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Autor espiritual: o apostolado jesuítico e as diferentes vias da perfeição cristã

Tendo sido mestre de noviços, professor e reitor de diferentes colégios da Companhia de Jesus na Assistência do Brasil, fundador de um seminário para instruir e doutrinar os meninos mais desfavorecidos e por duas vezes provincial, Alexandre de Gusmão procurou em todas as suas atividades estimular o fervor religioso dos cristãos, leigos e religiosos, assim contribuindo para a maior glória de Deus e a salvação do próximo, tanto pelo exemplo como pela palavra, em conformidade com a regra do instituto inaciano. E para que o fruto do seu zelo de doutrinação moral e religiosa não

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Cf. Inocêncio Francisco da SILVA, Diccionario Bibliographico Portuguez, tomo I, p. 63; S. LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, VII e VIII, pp. 120-121 e 45-54. Acerca dos desentendimentos entre Vieira e os padres estrangeiros, leia-se também Francisco RODRIGUES, S.J., História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, vol. II, t. III, Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1944, cap. II: «Novas Expedições de Missionários no Século XVII», max. pp. 178-191.

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fosse útil apenas aos seus alunos, dirigidos e irmãos de religião, mas também comunicado aos vindouros, fixou os seus ensinamentos essenciais por escrito.

Representando a espiritualidade inaciana, seja pelo exemplo de vida ascética e disciplinada pela mortificação e obediência, seja pela produção textual, integrada tanto nos temas característicos de finais de Seiscentos e princípios de Setecentos, como nos ministérios praticados pela Companhia de Jesus, Gusmão definiu um modelo de homem cristão, participante nas devoções e nos exercícios espirituais organizados por Santo Inácio de Loyola. Integrado numa estrutura de pensamento proposta pelas instituições católicas no tempo que se seguiu ao Concílio de Trento, Alexandre de Gusmão orientou toda a sua atividade para um projeto de disciplinamento social, moral e religioso dos fiéis cristãos, definindo a virtude religiosa, a penitência, a obediência e a observância dos preceitos da Igreja e dos Mandamentos da Lei de Deus como meios fundamentais para alcançar o caminho da perfeição e união com Deus.

Para uma exata compreensão do sentimento religioso de Alexandre de Gusmão, convém desde logo ter em conta que a sua produção escrita se inicia e termina com uma proposta de imitação do Filho de Deus, tanto por meditação afetiva dos mistérios da encarnação e do nascimento do Menino Jesus de Nazaré, em Escola de Bethlem, Jesus nascido no Prezepio (1678), como por uma dolorosa consideração dos mistérios da paixão e morte de Cristo, na obra póstuma Árvore da Vida, Jesus Crucificado (1734). Sendo estes os mistérios da fé centrais na piedade dos cristãos, note-se que esta adoração do nascimento e da humana fragilidade do Menino representa uma progressiva alteração na vida espiritual dos crentes, tradicionalmente devotos do mistério da cruz, motivo da comoção que conduz ao arrependimento e consequente conversão interior. Por outro lado, nesta meditação sobre os mistérios do nascimento, paixão e morte de Cristo, o autor enuncia as três vias de acesso à perfeição – purgativa, iluminativa e unitiva –, propondo uma intensa vivência da vida sacramental, sobretudo da confissão e da comunhão, a par da mortificação das paixões e das potências da alma. Deste modo, Gusmão retoma duas linhas cristológicas definidas desde o século XIII159, explicando os mistérios da fé que se colocam no centro da devoção cristã, desde o nascimento e a

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De acordo com Luis MALDONADO, a um Cristo «mayestático, sublime y teológico» sucede-se na piedade cristã a afirmação da humanidade do Filho de Deus, da sua infância à paixão: «A través de las predicaciones del siglo XII, las cruzadas y la influencia de san Bernardo, que cantará la infancia de Jesús tierna y conmovedora, al igual que la pasión sufrida de modo caballeresco, el pueblo se irá formando una imagen de Cristo como la de un hombre de carne y hueso cuya historia concreta encanta a la imaginación popular.» (Génesis del catolicismo popular: el inconsciente colectivo de un proceso histórico, Madrid, Ediciones Cristiandad, 1979, p. 49).

infância do menino até à sua paixão e morte na cruz, propondo-se, pelo contraste entre a inocência e a fragilidade do Menino e o sacrifício de Cristo, suscitar a comoção dos fiéis. Nestas obras que orientam o leitor em busca da perfeição de vida, o padre jesuíta aconselha ainda a mediação do Filho de Deus, tanto por via da afetividade proposta na meditação de cenas da natividade e do mistério da encarnação, como por intermédio da cruz, considerando o mistério da paixão de Cristo na sua humanidade, assim incitando os fiéis a imitar os passos e a bem morrer como Cristo.

Figura 1

Inserindo-se numa corrente espiritual de crescente devoção à infância e humanidade de Cristo, e estimulado pela constatação de que «apurandose tantos os engenhos, & a devação de tantos para nos explicar os Mysterios da Morte, & Paixão do Senhor, tão poucos se occupárão em nos declarar os de seu Santo Nascimento; porque sendo muitos os que nos derão a provar os amargos da Cruz, muitos poucos nos derão a gostar as doçuras do Prezepio»160, Alexandre de Gusmão estruturou toda a Escola de

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«PROLOGO AO LEYTOR», A. GUSMÃO, ESCOLA DE BETHLEM, JESVS NASCIDO NO PREZEPIO. PELLO P. ALEXANDRE DE GUSMAM Da Companhia de JESU da Provincia do Brazil. DEDICADO AO PATRIARCHA S. IOSEPH. EVORA. Com todas as licenças necessarias.NA

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Bethlem de modo acomodado ao título, repartindo-o em Classes, Lições e Documentos161. A primeira parte, ou Livro, trata da origem e fundação desta Escola, elogia a condição do Mestre, indica os discípulos mais assinalados e apresenta o livro em que devem estudar as matérias da salvação eterna. No segundo Livro instrui os discípulos incipientes na via purgativa, fornecendo-lhes documentos sobre os primeiros princípios da Ciência do Céu, a extirpação dos vícios e vitória das paixões, o desprezo do mundo, e a penitência e milícia espiritual para vencer os pecados da soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja, preguiça. O terceiro Livro é destinado aos que frequentam a segunda classe, ou via iluminativa, transmitindo aos discípulos proficientes ou provectos os documentos das virtudes sobrenaturais ensinadas pelo Menino nascido no presépio: a fé como fundamento das virtudes da humildade, pobreza, obediência, benignidade e renovação da vida. Por último, o quarto Livro ensina aos discípulos perfeitos, na via unitiva, a doutrina de amor e união com Deus repartida em três graus –, desejo, amor e união. Funcionando como um manual de lição e meditação, sublinhe-se que tanto a disposição das matérias como o esquema argumentativo162 de todos os documentos da Escola de Bethlem partem de uma gravura do Presépio, atribuída a Richard Collin163, que antecede a folha de rosto. No quadro da literatura representativa e emblemática, as figuras representadas na lapinha são acompanhadas de versículos das Escrituras alusivos ao nascimento de Jesus, alimentando cada personagem e cada atavio o engenho do padre Gusmão para uma sucessão de metáforas, imagens e analogias acomodadas ao exercício de composição de OFFICINA DA UNIVERSIDADE, ANNO 1678. 4.o, XIV-319 pag., com um frontispício gravado, além do rosto impresso. Segunda ediçãode 1735. A Dedicatória é feita «Ao Patriarcha S. Ioseph Esposo da Mãy de Deos», «o primeiro depois de sua Mãy, que o adorastes nascido, & que por espaço de quarenta dias, que com elle assististes naquella Lapinha, ouvistes a celestial doutrina, que da cadeira de seu prezepio, com o exemplo mais que com a palavra nos ditou». Indiciando a estima que as obras de Gusmão mereceram dos seus coetâneos, refira-se que já no século XVIII foi editada em italiano com o título Scuola di Betlemme aperta da Giesu Bambino nel presepio, descritta in lingua Portoghese dal P. Alessandro di Gusmano; e tradotta nell’Italiana dal P. Antonmaria Bonucci..., Roma, Bernabò, 1714, 319 pag.

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Gusmão justifica a organização da obra com base em metáforas do universo escolar por ser a forma mais acomodada à sua intenção didática: «Vai disposto por aluzão, & metafora ao livro usual, por metaforas, & aluzoẽs da Sagrada Escritura, para maior devação, & comodidade do que isso ler». (A. GUSMÃO, Escola de Bethlem, Jesus nascido no Prezepio, p. 32).

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Uma leitura global desta obra de Gusmão, incluindo uma cuidada análise da sua organização temática e estrutural, foi feita por Sara AUGUSTO, «Escola de Bethlem: amor e pedagogia», Via Spiritus, Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, Porto, CITCEM, 17, 2010, pp. 109-132.

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Richard Collin sculp. Antv. Desenhador, gravador e geógrafo, Collin nasceu em 1627, no Luxemburgo, e faleceu por volta de 1697. Tendo trabalhado na Academia de J. Sandrart, a sua produção espalhou-se por toda a Europa, estabelecendo-se em Antuérpia e Bruxelas, merecendo o cargo de calcógrafo de Carlos II.

lugar, seguindo os ensinamentos de Santo Inácio. Repetindo as mesmas estruturas discursivas ao longo da obra, o autor introduz com afeto, doçura e emoção cada meditação do mistério do nascimento de Jesus, terminando sempre com um emotivo colóquio, depois de cotejar o exemplo dado pelo Deus Menino no presépio com a ingratidão dos homens, suplicando a intercessão da luz divina para que, pela imitação das virtudes ensinadas na pequena gruta, cada cristão procure merecer o amor de Deus.

Figura 2

Principiando a sua produção textual com Escola de Bethlem, Jesus nascido no Prezepio, não deixa de ser significativo que Gusmão tenha deixado para o fim dos seus dias a Árvore da Vida, Jesus Crucificado164 (1734), sugerindo um itinerário de perfeição

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A. GUSMÃO, ARVORE DA VIDA, JESUS CRUCIFICADO. DEDICADA Á SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA N. S.RA DOLOROSA AO PÈ DA CRUZ. PELO PADRE ALEXANDRE DE GUSMAÕ, Da Companhia de JESU. OBRA POSTHUMA DADA À ESTAMPA Pelo P. MARTINHO BORGES, Da mesma Companhia, Procurador Geal da Provincia do Brasil. Lisboa OCCIDENTAL, na Officina de BERNARDO DA COSTA CARVALHO, Impressor da Religiaõ de Malta, ANNO MDCCXXXIV. Com todas as licenças necessarias. 4.o. Ainda que publicado postumamente, este tratado de devoção a Cristo ficou concluído antes de 20 de agosto de 1718, data em que José de Almeida, visitador-geral e vice- provincial da Assistência do Brasil, assinou, na Baía, a «LICENÇA DA RELIGIAM». Contudo, a sua publicação só seria retomada quase uma década após o falecimento do autor, por ocasião dos avanços verificados no processo de canonização entretanto inciado. Numa das «LICENÇAS DO SANTO OFFICIO», assinadas por Fr. Manuel de Sá, em Lisboa, no Convento de N. S. do Carmo, a 18 de maio de

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espiritual centrado na vida e nos ensinamentos de Jesus Cristo, princípio e fim da sabedoria celestial revelada nos mistérios do nascimento e morte de cruz. No quadro de um amplo conjunto de obras que propõem a meditação nos mistérios da paixão de Cristo165, temática profundamente enraizada nas práticas de oração e devoção dos fiéis, Gusmão começa por lembrar que entre as árvores que Deus plantou no Paraíso terreal, somente a Árvore da Vida possuía a virtude de que todo o que comesse do seu fruto lograsse viver para sempre. Continuando a explicação de como no paraíso celestial Jesus ressuscitado representa a Árvore da Vida da Igreja Triunfante, assim no paraíso terreal Jesus crucificado figura a Árvore da Vida da Igreja Militante, o padre jesuíta propõe a consideração do muito que Cristo padeceu na cruz e os exemplos que em toda a paixão ofereceu, porque «della receberemos naõ só a vida, mas tambem a scencia para abraçar todo o bem, e fugir de todo o mal»166. Dividida em cinco partes, correspondentes a igual número de elementos que compõe a Árvore da Vida e as virtudes associadas a cada um, o autor começa por louvar as virtudes da raiz, figura da Divindade e Humanidade de Cristo, e do tronco, representando o sangue e vida do Senhor, «que em virtude da Raiz dá vida a toda a Arvore». Na segunda parte, enuncia as virtudes dos ramos, referentes a tudo o que Cristo padeceu e falou na cruz. Na terceira, discorre pela variedade e formosura das folhas que ornam a divina árvore, que são todos os gloriosos nomes, elogios e atributos que a Sagrada Escritura aplica a Cristo crucificado. Na quarta, elogia a fragrância suavíssima das suas flores, que são todas as virtudes que o Filho de Deus exercitou na cruz. Por último, enaltece os frutos que desta árvore se colhem, correspondentes aos que S. João identificou na Árvore da Vida do 1733, e pelo Padre Mestre Fr. Tomás de S. José, em Lisboa, no Convento da Santíssima Trindade, a 13 de junho de 1733, este último elogia a utilidade da obra composta por «documentos solidos, e ponderações utilissimas, com que os Catholicos se firmem na Fé, e os peccadores emendem as vidas, e reformem os costumes».

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Como demonstra José Adriano CARVALHO, «desde o século XI a contemplação terna da Paixão de Cristo ganhou profundidade», exemplificando com a evocação de «Cristo sofrente» em S. Bernardo, S. Francisco, S. Boaventura, com a Arbor Vitae ou as Meditationes de Passione ou as Meditationes Vitae Christi que lhe são atribuídas. Registando os pontos mais significativos do novo modo de devoção e desejo de divulgação dos traços dolorosos de Cristo na cruz, de Tauler a Henrique Suso, Ubertino de Casale, autor de Arbor Vitae Crucifixae Jesu, ou Ludolfo de Saxónia, entre outros escritores espirituais, afirma-se a prática de meditação na Humanidade de Cristo na Península Ibérica no século XVI. Cf. José Adriano de Freitas CARVALHO, «Evolução na evocação de Cristo sofrente na Península Ibérica (1538- 1630)», in Homenaje a Elías Serra Ráfols, II, Universidad de La Laguna, La Laguna, 1970, pp. 47-70; e «Achegas ao estudo da influência da Arbor Vitae Crucifixae de Ubertino da Casale e da Apocalypsis Nova em Portugal no século XVI» in Via Spiritus, 1, 1994, pp. 55-109.

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A. GUSMÃO, Arvore da Vida, Jesus Crucificado, «PROEMIO»: «Elle com a virtude de sua morte nos deu a vida, e com a efficacia de seu exemplo nos ensina, que de tal sorte mortifiquemos nossas paixões, e moderemos os maos humores de nossos naturaes com o calor de seu Divino amor, que consigamos nesta vida perfeita saude na Alma, e na outra a salvaçaõ.»

Paraíso Celestial167. A temática e a argumentação desenvolvida nesta obra deixam perceber, desde logo, que Gusmão conservou até ao fim da sua vida a preocupação de orientar os fiéis na via da perfeição moral, religiosa e espiritual, encerrando a sua atividade de escrita com um tratado que contém «documentos solidos, e ponderações utilissimas, com que os Cathlicos se firmem na Fé, e os peccadores emendem as vidas, e reformem os costumes»168.

É também no âmbito das propostas de Alexandre de Gusmão para guiar os fiéis cristãos no difícil caminho da perfeição de vida que lemos a História do Predestinado Peregrino e seu Irmão Precito (1682)169, a primeira novela alegórica em língua portuguesa170. Com evidente intuito catequético, o padre jesuíta proporciona ao leitor uma oportunidade de examinar e reformar a sua forma de vida, podendo identificar-se ou com a personagem do Predestinado, que o orienta para a salvação eterna, ou com o Precito, figura dos vícios e comportamentos que são punidos com os tormentos infernais171. Dedicada «Ao Peregrino celestial S. Francisco Xavier Apóstolo do

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A. GUSMÃO, Arvore da Vida, Jesus Crucificado, «PROEMIO».

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A. GUSMÃO, Arvore da Vida, Jesus Crucificado, «LICENÇAS DO SANTO OFFICIO», pelo Padre Mestre Fr. Tomás de S. José, Lisboa, Convento da Santíssima Trindade, 13 de junho de 1733.

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A. GUSMÃO, HISTORIA DO PREDESTINADO PEREGRINO, E SEU IRMAM PRECITO, Em a qual debaixo de huma misteriosa Parabola se descreve o successo feliz, do que se ha de salvar, & a infeliz sorte do que se ha de condenar, DEDICADA AO PEREGRINO CELESTIAL, S. FRANCISCO DE XAVIER, Apostolo do Oriente, COMPOSTA PELLO P. Alexandre DE GUSMAM da Companhia de JESU, da Provincia do Brazil. EVORA, Com todas as licenças necessárias na Officina da Universidade. Anno de 1685. 8.º de VII-371 pag. [1.ª edição: Évora, na Officina da Academia, 1685. 8.º de XVIII-254; 3.ª edição: Lisboa, por Filippe de Souza Villela, 1724. 8.º]. Ainda no século XVII, «para vtilidad de las almas christianas», teve esta «novela alegórica» uma tradução para castelhano: HISTORIA DE PREDESTINADO PEREGRINO, Y SU HERMANO PRECITO: En la qual, debaxo de vna misteriosa Parabola se descrive el succeso feliz, del que se ha de salvar, y la infeliz suerte, del que se ha de condenar, DEDICADA AL PEREGRINO CELESTIAL SAN FRANCISCO XAVIER Apostol del Oriente., en Barcelona, Por Rafael Figueró, 1696. Ao longo do nosso estudo, citamos a partir da edição de 1685, por estar presente num número muito significativo de bibliotecas, portuguesas e estrangeiras, e disponível em formato digital em vários sítios da internet, facilitando a leitura aos leitores mais interessados.

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Leia-se a este propósito o artigo de Carvalho ENES, «Alexandre de Gusmão e o primeiro romance brasileiro», Lisboa, [s.n.], 1946 [Separata de Ethnos, Rev. do Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia. Vol. 3].

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Acerca da função catequética das «novelas», remetemos para Zulmira C. SANTOS, «Vícios, virtudes e paixões: da novela como “catecismo” no século XVIII», in Península. Revista de Estudos Ibéricos, n.º 3, 2006, pp. 187-99. Para o estudo da construção alegórica desta obra, recomendamos a leitura das teses de doutoramento de Sara AUGUSTO, A Alegoria na Ficção Romanesca: do Maneirismo ao Barroco, Viseu, Faculdade de Letras da Universidade Católica Portuguesa, 2004, e Micaela Ramon MOREIRA, A Novela Alegórica em Português dos Séculos XVII e XVIII. O Belo ao serviço do Bem, Braga, Universidade do Minho, 2006. Para uma síntese do itinerário geográfico/ simbólico e temático percorrido pelas personagens, indicamos os artigos do P.e Mário MARTINS, «História do Predestinado Peregrino e de seu irmão Precito», in Brotéria, 78,1964, pp. 697-708, e Zulmira C. SANTOS, «Emblemática, memória e esquecimento: A geografia da salvação e da condenação nos caminhos do “prodesse ac delectare”: a HISTORIA DO PREDESTINADO PEREGRINO, E SEU IRMAM PRECITO (1682) de Alexandre de

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Oriente»172, enuncia-se no «PROEMIO» a utilitas desta narrativa em forma de parábola: «O que nos importa, he caminhar para a nossa patria, saber os caminhos, & procurar a entrada, para o que vos servirà de guia o exemplo da historia, ou parabola seguinte»173. Neste «roteiro da vida, ou morte sempiterna», poderá o leitor seguir os passos alegóricos de cada um dos Peregrinos no caminho do Céu e do Inferno, «para q conforme a elle governe seus passos, e vendo-o, não tenha escusa, se se perder». Dividindo a obra em seis partes, porque tantas são as cidades que Predestinado conheceu até chegar a Jerusalém, símbolo da bem-aventurança, e as cidades por onde passou Precito até chegar à Babilónia, representação do Inferno, Gusmão instiga o «piedoso Leytor» a considerar nesta jornada espiritual174 a história da sua vida, a que vive ou devia viver, fornecendo-lhe os documentos essenciais para acertar na eleição e assim obter a salvação eterna. Representando o comportamento moral e religioso que conduz ao prémio da corte celestial, Predestinado, seguindo os conselhos da Razão, sua esposa, e de Bom Desejo e Reta Intenção, seus filhos, caminhou em direção a Belém, casa de pão e cidade do desengano, depois que nela nasceu a verdade de Deus. De Gusmão SJ [1629-1724]», in Companhia de Jesus na Península Ibérica nos séculos XVI e XVII. Espiritualidade e Cultura, Actas do Colóquio Internacional, Porto, FLUP, II, 2004, pp. 563-581.

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«Justo foi, Glorioso Apostolo do Oriente, que seguindo este meu Peregrino vossos passos, como luz que sois de Peregrinos, sò debaixo de vossa protecção sahisse a luz, para que assim no roteiro de vosso exemplo se leão mais bem compostos os acertos de seu caminho». Gusmão, ao ensinar as celestiais virtudes e divulgar os caminhos para a glória eterna, acaba por exercer um apostolado similar ao de S. Francisco Xavier, desejando, por isso, revelar-se igualmente proveitoso para as almas cristãs por via dos seus escritos: «allumiando tantas terras com luzes peregrinas de celestiaes virtudes atè chegar à doce Patria de Jerusalem do Ceo, como Predestinado Peregrino: por isso tomais tanto à vossa conta os Peregrinos, que para là caminhão: que sendo jà Cidadão daquella Patria appareceis ainda como Peregrino

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