ler o momento histórico e adequar as suas decisões à conjuntura social e política da Província do Brasil nos finais do século XVII. Na verdade, perante a insistência da «fação portuguesa» numa forma de instrução e doutrinação que durante mais de um século foi usada para converter os nativos e os proteger dos interesses dos colonizadores, por diversas vezes gerando uma animosidade que acabou, como é bem sabido, na expulsão dos religiosos de Santo Inácio das capitanias do Sul e do próprio Vieira do Maranhão149, Alexandre de Gusmão deu mostras de um espírito mais apaziguador e conciliador, resultante porventura de uma «lição de realismo»150 proveniente da compreensão da «dinâmica histórica e religiosa que levou a uma contínua reelaboração de modalidades de catequese»151. Neste mesmo sentido se devem entender as palavras de Serafim Leite, para quem a estratégia de concentração dos índios defendida por Gusmão «representava o bom senso prático, na aceitação do predomínio de uma nova classe que se impunha,

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