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A associação entre capital público e capital privado e controle pelo Estado

1 A CONVOLAÇÃO DA SOCIEDADE ANÔNIMA EM SOCIEDADE DE

3.3 A associação entre capital público e capital privado e controle pelo Estado

conjugação entre o capital público e privado; esta característica é uma das que lhe confere – tomando por empréstimo a expressão de Bandeira de Mello – a individualidade jurídica que decorre da sua qualidade de maior acionista ou de previsão legal ou estatutária, no caso de participação minoritária do Estado nestas sociedades. No entanto, esta peculiaridade não é o elemento nuclear daquela figura societária; ela é um elemento acessório à configuração da sociedade de economia mista, posto que o elemento principal, o que lhe dá forma, é a gestão conjunta da sociedade através de representação no conselho de administração da companhia.

Conforme Lucrecia Maish Von Humboldt, a co-participação do Estado no capital social da sociedade ao lado de particulares constitui a pedra angular da instituição: se os capitais fossem exclusivamente estatais, estaríamos ante a uma “empresa pública”; se os capitais fossem exclusivamente privados, estaríamos diante de uma empresa privada. Portanto, a conjugação de capitais públicos e privados deve coexistir com a participação do Estado na gestão da empresa, obedecendo a razões de interesse geral, para que se estruture uma sociedade de economia mista. 86

A participação do ente público na administração da sociedade é pacificamente admitida, mas há quem, até mesmo, defenda a possibilidade da gestão da sociedade poder

85 Prestação de serviços públicos e administração indireta: concessão e permissão de serviço

público, autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas, fundações governamentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 94.

86 Sociedades de economía míxta. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Dirección

existir sem a participação pública no capital87; antagonicamente, João Eunápio Borges, amparando-se em Bernard Chenot, entende que a participação majoritária do Estado tanto no capital da sociedade quanto na sua administração é fatal ao êxito das sociedades de economia mista, sob o risco destas se transformarem em simples autarquia ou repartição pública.88

Desta associação de capitais, da qual decorre a gestão da sociedade, dois tipos de sociedade de economia mista se distinguem: pela primeira, a sociedade de economia mista majoritária, o Estado deve possuir a maior parte do capital social e estar em posição preponderante, tanto financeira quanto administrativamente. O segundo tipo – sociedade de economia mista minoritária – contempla a participação minoritária do Estado no capital social, razão pela qual ele tem pouca ou quase nenhuma participação efetiva na vida administrativa da empresa. Este tipo de sociedade de economia mista não existe no direito brasileiro.

José Cretella Júnior observa que, em quase todos os países, as sociedades de economia mista tendem a se encaminhar para majoritárias e, posteriormente, para empresas públicas, já que, na grande maioria das vezes, o Estado tem maiores possibilidades e prerrogativas para atender a interesses de ordem coletiva.89 No mesmo sentido, para Alcides Greca, se se considera que na sociedade de economia mista deve prevalecer a participação majoritária do Estado no acionarato e com seus representantes, então melhor seria a exploração direta do serviço pelo poder público, não tendo objetivo algum a implantação do sistema misto.90 Assim, a predominância da presença do Estado na composição e na vida administrativa da sociedade traz a ele tantos privilégios e prerrogativas, que aquela figura societária acaba por se aproximar do terreno reservado às pessoas jurídicas de direito público.

87 Cf. SANTOS, Theophilo de Azeredo (As sociedades de economia mista no Direito Brasileiro:

prática, jurisprudência, legislação. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 46) e ÁLVARES, Walter T. (As sociedades de economia mista. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 38, pp. 20-28, out./dez. 1954, p. 24).

88 Sociedade de economia mista – Aumento de capital – Participação da minoria na direção da

sociedade – Fábrica Nacional de Motores. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 180, a. 55, pp. 63- 71, nov./dez. 1958, p. 65.

89 Empresa pública. São Paulo: Bushatsky, 1973, p. 141.

90 El sistema de economia mixta em la realizacion de los servicios publicos. Santa Fé: Imprenta

Surge então a questão, muito debatida, se a participação majoritária do Estado no capital social é necessária à configuração da sociedade de economia mista. Sob o nosso ponto de vista, nos filiamos à corrente que entende que a participação majoritária do Estado nas sociedades de economia mista é de extrema importância: tendo em vista que estas sociedades são instrumentos da atuação estatal na consecução de determinados fins de interesse coletivo, afastar a presença massiva do Estado de sua estrutura é incorrer no risco de que a sociedade seja dirigida a outros rumos que não àqueles para cuja finalidade foi criada.91

Contrariamente, Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que, salvo disposição da própria lei, inexiste relação necessária entre a configuração jurídica da pessoa e o volume da participação acionária do Estado; para o autor, salvo definição legal que exija supremacia acionária do Poder Público, é irrelevante para o jurista saber se o Estado detém a maioria ou a minoria das ações. Assim, a participação majoritária do Estado não seria elemento determinante da natureza da sociedade de economia mista, pois não é circunstância apta a incluir ou excluir uma sociedade na categoria de economia mista.92

Então toda sociedade que possuir predominância acionária estatal em sua estrutura poderá ser definida como sociedade de economia mista?

Para que não se incorra nesta confusão, faz-se necessário distinguir entre a sociedade de economia mista e a sociedade com mera participação estatal, como alude Eros Grau: na primeira, em sua interioridade, a organização estatal procede como Estado-poder, conservando parcelas de poder de império, possuindo prerrogativas excepcionais e derrogatórias da legislação comum. Já na segunda, a organização estatal assume a qualidade de simples Estado-acionista, procedendo em igualdade de condições às demais pessoas privadas que detenham a mesma qualidade.93 94

91 Este também o pensamento de Britto Davis, para quem a participação mínima de 51% do este

público no capital social das sociedades de economia mista deveria se constituir em princípio geral e pacífico. (Tratado das sociedades de economia mista. Rio de Janeiro: José Konfino, 1969, v. I, p. 185).

92 Prestação de serviços públicos e administração indireta: concessão e permissão de serviço

público, autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas, fundações governamentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, pp. 97-98.

93 Considerações a propósito das sociedades de economia mista. Revista de Direito Público, São

Paulo, n. 17, pp. 113-132, jul./set. 1971, p. 131.

94 No mesmo sentido é a lição de Lúcia Valle Figueiredo, para quem “[...]só há sociedade de

economia mista quando o Estado participa da sociedade, utilizando-se de prerrogativas especiais, interferindo na gestão dessa sociedade e alocando recursos, não apenas na qualidade de sócio, mas

Chegamos à conclusão, portanto, de que, para a configuração de uma sociedade de economia mista, essencial que o controle da sociedade pertença ao Estado, sob pena de se desvirtuar o fim último para o qual foi criada – um fim de interesse público –, mas o fato de uma sociedade apresentar controle acionário estatal não faz dela uma sociedade de economia mista – para isso, depender-se-á de que a lei que a criou lhe outorgue poderes excepcionais, derrogatórios da legislação comum.