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4 NOTAS SOBRE CAMPESINATO E RESISTÊNCIA

5 ENGENHO BARRA DO DIA E SEUS PROCESSOS

5.3.1 O conflito dentro do conflito

No final de 2016 a Usina Treze de Maio contatou 31 ex-trabalhadores da empresa para acordos de dívidas trabalhistas o que iniciou uma situação conflituosa dentro da comunidade, pois muitos acreditam que os documentos seriam acordos para o pagamento de uma parcela da dívida trabalhista em troca da saída das pessoas de suas propriedades.

Com informações colhidas no Incra, a Usina Treze de Maio, ainda é propriedade de Paula Jucá viúva de João Carlos Lyra, que faliu sem quitar as dívidas com os trabalhadores, e por questões burocráticas essa terra não foi passada pra outro nome, por isso o processo de desapropriação iniciado nos anos noventa ainda está parado.

Essa foi uma informação que tivemos bastante dificuldade de confirmar a veracidade, devido às burocracias junto ao Incra, ao cartório de Palmares e ao processo envolvendo os moradores de Barra do Dia e a Usina Vitória. É comum, no ato do arremate, a usina que assumirá a administração, assumir também as dívidas da antiga gestão. Nesse sentido a dívida que está sendo quitada é da Usina Treze de Maio, mas quem assina os documentos é a gestão da Usina Vitória.

burocráticos não foram concluídos e ao que indica a Nortesul é um nome fantasia e a usina, por conta de todos esses trâmites e processos trabalhistas, ainda é a Usina Vitória, de propriedade de Bartolomeu. Isso faz sentido quando pensamos que a ação de invasão de propriedade foi movida por José Bartolomeu, mesmo anos depois da Usina Nortesul assumir a administração.

A compreensão da situação fica ainda mais difícil ao acompanharmos os relatos dos moradores. “Eu perguntei ao presidente do sindicato (dos Trabalhadores Rurais de Palmares). E ele disse que Chico (Francisco Melo, sobrinho e sócio de Bartolomeu) vendeu o Engenho Trombeta pra pagar o pessoal de Barra do Dia.” M.S.

“Até hoje a gente não recebeu, botou na justiça por causa “trabalhistica” né? Ele (Beto) não indenizou a gente. Da vitória, pra Nortesul ele não pagou, ele passou o que devia pra Nortesul. Ele tá pagando, mas não é direito não… um pessoal fez uns acordos, eu não fiz não. Por que ele me deve quarenta mil reais, eu trabalhei um tempo lá, e agora ele quer pagar 3 mil reais. Aí não existe.” E.F.

“Nós, mais antigos, tem uma causa trabalhista com a Treze de Maio e agora eles tavam pagando trinta e uma pessoas, parece, esse dinheiro que tavam devendo. Só que conforme o sindicato que a gente procurou saber foi aquelas casas novas que foi feita lá em Água Preta no terreno que era da Treze de Maio aí o governo pagou a usina por que construiu no terreno que era dela e pegou o dinheiro pra pagar ao pessoal que tavam devendo fazia tempo.” M.J.S.

“Chegou uma lista com trinta nomes pra assinar aqui, que é esse dinheiro que assina e não sabe que é pra ir simbora. Eles dizendo que era dívida antiga. O povo aqui não tem leitura. A gente disse pra tirar foto e falar com a advogada pra saber o que era. O povo tudo querendo o dinheiro, a maioria pegou. Aí agora só Deus sabe o que vai acontecer.” C.B.

“A gente levou o papel lá no Incra. Um morador daqui assinou, né?! Tava precisando. Mas não tinha leitura. Acreditou no que falaram. Aí a gente levou o papel lá no Incra. O homem leu e disse: - É, pra você sair dessa agora você tem que procurar seu advogado pra ver se desfaz isso aqui. Se o seu negócio era 50 mil e você assinou por 3 ou 4, você tá perdido.” Agora não foi falta de aviso.”A.F.

A situação confusa gerou muitos atritos entre os moradores. Alguns afirmam ser estratégia de Bartolomeu para conseguir expulsar os moradores do engenho e expandir a criação de gado para corte que vem desenvolvendo. “Beto tem o olho fixo aqui. Ele tem uma visão ampla pra Barra do Dia e São João da Prata. Como é que vou saber se esse dinheiro não é parte disso?” S.H.

Mas não tinha leitura. Acreditou no que falaram. Aí a gente levou o papel lá no Incra. O homem leu e disse: “ - é, pra você sair dessa agora você tem que procurar seu advogado pra ver se desfaz isso aqui. Se o seu negócio era 50 mil e você assinou por 3 ou 4, você tá perdido.” Agora não foi falta de aviso. Tá tão claro, tá tão visto que isso é a saída do povo daqui. Como é que sua vó faleceu, tô fazendo uma representação aqui, visse? Como é que tua vó morreu faz 30 anos e agora tu vai receber? Quando fossem te tirar tu dizia que não podia sair por que a herança da vó, que eles (da usina) devia, não foi paga. Então agora essa terra também é minha. Então eu vou ficar na área que era deles. Eles fizeram um terreno bem feito, foi pagando tudo. ” M.R.

“O Incra disse que se você assinou e você tinha 50 mil pra receber, assinou 6. Se assinou fique certo que assinou pra você sair, viu? 6 mil e sua saída. Então essa terra que é pra você receber o senhor fique certo que não vai conseguir. Ganhou 6 mil reais e a sua terra ficou pra ele (….) Como é que a gente quer a terra de Barra do Dia e vai assinar papel de gente que também quer a terra? Pra tomar de nós, né?” A.F.

Em paralelo a esse conflito em relação a lista e como o processo de desapropriação não foi sequer iniciado e a questão da reintegração de posse ficou estacionada na justiça, a Associação dos Moradores de Barra do Dia e Viola em reunião decidiu como estratégia de enfrentamento e luta, realizar um pré-parcelamento não-oficial do engenho. O pré- parcelamento não-oficial é uma manobra utilizada pelo movimentos sociais e comunidades para agilizar o processo de implementação do assentamento quando o processo de desapropriação ainda não foi reconhecido ou inciado pelo Incra. Quando o imóvel entra em processo de desapropriação o pré-parcelamento em alguns casos é reconhecido pela instituto.

No processo de pré-parcelamento (figura 8) realizado em março de 2016 com apoio da CPT, cada morador ficou com o equivalente a nove hectares.

No sentido geral a maioria dos moradores gostou de como a divisão foi feita e alega que facilitou a organização e o desenvolvimento das lavouras. Mas há alguns conflitos decorrentes do recebimento dos valores propostos na lista da Treze de Maio.

“Aí tu vende tua área de terra, perdesse tua parte. E eu que não fiz acordo nenhum, não recebi nada, aí agora quer dividir a minha pra mim e pra você. Eu não desfrutei de nada. Aí vem dividir a minha pra mim e outra pessoa?! Esse é o problema da desunião de Barra do Dia.” M.R.

“Quer assinar, assine. Agora depois eu não aceito você ir reclamar quando dividir a terra. Por exemplo, se é nove hectares pra cada um, que reparta só pra quem não recebeu. Por que aí é injusto, recebe o dinheiro e na hora de dividir a terra fica tudo igual pra todo mundo. E eu que não recebi fico com a mesma quantidade de terra de quem não lutou? Eu não aceito isso de jeito nenhum.” A.F.

vai haver confusão Tem gente ali que tem tudo organizado, as plantinhas todas certas já, o roçado tudo com lugarzinho e não assinou nada. Aí chega quem assinou e redividir com as coisas dele lá dentro? Eu acho injusto.” S.H.

“Olhe, eu gostei desse negócio de dividir a terra, mas eu acho que já que ele teima o pé que tem esses hectar aí, devia tirar esses 400, fazer o pré-parcelamento com o que sobrasse e se ele não cobrasse, ai sim redividia. Mesmo que ficasse uma parcela aqui e outra acolá. É mais seguro.” C.S.

Outra frequente queixa dos moradores é referente a forma como o parcelamento foi feito. Antes do conflito acontecer, alguns moradores já desenvolviam algumas culturas. Em geral cultivavam banana, batata e macaxeira porém em “lotes” não oficialmente divididos, separavam sem medir ou davam uma certa distância de um roçado para outro e, assim, alguns tinham uma área maior que outros para plantar. Na divisão, como foram calculados nove hectares para cada morador, alguns tiveram a área disponível para agricultura ampliada e outros tiveram suas áreas reduzidas, o que implicou na perda de espaço e de algumas culturas para outros moradores.

“No pré-parcelamento também deu coisa errada. Eu plantava banana, minhas banana ficou no meio pra mim e outro caba lá. Ou seja, minhas banana, não esperou sair. Ficou uma área de terra já com banana pra desfrutar. Errado, né?” S.H.

“Tem uma mulher ali em cima que ficou com minhas banana. Na divisão, sabe? Aí ela queria que eu tirasse os cacho antes do tempo pra ela começar o roçado dela. Aí eu disse que não ia me prejudicar. Ou eu vendia as banana pra ela ou ela esperava pelo menos dá uns cacho.” F. S.

bagunçado o negócio, não sabia onde plantava, os animais soltos. Aí agora o povo tem sua área pra plantar. Quem cria bicho tem que ter cuidado pra não incomodar o vizinho que planta, essas coisas. O pré-parcelamento foi pra organizar, pra não perder terra toda mas meu pai mesmo perdeu um pedaço de terra.” A.F.

“Foi uma coisa que ajudou muito a gente esse pré-parcelamento, visse? Mesmo perdendo um pedaço aqui, outro ali, agora já tá mais seguro que é da gente.” M.S. “O pré-parcelamento foi bom. Por que você já sabe onde plantar. Agora a gente precisa do documento pra ter garantia mesmo, até hoje nada. A gente precisa disso aí.” J.J.S.

É fala constante dos moradores a questão da perda de alguns pedaços de suas propriedades, mas, em geral, os agricultores e agricultoras de Barra do Dia ficaram satisfeitos com a divisão dos lotes. A segurança no tocante ao recebimento do documento de posse da terra foi ampliada e os que já produzem estão interessados em aumentar a produção e os que ainda não produziam estão entusiasmados para iniciar os seus roçados.

“A gente não sabe nem como é que vai ser. Não tem papel passado, não tem nada ainda, né? A gente não pode dizer que tamo seguro e agora tamo pra ser parceleiro, não podemos dizer que somos parceleiro fixo, né? Aí uns planta banana, outros planta macaxeira” A.F.

“Se se abestalharem, ele vai entrar com a cara de pau e tomar conta de tudo.” S.H. “Eu tô esperando a cana que tem ali plantada ficar no tempo, pr’eu tirar e começar o meu roçado. Vai ser bem melhor que o dinheiro é meu, vou trabalhar só pra mim, essas coisa.” A.S.

Mesmo sem a documentação oficial e o processo de desapropriação para a realização do pré-parcelamento saírem do papel, a comunidade tem estado mais segura em relação ao conflito. O usineiro não reagiu a divisão dos lotes e a CPT continua acompanhando a comunidade na sua organização e realizando formações nas reuniões que acontecem todos os meses. Também atuando junto a assistência técnica e com grupos criados para fortalecer os mecanismos de resistência e luta que trataremos no capítulo a seguir.