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RESISTÊNCIA NA COMUNIDADE ESTUDADA

6.1.2 Associação dos Moradores de Barra do Dia e Viola

Dado o contexto da luta pela terra, a primeira estratégia coletiva desenvolvida pelos moradores e moradoras da comunidade foi a fundação da associação visto que, a partir dela, a organização destes torna-se clara. De acordo com Galetta (2011) O associativismo é uma forma viável de se alcançar objetivos coletivos por parte dos produtores/trabalhadores rurais, uma vez que estes enfrentam dificuldades de inserções no presente contexto de desenvolvimento da agricultura brasileira. Por associação, compreende-se segundo (Toledo e Amadeu 2014 apud Turra, Santos e Colturato, 2002)

Entidades constituídas de pessoas, sem fins econômicos, dirigidas por uma diretoria eleita, cujas funções estão subordinadas à vontade coletiva e democrática de seus associados (…) para ter viabilidade deve desempenhar alguns papéis, como a representação e defesa dos interesses dos associados, estímulo ao convívio democrático entre os indivíduos, estímulo à melhoria técnica profissional e social, orientação no processo de comercialização, etc.

demandas vividas pelos sujeitos e sujeitas envolvidas em reivindicações políticas e estratégias de luta. Como exposto, o conflito na comunidade tem início com a invasão e cercamento, por parte do usineiro e antigo patrão, das áreas onde os moradores do engenho vizinho (Viola) tinham suas casas construídas e desenvolviam agricultura e, posteriormente se intensifica quando os moradores e moradoras do Engenho Barra do Dia, antigos funcionários da Usina Vitória, sem receber o pagamento pelo trabalho executado e passando por necessidades, decidem iniciar seus cultivos nas áreas onde anteriormente havia o monocultivo de cana-de- açúcar.

A partir da mobilização dos moradores de Viola junto com os moradores de Barra do Dia e da CPT para enfrentar as ações arbitrarias dos funcionários da Usina Vitória a mando do “proprietário” José Bartolomeu, foi fundada a Associação dos Moradores de Barra do Dia e Viola com 87 famílias associadas, sendo 80 residentes em Barra do Dia e 7 residentes em Viola. A associação, fundada em 2011, utiliza a antiga garagem do engenho para realizar suas reuniões que acontecem normalmente todas as segundas quartas-feiras de cada mês. (fotos 8 e 9) O presidente da associação foi escolhido através do voto da comunidade, com o mandato definido para quatro anos, porém o presidente permanece o mesmo desde a fundação por que, segundo alguns moradores, ninguém se interessou em assumir o cargo.

Foto 8 - Reunião da associação com candidatos a prefeitura.

Foto 9- Reunião da associação para resolução de pendências referentes ao DAP

sendo aguçada com as vivências e reuniões da associação, a solidariedade e o sentido de comunidade. Esse sentido foi construído junto à CPT que explicou à comunidade como funcionava uma associação, por que era necessária a existência de uma na comunidade e quais eram as obrigações dos associados.

“Depois da associação melhorou mais né? Pela associação a gente consegue as coisas mais fácil. O acesso as coisas é mais fácil. Organiza mais. Veja mesmo, se eu for lá na prefeitura dizer que tá faltando alguma coisa no engenho, eu vou com meu nome, sozinho, não faz peso pra ele. Agora se eu for como a associação, aí é o peso de 80 pessoas, entendesse?” M.J.S.

“Olhe, a associação foi importante, viu? Por que, assim... a gente precisava resolver as coisas daqui e se fosse cada um por si só não ia dar jeito não. Veja mermo quando tem mais gente pra resolver um negócio fica mais simples né? Eu acho importante ter a associação. E a gente decide tudo votando, não é nada de um mandando no outro. Só faz as coisa se todo mundo concordar. Se tiver um que diga não, a gente conversa. ” S.H.

“Olhe, trator a gente pede pela associação, os negócio do PNAE a gente resolve pela associação, os documentos pra energia aqui, pros poste foi tudo pela associação. Então, quer dizer, as coisas anda né?” M.C.S.

Outro aspecto percebido no tocante a associação é que através das reuniões, os moradores expõe algumas dificuldades na lida com a terra e vão sendo construídas alternativas entre eles. Por exemplo, se alguma cultura foi semeada mas não vingou e outro agricultor possuir a semente, este doa para aquele que perdeu as sementes anteriormente. Isso deixa claro o sentido de coletivo, reciprocidade e ajuda mútua presente no campesinato.

Com o passar dos anos a confiança foi ampliada entre os moradores e o espaço de reunião também se tornou, espaço de convivência e lazer, onde, além de pautar melhorias para a comunidade, se encontram, conversam, combinam ações juntos, etc. Sendo assim, o espaço da associação também torna-se um espaço de convivência e socialização da comunidade.

“Ah, quando tem reunião eu gosto, por que a gente melhora as coisa aqui, mas também conversa, vê o povo, por que no dia a dia ninguém tem tempo de tá pelas porta de ninguém. Aí no dia da reunião todo mundo conversa, ri, é aquela festa.” C.M.

Depreendemos o pré-parcelamento, detalhado no capítulo anterior, também como resistência visto que, ainda que não oficial, é o primeiro passo para a realização da reforma agrária e foi primordial para aumentar a segurança em relação a permanência na terra dos sujeitos e sujeitas envolvidas no conflito.

Também ampliaram sua territorialização com a ocupação de áreas que ainda não haviam sido utilizadas para os seus plantios, de maneira que agora toda a área do engenho disponível, está sendo ocupada (foto 10). Essa estratégia lhes dá mais possibilidades no enfrentamento com o proprietário, é uma parte espacializada de sua resistência.

Auxiliou no aumento da área plantada, visto ter organizado as produções e deu subsídios para o aumento da renda familiar, pois os agricultores e agricultoras puderam expandir e diversificar seus roçados, aumentando a quantidade de produtos comercializados.

Foto 10 – Preparação da parcela para policulturas

A produção de culturas diferentes da cana-de-açúcar no engenho, principalmente para autoconsumo é prática antiga dos moradores. Mesmo nas administrações em que não era permitido o cultivo, alguns o faziam sem o conhecimento da usina, como forma de complemento e garantia de manutenção da família, visto que o pagamento realizado pela usina era irrisório e não se dava de maneira fixa.

Dada a crise do sistema sucroalcooleiro instalada no Nordeste, muitas usinas em Palmares faliram, assim como a Usina Nortesul para qual os moradores de Barra do Dia prestavam serviço. Assim, sem a garantia de trabalho na usina próxima e sem possibilidade de migrarem ou oferecerem seus serviços à outras usinas diante do contexto vivido, a grande maioria dos moradores que já plantavam, ampliou a área que usava, para além de manter a família com o que era produzido, vender o excedente e a parte dos moradores que só trabalhava na cana, começou a plantar com a mesma finalidade.

Antes mesmo do engenho ser administrado por usinas era comum a produção de banana e mandioca pelos agricultores e agricultoras. A banana era consumida pela própria família e a macaxeira era transformada em farinha na antiga casa de farinha existente na comunidade e comercializada na feira livre de Palmares. No período de crise, os que já realizavam o plantio aumentaram a produção com “lavoura branca” e algumas hortaliças que também seriam comercializadas.

Atualmente a maioria dos agricultores tem uma produção diversificada (foto 10,11,12), alguns fazem uso de herbicidas e utilizam agrotóxico em algumas culturas mas é crescente o número de agricultores que estão fazendo a transição agroecológica e começam a produzir sem o uso de agrotóxicos, devido sua participação na Feira da Economia Solidária e a atuação da assistência técnica na chamada da ATER Agroecologia.

Em geral cultiva-se diversas espécies de banana (prata, pacovan, maçã e comprida), milho, macaxeira, batata inglesa e batata doce, hortaliças e frutas diversas. (foto 13) Após o pré-parcelamento, como as parcelas foram redistribuídas e havia cana nas novas áreas, alguns moradores resolveram esperar a época de colheita para então começar seus “roçados” nos locais definidos. Alguns também criam animais, sendo a maioria ovelhas e galinhas, mas alguns criam cavalo que servem como meio de transporte e porcos.

também, mas era pouco. Agora que eu comecei a aumentar. Hoje tá melhor. Hoje eu vivo da agricultura. Você que trabalha pra usina, todo aquele que trabalha pra usina é escravo. Queira ou não, é escravo. Por que o patrão as vez chega assim: Faça aquilo ali, to precisando de você ali. Ai você dizer que não é seu serviço, ele lhe suspende. Diz que você não tá servindo ele. Fica oprimindo a pessoa, era pra você trabalhar a pulso. Hoje eu trabalho o dia que quero. Hoje o patrão é eu mesmo. Ele escravizava o trabalhador. Naquela época eu era escravo.” J.J.S

“Meu marido tá lá no roçado agora. Ainda é mais cana que ele tá mexendo, sabe? Por que tinha lá na parcela já. Antes ele plantava não. Trabalhava na cana somente. Antes não podia plantar por que era da usina, agora que tem cada qual seus pedaço, ai sim ele tá começando” M.L.S.

“Eu botava veneno na banana, agora eu não boto mais não. A lavoura fica outra, fica melhor. A banana fica melhor. Quando a gente passa veneno na terra, adoece o solo e aquele veneno vai pra lavoura né? Vai se alimentando, passa pro fruto e o fruto fica de mal qualidade né?” J.F.

“A gente criava carneiro, mas tava dando prejuízo demais. Ficando doente. Aí to esperando estiar um pouco pra poder começar lá em cima. Tinha porco, mas vendi por que não tinha lugar pra botar ele. Agora só tem uns cavalinhos que ajudam a gente a ir até a parcela.” J. F.

Foto 10, 11 e 12 – Esquema de diversidade da produção

Foto 13 - Produção nas parcelas

Fonte: Anamaria Medeiros, 2017

Os agricultores que produzem banana, vendem parte de sua produção para atravessadores diversos que geralmente levam o produto pra ser comercializado em Alagoas, uma parte de alguns é destinada à feira e outra parte da produção de bananas é destinada ao PNAE, parceria iniciada em 2016. Grande parte deles hoje comercializa seus produtos na Feira da Economia Solidária de Palmares desde 2012. Outro aspecto interessante observado é que a comercialização dos produtos na feira é feita pelas mulheres que nem sempre participam da produção.

“Aqui eu planto pra dentro de casa e pra vender na feirinha. Eu gosto da feira, a da economia solidária. Eu vou mais minha filha vender, acerola, pimenta, couve, alface, feijão, batata, milho… o que tiver dado nós leva. Nessa da economia solidária o carro vem buscar a gente. Quando não é da prefeitura, a gente paga todo mundo um carro e leva pra lá e pra vender na de Palmares a pessoa tem que ter um carro próprio pra levar as coisas.” M.S. 55 anos.

parasse um dia tinha um tal de renumerar, feriado, num sei que… se você parasse perdia três dias de serviço, você ia sustentar a família com cinco dias de serviço. Não dava pra nada. Hoje eu vivo da agricultura, tem esses menino tudinho, cinco meninos e minha mulher e eu, sete pessoas. E vive todo mundo bem.” J.J.S.

“Antes do pré-parcelamento a banana toda ia pra atravessador, depois do movimento aqui que apareceu essa história de fazer entrega de banana pra merenda escolar.” J.F.

“Tem milho, macaxeira, cará, banana, feijão, batata... Geralmente tem atravessadores e tem a feira da economia solidária e minha mãe vai vender. Cana tem também, mas tá novinha, a gente ainda vai ver pra onde vai vender, tá esperando da o tempo, mas é só pra não perder. A gente quer ficar com cana não.” E.S.