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O interesse público nas sociedades de economia mista

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O INTERESSE PÚBLICO NAS SOCIEDADES DE

ECONOMIA MISTA

Dissertação de Mestrado Orientador: Prof. Titular Dr. Gilberto Bercovici

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO São Paulo

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O INTERESSE PÚBLICO NAS SOCIEDADES DE

ECONOMIA MISTA

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Direito Econômico e Financeiro

Orientador: Prof. Titular Dr. Gilberto Bercovici

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Bonfim, Natália Bertolo

B696i O interesse público nas sociedades de economia mista/ Natália Bertolo Bonfim. -- São Paulo : N. B. Bonfim, 2011.

124 f. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, 2011. Orientador: Prof. Gilberto Bercovici.

Inclui referências bibliográficas.

1. Interesse público – Brasil. 2. Sociedade de economia mista – Brasil. 3. Intervenção do Estado na economia – Brasil. 4. Domínio econômico – Brasil. I. Bercovici, Gilberto. II. Título.

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Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Direito Econômico e Financeiro

Aprovada em:

Banca Examinadora

Prof. Dr. _________________________ Instituição: ______________________________ Julgamento: ______________________ Assinatura: ______________________________

Prof. Dr. _________________________ Instituição: ______________________________ Julgamento: ______________________ Assinatura: ______________________________

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Ao Professor Titular Dr. Gilberto Bercovici, pela oportunidade concedida e pela atenção durante o processo de orientação.

Aos Professores Dr. Fernando Dias Menezes de Almeida e Dr. José Maria Arruda de Andrade, pelas valiosas sugestões apresentadas na banca de qualificação.

Aos amigos do Oliveira Matos Advogados, pelo apoio durante a árdua caminhada.

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BONFIM, N. B. O interesse público nas sociedades de economia mista. 2011. 124 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

O trabalho trata do interesse público nas sociedades de economia mista enquanto tipo societário que agrega participação estatal e privada em seu capital social, e que se constitui em instrumento do Estado para a implementação de políticas públicas. Analisa os elementos que as caracterizam e os problemas internos e externos que delas decorrem, buscando demonstrar que toda sua estrutura gravita em torno do interesse público que lhes dá causa. Em um segundo momento, percorre os meandros da expressão interesse público,

investigando seus aspectos ideológicos e a compreensão do conceito no decorrer da evolução histórico-cultural do pensamento jurídico-político. Assegura que sua essência de conceito jurídico indeterminado não retira a possibilidade de sua melhor aplicação a cada caso concreto, tendo em vista que seu núcleo permanece aberto à realidade. Entende que, com a instituição do Estado Democrático de Direito pela Constituição Federal de 1988, que erigiu a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental da ordem econômica-social, o interesse público passou a constituir uma forma de garantir a satisfação dos interesses privados, pelo que não se pode incorrer no erro de afirmar que o interesse público coloca em risco os direitos fundamentais, conferindo à expressão um caráter autoritário que, em verdade, ela não contém. Aduz sobre a propalada idéia de supremacia do interesse público sobre o interesse privado, não contemplada explicitamente pelo texto constitucional, mas amplamente admitida pelo Direito Administrativo como princípio que consagra uma finalidade imperativa e indisponível da Administração e de seus agentes. Apresenta o embate atual na doutrina brasileira entre a corrente de juristas que propugna pela “reconstrução” do princípio da supremacia do interesse público, com base na nova roupagem que lhe foi conferida pela Constituição Federal, de garantidor dos direitos fundamentais, frente à corrente que defende a “desconstrução” do princípio que, a seu ver, colocaria em risco os interesses privados, o que demandaria um juízo de ponderação entre os interesses conflitantes. Em seguida, passa a analisar o interesse público como elemento fundamental da atividade estatal e combate que a participação do Estado na exploração direta de atividade econômica tenha caráter subsidiário; o Estado não só pode, como deve intervir no domínio econômico, visando assegurar o melhor interesse público a ser realizado. Em sua parte final, o trabalho traz, especificamente, a compreensão do interesse público nas sociedades de economia mista com base nas questões clássicas que derivam da atuação do Estado em um contexto macroeconômico, sob a perspectiva do poder de controle, da função social da empresa, do lucro e da concorrência. Conclui que o interesse público nas sociedades de economia mista se confunde com sua própria finalidade e deve ser compreendido tanto como elemento que norteia todos os aspectos de sua constituição, tanto como elemento que direciona a atuação estatal na atividade econômica.

Palavras-chave: Interesse público. Sociedade de economia mista. Intervenção. Estado.

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BONFIM, N. B. The public interest in joint ventures. 2011. 124 f. Thesis (Master’s Degree) - Law School, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

The paper discusses the public interest in joint ventures as a type of company that combines state and private participation in its capital stock, and that it constitutes in an instrument of the State for the implementation of public policies. It analyzes the elements that characterize them and the internal and external problems resulting thereon, seeking to demonstrate that their whole structure revolves around the public interest that gives them rise. Then it goes through the intricacies of the term public interest by investigating its ideological aspects and understanding the concept in the course of historical and cultural evolution of the legal and political thought. It ensures that its essence of indeterminate legal concept does not remove the possibility of its best application in each specific case, given that its core remains open to reality. It considers that, with the establishment of the Democratic Rule-of-law State by the Federal Constitution of 1988, that raised the human dignity as a fundamental principle of social-economic order, public interest began to be a way to ensure satisfaction of private interests, by that you cannot make the mistake of asserting that the public interest endangers the fundamental rights, giving the expression an authoritarian character that, in fact, it does not have. It brings forward the divulged idea about supremacy of the public interest over the private interest, not covered explicitly by the Constitution, but widely accepted by the Administrative Law as the principle that elects a mandatory and unavailable purpose of the Administration and its agents. It presents the current resistance in Brazilian doctrine between the jurists current who advocates the “reconstruction” of the public interest supremacy principle, based on the new look given to it by the Federal Constitution, of guarantor of fundamental rights, and the current that defends the “deconstruction” of the principle that, in their opinion, endanger the private interests, which would require a court to deliberate between conflicting interests. Then it analyzes the public interest as a fundamental element of the state activity and it combats that the State’s participation in the direct exploitation of economic activity has subsidiary nature; the State not only may, but must intervene in the economic order, in order to ensure the best interest public. In its final part, this paper brings, specifically, the understanding of the public interest in joint ventures based on the classic questions that arise from the actions of the State in a macroeconomic context, from the perspective of controlling power, company’s social function, profit and competition. Its conclusion is that the public interest in joint ventures is confounded with its own purpose and should be understood both as an element that guides all aspects of its constitution, and as an element that directs the State action in economic activity.

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INTRODUÇÃO ... 8

DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA ... 13

1 A CONVOLAÇÃO DA SOCIEDADE ANÔNIMA EM SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA ... 13

2 A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA NO DIREITO BRASILEIRO ... 20

3 PECULIARIDADES ... 29

3.1 A tentativa de uma conceituação ... 29

3.2 Natureza jurídica ... 33

3.3 A associação entre capital público e capital privado e controle pelo Estado ... 37

3.4 Criação por lei ... 40

3.5 Fim de interesse público ... 43

3.6 Tipificação ... 45

4 ESTRUTURA HÍBRIDA: PROBLEMAS EXTERNOS E INTERNOS ... 47

4.1 Regime jurídico ... 47

4.2 A sujeição às normas legais e estatutárias e os direitos dos acionistas minoritários ... 50

4.3 Controle administrativo e fiscalização ... 52

4.4 A responsabilidade dos administradores nomeados pelo Estado ... 54

4.5 Dissolução ... 57

DO INTERESSE PÚBLICO ... 59

5 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA ... 59

6 A IDEOLOGIA DO INTERESSE PÚBLICO ... 60

6.1 Evolução histórica da concepção de interesse público ... 61

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7.2 O embate atual da doutrina brasileira: “reconstrução” x “desconstrução” do princípio

da supremacia do interesse público ... 76

8 O INTERESSE PÚBLICO COMO FUNDAMENTO DA ATIVIDADE ECONÔMICA ESTATAL ... 80

9 AS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA E O INTERESSE PÚBLICO NO CONTEXTO MACROECONOMICO ... 83

9.1 O poder de controle na empresa estatal ... 84

9.2 Função social da empresa, interesse social e interesse público ... 87

9.3 O Estado, o interesse público e o lucro ... 94

9.4 A empresa estatal e a concorrência ... 101

10 CONCLUSÃO ... 106

(10)

INTRODUÇÃO

O desenrolar do processo econômico trouxe, em cada época, uma maior ou menor intervenção do Estado na economia: no liberalismo, defendia-se a existência de uma mão

invisível a regular o mercado – campo em que o Estado não deveria adentrar –; no Welfare

State,o Estado deveria providenciar o atendimento aos direitos fundamentais dos cidadãos

(aqueles necessários à sua sobrevivência), enquanto no neoliberalismo o Estado é chamado a intervir na ordem econômica apenas em situações de riscos à sociedade.

Na medida em que foram atribuídos ao Estado novos encargos, o Poder Público se viu na iminência de utilizar diferentes instrumentos a fim de assegurar o bem-estar coletivo. Em sua nova missão, o Estado passa a estimular empreendimentos em setores em que a produção é escassa e, portanto, as necessidades são mal ou nada atendidas, e assim o faz no intuito de alcançar metas que seriam tardiamente conseguidas quando executadas pelos particulares. A isto, soma-se a assunção de tarefas no sentido de preservar o mercado, garantindo o seu adequado funcionamento, evitando que da livre concorrência possam advir conseqüências danosas à ordem pública (como a formação de monopólios e o abuso de posição dominante), e tudo com vistas a permitir uma melhor distribuição da renda, buscando a eliminação das desigualdades, buscando realizar, assim, a justiça social.

Apareceram, então, as empresas estatais como verdadeiros instrumentos de transformação da ordem econômica e social a serviço do Estado. No Brasil, apesar de já existentes algumas empresas do Estado, como o Serviço Postal (1663) e o Banco do Brasil (1808), a criação destes entes se intensificou com o nacionalismo econômico que floresceu no país após a Revolução de 1930.

Sob o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), o Estado passa a concentrar a constituição de empresas em áreas relacionadas com o “desenvolvimento da nação”, como por exemplo, nos setores de minas e energia1 e siderúrgico2, setores que, pela necessidade de aplicação de vultosos investimentos e de expansão acelerada, não encontravam na

1 Companhia Hidroelétrica do São Francisco (1945) e Companhia Vale do Rio Doce (1942).

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iniciativa particular plenas condições de desenvolvimento. Movida pelo lucro, a iniciativa privada não poderia responder aos interesses nacionais, restando ao Estado assumir a orientação da política nacional desenvolvimentista.

Aos governos que se seguiram, manteve-se a tendência de crescimento das empresas estatais. Para Armando Castelar Pinheiro3, esse crescimento constante das empresas estatais resultou de vários processos distintos: (i) desenvolvimentismo, baseado na decisão de instalar um setor industrial diversificado no Brasil, com a criação de estatais em áreas nas quais o setor privado não estava disposto a investir ou não tinha condições para tanto; (ii) preocupação com a segurança nacional, que envolvia a escassez de produtos durante a Segunda Guerra Mundial, o desejo de manter as indústrias estratégicas sob o controle do governo e decisão de limitar a participação de empresas estrangeiras na economia brasileira; (iii) a estatização de empresas estrangeiras em áreas nas quais a regulamentação não conseguiu atrair os níveis de investimento necessários pelo grande crescimento econômico do Brasil, como por exemplo, ferrovias, comunicação e energia elétrica; (iv) a proteção excessiva dos investidores, seguida pela estatização, quando, por força de contrato, a regulamentação obrigava grandes transferências de recursos públicos para empresas estrangeiras, o que sofreu grande resistência política; (v) a verticalização e diversificação das atividades das grandes estatais, motivadas pelo objetivo de ocupar “espaços ociosos”, com a criação de subsidiárias e controladas4; (vi) a estatização de empresas falidas, que eram grandes devedoras de bancos públicos e operavam em setores pouco familiares à administração pública, como hotéis, usinas de açúcar, editoras etc.

O momento histórico-econômico dos anos 30 demandava a iniciativa empresarial do Estado para capitanear a industrialização em setores considerados estratégicos, cabendo a ele concentrar capital e supervisionar a constituição da base produtiva, mas também apoiar o capital privado por meio do fornecimento de insumos básicos a preços acessíveis.5

3 A experiência brasileira de privatização: o que vem a seguir? 35 f. Apresentado na Segunda

Conferência Anual de Desenvolvimento Global, realizada em Tóquio, de 10 a 13 de dezembro de 2000. Texto para Discussão n° 87. Disponível em:

<http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Publicacoes/Consulta_Express a/Setor/Privatizacao/200011_5.html>. Acesso em: 09 mar. 2011.

4 Entretanto, entendemos que a criação de subsidiárias teve como principal intenção o reforço do

caixa das estatais, e não tão-somente a verticalização e diversificação de suas atividades.

5PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal: função econômica e dilemas societários. São

(12)

Neste sentido, afirma Sulamis Dain que

“[...] o padrão de industrialização brasileiro teve como corolário a imposição de limites à atividade produtiva estatal, que obedeceram à mesma racionalidade capitalista que presidiu a divisão de áreas de atuação no capitalismo europeu. Assim, como na Europa, a atividade empresarial do Estado se localizou prioritariamente em setores que, sendo elos essenciais na cadeia de relações interindustriais, não correspondem aos interesses diretos do setor privado nacional ou estrangeiro, no que diz respeito à alocação ideal para seus próprios investimentos”.6

Desta forma, as empresas estatais não são produtos de ideologia, de afirmação autoritária e voluntarista, e sim, surgiram como resposta às necessidades criadas por transformações estruturais, provocadas pelo processo de desenvolvimento7. Assim, em boa medida, a ampliação do número de empresas estatais operou-se pela multiplicação de subsidiárias, promovida, principalmente, pela Petrobras e pela Companhia Vale do Rio Doce, e pela absorção, parcial ou total, de empresas privadas em dificuldades financeiras, geralmente por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) e do BNDESPAR (subsidiária integral do BNDES), como se deu, por exemplo, com a Caraíba Metais S.A., Companhia de Celulose da Bahia, Companhia Brasileira do Cobre, dentre outras.8

O modelo de administração com vistas ao desenvolvimento do país consolidou-se com a edição do Decreto-Lei n° 200, de 25 de fevereiro de 1967, que implantou a reforma administrativa federal brasileira, classificando a Administração Pública em Direta – ministérios e demais órgãos diretamente subordinados à Presidência da República – e Indireta, constituída pelos órgãos descentralizados: autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.

Apesar da rápida expansão da administração indireta no período denominado de “milagre econômico”, compreendido entre 1968 e 1973, o Decreto-Lei n° 200 fracassou. Salvo os casos de preenchimento de cargos por concursos públicos, a Administração

6 Empresa estatal e capitalismo contemporâneo. Campinas: Editora Unicamp, 1986, p. 269.

7 ABRANCHES, Sérgio Henrique et al. A Empresa pública no Brasil: uma abordagem

multidisciplinar. Brasília: IPEA/SEMOR, 1980, p. 9.

8 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; ALVES, Rosângela do Socorro; CHEDE, Gisela Dias. Gestão das empresas estatais: uma abordagem dos mecanismos societários e contratuais. 51 f. Prêmio DEST Monografias: Empresas estatais: monografias premiadas 2005-2008. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Brasília, 2008. Disponível em:

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Indireta passou a ser utilizada como mera fonte de recrutamento, onde nomeados políticos eram empossados em cargos de diretoria, e, instadas a contrair empréstimos estrangeiros para cobrir seu déficit, ficaram sujeitas às altas taxas de juros, pelo que a presença estatal na economia passou a ser duramente criticada pela iniciativa privada. Com o agravamento da crise financeira, as empresas estatais deixaram de lado os objetivos microeconômicos de interesse público para focarem-se na política macroeconômica de ajuste recessivo.9 Não devemos esquecer que naquele momento estávamos vivendo a ”crise do petróleo”, ou seja, o agravamento da crise financeira causou séria reação do empresariado, que foi o desencorajamento da base de apoio à ditadura. Assim, surgiram, em 1981, os primeiros reclamos de privatização, inspirados pelos movimentos de privatização da Inglaterra.

Mas foi com o governo de Fernando Collor de Mello, em 1990, que o movimento em prol da privatização tomou força no cenário brasileiro, com o lançamento do Programa Nacional de Desestatização (PND), que visou a redução da dívida pública, e não o investimento em infraestrutura para a melhoria dos serviços públicos. Com o governo de Fernando Henrique Cardoso, formou-se uma nova idéia sobre a atuação do Estado na economia, com a atribuição, à iniciativa privada, da exploração de atividades econômicas e prestação de serviços públicos.

A crise econômica que abalou o mundo em 2008 teve como uma de suas conseqüências a nacionalização de bancos privados e o aporte de capital público em empresas dos setores produtivos, mas ainda é cedo para dizer se isso significa a utilização da empresa estatal como principal instrumento de políticas públicas e de regulação do mercado.10

A empresa estatal passou a competir com a iniciativa privada nos mercados nacional e estrangeiro, o que culminou no esvaziamento de sua missão pública, que precisa, neste sentido, ser redefinida. Estruturada como pessoa jurídica de direito privado, a empresa estatal deve conviver com a exploração lucrativa do empreendimento e com o fim de interesse público que deve perseguir, o que demanda maior compreensão de seu

9PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal: função econômica e dilemas societários. São

Paulo: Atlas, 2010, p. 37.

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verdadeiro papel de instrumento voltado à consecução de políticas públicas de que se serve o Estado.

É neste contexto que se apresenta o trabalho, visando demonstrar que a sociedade de economia mista, enquanto empresa estatal orientada à realização de um fim de interesse público, deste não pode se afastar, sob o risco de perder sua essência, o que levaria à sua extinção ou à devolução do empreendimento à iniciativa privada.

A sociedade de economia mista sofre atualmente uma crise de identidade que pode ser amenizada se sua estrutura e seus objetivos forem melhor assimilados, evitando-se, assim, que a companhia seja utilizada apenas com o fito de acumulação de capital; é este o intuito da primeira parte do trabalho: destrinchar o cenário interno das sociedades de economia mista, demonstrando e afirmando que o interesse público que justificou sua criação e orientação permeia todas suas relações internas. De seu nascimento à sua morte, a sociedade de economia mista não se desvincula da missão pública que lhe deu causa.

A segunda parte do trabalho abordará o interesse público que as sociedades de economia mista devem perseguir em seu aspecto ideológico: seu significado, sua conformação com os direitos fundamentais, sua supremacia frente a outros direitos, além de analisar questões clássicas decorrentes de sua interpenetração em um ente estatal de tão complexa organização.

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DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

1 A CONVOLAÇÃO DA SOCIEDADE ANÔNIMA EM SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

Antes de adentrarmos diretamente no estudo das sociedades de economia mista, far-se-á a contextualização do tema no presente trabalho, bem como analisaremos as raízes das sociedades anônimas – que, como se verá a seguir, remetem não apenas a aspectos econômicos, mas também a aspectos históricos –, para, em seguida, aventarmos sobre as primeiras participações do Estado ao lado de particulares no capital destas sociedades.

Com a crise do Liberalismo o Estado passou a se encarregar de novas funções, assumindo o papel de promotor do bem-estar social da nação, o que demandou ao Poder Público que descentralizasse os serviços por ele prestados, impondo que novas formas de pessoas jurídicas de direito público fossem criadas – ou “resgatadas”, por já existentes e “esquecidas” durante o período Liberal.

Especificamente no caso brasileiro, impende destacar que nossa Constituição, dirigente que é, dita diretrizes e programas que deverão ser implementados pela sociedade e pelo próprio Estado, com vistas a promover o desenvolvimento nacional, para tanto se fundamentando na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa como instrumentos garantidores de uma existência digna e da realização da justiça social.

Os arts. 170 a 192 da Constituição tentam sistematizar os dispositivos constitucionais que reclamam a intervenção do Estado na ordem econômica; nesta esteira, os arts. 173 a 175 disciplinam as formas com que se apresenta esta intervenção estatal, que pode ser (a) mediante a prestação direta de atividade econômica em sentido estrito, pela qual o Estado participa diretamente da atividade econômica, e que só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (art. 173); (b) atuando o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento (art. 174); e (c) mediante a prestação de serviços públicos (art. 175).

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ao mesmo regime jurídico aplicável às empresas privadas (art. 173, §1º, inc. II). As sociedades de economia mista caracterizam-se pela conjugação entre o capital estatal e o capital privado, e é no contexto da presença do Estado enquanto acionista neste tipo de sociedade que o presente trabalho irá se encaminhar, sem olvidar que tais pessoas jurídicas são consideradas instrumentos auxiliares do Estado para a implementação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento nacional, viabilizando a concretização dos postulados constitucionais da existência digna e da justiça social, e sempre em atendimento ao interesse público a que foram destinadas por lei.

No século XVI, com o fortalecimento do poder central do rei, intensificaram-se as rivalidades econômicas entre as nações, o que levou o Estado, naturalmente, ao militarismo; a acumulação do excedente determinou o reforço do instrumental bélico, sob a justificativa de se proteger o mercado nacional em formação. Com efeito, característica marcante da sociedade moderna é a divisão do trabalho, de um lado, e o monopólio da tributação e da violência de outro, permitindo, assim, o aparecimento do Estado moderno. É nessa fase que se delineiam os primeiros elementos caracterizadores da empresa como

organização coletiva destinada à produção. Desta necessidade de vultosos capitais, aliada a um imperativo bélico, nascem as sociedades anônimas como instrumento do capitalismo hábil a reunir o capital necessário à formação de grandes empreendimentos, visando a expandir as áreas de domínio do Estado.

Dessa afirmação constata-se que esta forma primeira de sociedade anônima era, na verdade, promovida pelo Estado: não surgiu como criação natural e espontânea dos comerciantes, mas como instituição estatal11, diante da carência de recursos financeiros para exercer sua política, que consistia na expansão colonial, com a descoberta e exploração de novos territórios. Assim, surgiram em Portugal, na França, Holanda e Inglaterra as grandes companhias de navegação, que tinham por escopo o enriquecimento da coroa, a segurança e a proteção do Estado.12

11FERREIRA, Waldemar. A sociedade de economia mista em seu aspecto contemporâneo. São

Paulo: Max Limonad, 1956, p. 36.

12 SANTOS, Theophilo de Azeredo. As sociedades de economia mista no Direito Brasileiro:

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A doutrina não é unânime quanto à origem da primeira sociedade anônima; alguns acreditam que as societates vectigalium (sociedades formadas para a arrecadação de

impostos) do Direito Romano apresentam semelhanças com as sociedades anônimas que vieram a ser criadas posteriormente; outros, vislumbram nas societas navales e nas

Rhederein (sociedades de armadores nas quais o navio se divida em quinhões) da Europa o

protótipo das sociedades por ações.

Há quem veja na “Casa de San Giorgio” (mais tarde, Banco de São Jorge) o embrião do que viriam a ser as modernas sociedades por ações. Fundada em Gênova em 1407 e em operação até 1799, a Casa de San Giorgio funcionava da seguinte forma: a República de Gênova emitia empréstimos cuja garantia era a arrecadação de certos impostos; para a administração desta garantia, formou-se uma organização representativa dos credores – a Casa de San Giorgio, vindo, posteriormente, a se transformar em banco; mas não se tratava de uma sociedade por ações, mais se assemelhando às associações modernas de debenturistas.13

Por outro lado, Trajano de Miranda Valverde afirma que em 1599 o governo inglês concedeu ao duque de Cumberland e seus cento e vinte e cinco sócios a primeira carta de incorporação da Companhia das Índias Orientais, concedendo-lhe o direito exclusivo de entrar em relações comerciais com as Índias Orientais e demais países e leste do Cabo de Boa Esperança e ao ocidente do estreito de Magalhães.14

Apesar das dissonâncias existentes no que se refere às origens das sociedades por ações, a doutrina se inclina a que as Companhias das Índias Orientais constituíram-se no modelo que mais se aproxima das atuais sociedades anônimas. Criada em 20 de março de 1602, na Holanda, a Companhia das Índias Orientais é decorrente de um ato de governo; nasceu como um instrumento do Estado hábil a viabilizar a conquista e colonização de territórios e fazer frente ao poderio de Portugal e Espanha. A criação desta sociedade foi altamente influenciada pelo estado de guerra em que se encontravam Holanda, Portugal e Espanha: vendo-se obstaculizados em sua atividade navegacional e de comércio, os holandeses sentiram a necessidade de unir as diversas sociedades de navegação em uma

13 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1992, v. 2, p. 3.

14 Sociedades anônimas ou companhias de economia mista. Revista de Direito Administrativo,

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única sociedade, que pudesse lutar em pé de igualdade com o rei da Espanha, que também era rei de Portugal e, portanto, dominava a costa que banhava as Índias Orientais. Oportuna a observação de Waldemar Ferreira, para quem essa criação jurídica resultou menos do propósito de atender à necessidade de grandes capitais de empresas duradouras do que à de satisfazer às contingências do estado de guerra entre a Holanda e a Espanha.15

Assim, constituiu-se a Companhia das Índias Orientais em sociedade de comércio e navegação, cujo capital era dividido em parcelas de valores idênticos, representados por títulos denominados de ações; quem quisesse compartilhar dos lucros da companhia, tinha

que adquirir estas ações, que eram negociadas na Bolsa de Amsterdã e cuja responsabilidade de seus subscritores e adquirentes era limitada a seu valor nominal.

A esta, sucedeu a Companhia das Índias Ocidentais, também na Holanda, criada por Decreto de 03 de junho de 1621, que lhe concedeu amplos privilégios – dentre outros, autorizando-a a avençar pactos com príncipes e naturais dos países fronteiriços, nomear governadores e funcionários da justiça – e cujo capital seria subscrito pelas Províncias, seus habitantes e de outros países, comprometendo-se ainda o Estado Holandês a entrar com um milhão de florins, partilhando dos lucros e prejuízos nas mesmas condições que os outros participantes.

Com efeito, nota-se que estas duas Companhias não apenas constituíram-se nas primeiras sociedades anônimas, mas também foram as matrizes das primeiras sociedades anônimas de economia mista; ainda que não tivessem a estrutura jurídica que hoje apresentam, caracterizavam-se por conjugar capital público e privado em uma mesma estrutura societária, e é indubitável que foram imprescindíveis à expansão econômica holandesa.

Ressalte-se, portanto, que a participação do Estado ao lado de particulares, no capital de sociedades anônimas, não é novidade na história; já nos séculos XVII e XVIII surgiram as grandes companhias coloniais, voltadas ao comércio e à navegação, às quais o Estado concedia privilégios e atribuições administrativas, e delas participando, direta ou indiretamente, compartilhando dos lucros e correndo os riscos do empreendimento nas mesmas condições que os particulares. Tais sociedades atuavam como verdadeiros entes

15 A sociedade de economia mista em seu aspecto contemporâneo. São Paulo: Max Limonad,

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administrativos descentralizados nas terras conquistadas, nomeando altos funcionários ou aprovando a escolha feita pelos co-participantes.16

Neste primeiro momento da associação entre o ente estatal e particulares em sociedades anônimas, temos como causa determinante desta associação a necessidade de vultosos capitais que viabilizassem a política expansionista do Estado, capazes de propiciar a conquista e colonização de novos territórios; como anotam Lamy Filho e J. L. Bulhões Pedreira,

os descobrimentos criaram a necessidade de organizações com escala muito superior à das unidades produtivas então conhecidas: as possibilidades que a exploração do Novo Mundo, e do caminho das Índias, oferecia à iniciativa dos governos e dos particulares, somente podiam ser aproveitadas com grande volume de capital, mobilizados onde quer que pudessem ser encontrados. Mais ainda, tornou-se imperioso prover a luta econômica que se travava em torno do domínio das colônias e do comércio mundial.17

Insta salientar que a participação do Estado em sociedades anônimas nesta primeira fase deixou de ser processo banal de colocação momentânea de capitais, para ter como fim participar dos lucros de certas sociedades, fiscalizar sua administração ou demonstrar seu predomínio; porém, mostrou-se o Estado assaz exigente nas empresas em que penetrou e tantas dificuldades criou a suas administrações, que acabou por ficar só, vindo os homens de negócio, mais tarde, quando as sociedades puderam se organizar apenas com as subscrições da economia privada, a abrir mão da tutela do Estado.18

Evidente o caráter publicístico que era atribuído às sociedades anônimas nesta época, pois que eram criação exclusiva do Estado. Com o Código de Comércio Francês de 1807 a sociedade anônima foi acolhida no sistema societário, mas ainda sob o jugo do Estado19, que além de aprovar seus atos constitutivos, ainda podia inserir em seus estatutos as cláusulas que melhor lhe conviessem.

Por mais de dois séculos, a constituição de sociedades anônimas continuou a prescindir da autorização do Estado. Foi no período Liberal, com a doutrina do laissez

16 VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades anônimas ou companhias de economia mista. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, seleção histórica, pp. 29-38, 1945-1995, p. 30.

17 A Lei das S.A. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 45.

18FERREIRA, Waldemar. A sociedade de economia mista em seu aspecto contemporâneo. São

Paulo: Max Limonad, 1956, pp. 35-36.

19 Conforme o art. 37 do

Code, “La société anonyme ne peut exister qu’avec l’autorisation du

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faire, que pregava a intervenção estatal mínima na ordem econômica que começou a ser

abolida a necessidade de prévia autorização do Estado para a constituição de sociedades anônimas. Os casos de participação do Estado em sociedades organizadas sob os moldes do direito comum, geralmente sob a forma anônima, são raros20 nesse período e até a explosão da primeira guerra mundial21, relacionando-se o Estado e as sociedades anônimas para fins de estabelecerem transações comerciais.22

Após 1914, com a crescente necessidade de intervenção do Estado nas atividades econômicas, principalmente em razão do recrudescimento das desigualdades sociais e para fins de descentralização na prestação dos serviços públicos, é que o Estado volta a participar do capital de sociedades anônimas ao lado de particulares, bem como passa a atuar na gestão destas companhias, caracterizando a economia mista que passaram a

apresentar estas sociedades.

O ressurgimento da idéia de associação entre capital público e privado expandiu-se por vários países.23 Na Alemanha24, despontaram as gemischtlichen Unternemungen, da

necessidade do Reich resgatar os bancos e companhias de aço da insolvência; na Inglaterra, foi criada, em 1908, a Port of London Authority e, posteriormente, nacionalizada a British Broadcasting Corporation25; e assim na Bélgica, cujas sociedades de economia mista surgiram por um imperativo de ordem prática, apesar de em 1884 haver sido constituída a

20 Uma das exceções que se encontra neste intervalo histórico é o Banco do Brasil, que, já em 1808,

havia sido instituído como sociedade de economia mista de fato.

21 VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades anônimas ou companhias de economia mista. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, seleção histórica, pp. 29-38, 1945-1995, p. 32.

22 Como anota Waldemar Ferreira, “Durante muito tempo, e vale dar acolhida a ensinamento de

expositor arguto, as coletividades públicas e a sociedade anônima se isolaram pela mesma linha fronteiriça que separa o direito público e o direito privado. Tiveram elas contactos inúmeros, em conseqüência dos contratos administrativos, mercê do jogo das transações que aquelas organizações privadas celebravam com as estatais. Mesmo quando aquelas obtinham as chamadas concessões administrativas, elas se mantinham cônscias de sua organização comercial e financeira e dos proventos que desta lhes podiam advir, mesmo quanto à exploração de serviços públicos” (Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1961, v. 4, pp. 291-292)

23 Apesar de, a esta época, já existir o Banco do Brasil, e algumas sociedades anônimas terem sido

constituídas para a exploração de estradas de ferro.

24 “O intervencionismo alemão representa, assim, uma nova técnica de ingerência: o das

participações estatais na economia privada. Extraem-se, dessa experiência, os fundamentos jurídicos da ECONOMIA MISTA” (CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 130).

(21)

Sociedade Anônima para a Exploração das Estradas de Ferro Belgas, pela qual as comunas belgas se associaram a particulares para a exploração de linhas férreas; na França, com a lei de 1919, sobre a utilização da energia hidráulica26; na Itália – onde o Estado possuía papel preponderante nas sociedades de economia mista, nas quais interveio, em matéria de refinação de petróleo27 –, em suma, cada país apresentando suas peculiaridades no que tange à constituição de sociedades de economia mista.

Neste segundo momento da associação entre capital público e privado, a introdução do Estado em sociedades anônimas não visa apenas ao lucro; como causa determinante desta fase, encontra o Estado neste tipo de sociedade uma forma de atender ao interesse público, agrupando-se em companhias ao lado de banqueiros e industriais com o intuito de realizar obras de interesse coletivo. Neste contexto, passam as sociedades anônimas a constituir instrumentos da atividade de entidades públicas, que assim utilizam o instrumento elaborado no direito comercial, sujeitando-se aos seus princípios.28

Sem a presença do Estado em companhias, estas ficavam a seu livre-arbítrio, a especulação crescia, buscavam a satisfazer os interesses de específicos grupos; a possibilidade de o Estado intervir neste tipo de sociedade, participando de assembléias, de diretorias, gerindo seu funcionamento, facilitou a orientação da sociedade aos fins propugnados pelo interesse público, visando o Estado cumprir o novo papel assumido após o período Liberal, qual seja, o de promotor do desenvolvimento e da justiça social. No entender de Britto Davis,

[...] quando o Estado se imiscui no campo empresarial, utilizando-se para tanto desse versátil e eficiente instrumento que é a sociedade por ações, não visa fortalecer e ampliar o capitalismo ou incentivar os males que lhes são inerentes, mas, ao contrário, intervindo no domínio econômico o Poder Público procura justamente obviar ou atenuar os abusos do capitalismo29,

pelo que aparece a sociedade de economia mista como um instrumento do qual o Estado se utiliza para demonstrar seu poderio econômico, passando a ser, concomitantemente, acionista e administrador em uma sociedade que permitia ao Estado

26 SANTOS, Theophilo de Azeredo. As sociedades de economia mista no Direito Brasileiro:

prática, jurisprudência, legislação. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 10.

27FERREIRA, Waldemar. A sociedade de economia mista em seu aspecto contemporâneo. São

Paulo: Max Limonad, 1956, p. 27.

28ASCARELLI, Tullio. Panorama do Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1947, p. 37.

(22)

estender progressivamente sua participação nas empresas privadas, preparando o caminho para a socialização completa.30 31

2 A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA NO DIREITO BRASILEIRO

Como já referido ao longo do trabalho, a primeira sociedade de economia mista criada em nosso país foi o Banco do Brasil, por alvará de 12 de outubro de 1808, do Príncipe Regente Dom João, que outorgava os estatutos para o novo banco, inicialmente a ser constituído sob a forma de sociedade privada por ações. Pela Carta Régia de 22 de agosto de 1812, Dom João resolveu que a Coroa entraria como acionista no Banco, convertendo-se a sociedade no primeiro tipo societário de economia mista em nosso país.

Em 1821, com o retorno de Dom João a Portugal, o Banco entrou em situação periclitante, agravada pela independência do país em 1822, e foi extinto em 1835. Anos mais tarde, em 1853, novo Banco do Brasil surgiu, por lei que determinou que o Governo Imperial e as províncias deveriam subscrever ações, sendo que, até hoje, o Estado continua a ser seu maior acionista.

Na década de 30, a figura da sociedade de economia mista ressurgiu no Brasil: a Constituição de 1934 reservava aos nacionais o exercício de determinadas atividades econômicas; a Carta de 1937 determinava que a organização da produção deveria ser conferida às corporações, que nada mais eram que órgãos do Estado, colocados sob sua “assistência” e “proteção”; as ameaças resultantes da depressão mundial dos anos 30 levam o Estado ao desempenho de destacado papel na economia. Tem início a política de

30 PINTO, Bilac. O declínio das sociedades de economia mista e o advento das modernas empresas

públicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, seleção histórica, pp. 257-70, 1945-1995, p. 262.

31 Também segue neste caminho a opinião de Eros Grau, para quem o fenômeno das sociedades de

(23)

substituição das importações mediante o estímulo à industrialização32, esta concebida como novo modelo de desenvolvimento do país.

Desta forma, abria-se caminho à descentralização administrativa, criando a União sociedades de economia mista de interesse geral, como por exemplo, o Instituto de Resseguros do Brasil, em 1939; a Companhia Siderúrgica Nacional, de 1941; a Companhia do Vale do Rio Doce, em 1942; a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, em 1945; a Fábrica Nacional de Motores, em 1946; o Banco do Nordeste do Brasil, em 1952; a Petrobras, em 1953; a Eletrobras, em 1962. A fundação destas sociedades revela o propósito do Governo da União de acelerar a instalação de indústrias de base, alicerçadas em matéria-prima nacional.33 34

Insta salientar que a característica primordial da sociedade de economia mista é a participação do Estado em sua direção, seja por sua qualidade de acionista majoritária, seja

por disposição legal ou estatutária; a participação do Estado como “simples” acionista poderá ocorrer, mas neste caso, ele se equipara ao particular, sem regalias ou responsabilidades.35

A expansão deste tipo societário culminou na primeira tentativa de sistematizar o regime das sociedades de economia mista, pelo Decreto-Lei nº 200 de 1967, que trouxe sua definição legal no art. 5º, inc. III e cuja redação foi alterada pelo Decreto-Lei nº 900 de 1969, passando a vigorar do seguinte modo:

Para os fins desta lei, considera-se:

32 VIEIRA, R. A. Amaral. O intervencionismo brasileiro: raízes históricas e perspectivas (ou o

Estatismo é um determinismo?). Revista de Informação Legislativa, Brasília, pp. 295-368, abr./jun. 1974, p. 309.

33 VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades anônimas ou companhias de economia mista. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, seleção histórica, pp. 29-38, 1945-1995, p. 34.

34 Hoje, o investimento no setor produtivo pode ser facilmente verificado: do universo de 120

empresas estatais federais, 99 fazem parte do SPE (Setor Produtivo Estatal, que engloba as empresas que atuam na produção de bens e serviços) e 21 fazem parte do Setor Financeiro, atuando como bancos comerciais e de fomento (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Perfil das empresas estatais 2010. Brasília: MP/SE/DEST, 2010. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/dest/perfil_empresas_estatais/2009/ Perfil_Final.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2010).

35 PAIVA, Alfredo de Almeida. As sociedades de economia mista e as empresas públicas como

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III – Sociedade de Economia Mista – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.36

No entanto, a definição trazida neste artigo apenas se referia à União, pelo que começaram a surgir dúvidas no tocante à sua aplicação aos Estados e Municípios37 e, principalmente, por dispor o Decreto-Lei que aquele conceito cabia apenas “para os fins desta lei”, questões que foram alvo de análise pelo Supremo Tribunal Federal em dois célebres julgamentos: nos Embargos em Recurso Extraordinário n° 51.666 – GB e no Recurso Extraordinário n° 72.306 – GB.

O primeiro recurso apreciado pelo Supremo Tribunal Federal tratou da discussão acerca da competência para julgamento de ação envolvendo a Rede Ferroviária Federal S.A., se responderia perante o foro comum ou perante o juízo da Fazenda. O voto do Ministro Relator Themístocles Cavalcanti, primeiramente, tratou de decidir sobre a natureza jurídica da Rede Ferroviária Federal, chegando à conclusão de que esta sociedade não poderia ser considerada de outra forma que não uma sociedade anônima de economia mista, visto que o capital que a formava era essencialmente misto, nisto se distinguindo das empresas públicas, onde o capital é integralmente do Governo ou de uma entidade de administração indireta.38 Ainda, aduziu o Ministro que

O direito do voto não é condição indispensável porque o que a lei exige é que as ações com direito de voto pertençam em maioria à União ou entidade pública que

a criou, o que não assegura o direito de voto aos demais acionistas. O essencial é que a entidade criadora seja majoritária quanto aos votos, dominando com isto os

demais sócios39,

36 A redação anterior do artigo era a seguinte: “Para os fins desta lei, considera-se: III – Sociedades

de Economia Mista: a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para o exercício de atividade de natureza mercantil, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União, ou à entidade da Administração Indireta”.

37 Conforme Celso Antonio Bandeira de Mello, no Brasil, só existe legislação conceituadora de

sociedade de economia mista no âmbito federal, dada pelo Decreto-Lei n° 200, e em nosso regime constitucional as leis meramente federais não obrigam a Estados e Municípios; desta forma, só há uma conceituação legal válida para as sociedades de economia mista pertinentes à União, e não às demais, pelo que o conceito destas precisa ser buscado na Constituição Federal e na doutrina (Prestação de serviços públicos e administração indireta: concessão e permissão de serviço público, autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas, fundações governamentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 92).

38 Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Brasília, v. 46, pp. 1-280,

out. 1968, p. 237.

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o que demonstra que o jurista entendeu pela aplicação do Decreto-Lei não apenas no âmbito federal, mas a todas as sociedades anônimas nas quais o direito de voto pertença, em sua maioria, ao ente público que as criou. Ultrapassada a questão da natureza jurídica da RFF, passou-se à questão da competência; também com esteio no disposto no Decreto-Lei, o Relator concluiu pela competência da Justiça estadual, considerando que a União não interveio no feito como assistente, a saber: a definição de sociedade de economia mista constante no Decreto-Lei passou a ser utilizada não apenas “para os fins” daquela lei, mas também, para fixar a competência jurisdicional em causas envolvendo tais tipos de sociedades.

O segundo recurso analisado pelo Supremo Tribunal Federal foi interposto pelo Instituto de Resseguros do Brasil em face da Usiminas, sendo que esta impetrou segurança contra a primeira a fim de não ser constrangida ao processo de sorteio das seguradoras para cobertura de riscos sobre seus bens. Da mesma forma que naquele primeiro julgamento, a Corte entendeu que “o conceito de sociedade de economia mista se fixa nos termos do Dl. 200”, como bem observou o Ministro Rodrigues Alckmin.40

Apesar de todas as incertezas existentes ao redor das sociedades de economia mista – principalmente no que diz respeito ao conflito entre o interesse público e o interesse privado –, a constituição deste tipo societário difundiu-se largamente pelo país e instigou debates acalorados na doutrina, que se dividiu entre partidários e opositores de sua implantação no Brasil.

Expoente dos opositores da instituição destas sociedades em nosso país, já em 1952, Bilac Pinto, em conferência proferida no Auditório da Fundação Getúlio Vargas e publicada na Revista de Direito Administrativo, acolhia a tese do declínio das sociedades de economia mista diante do conflito existente entre o interesse público e o interesse privado. Para o autor, a associação entre o Estado e os particulares não pode conduzir a bons resultados, senão excepcionalmente, posto que o acionista particular busca lucros elevados, fixando o preço de venda o mais alto que a concorrência permita, enquanto o Estado, ao contrário, via salvaguardar o interesse geral, e se esforça para manter o preço de venda em níveis baixos. Assim, nasce um “conflito irredutível” entre os dois grupos, no qual um deles será a vítima. Com arrimo em Henry Zwahlen, Bilac Pinto anota ainda que a

40 Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Brasília, v. 68, pp. 591-882,

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sociedade de economia mista é “arma de dois gumes”, pois se não utilizada com prudência e precaução, deixa margem ao risco de produzir resultados completamente opostos aos que são visados. Apesar de não negar que o instituto das sociedades de economia mista se foi impondo e generalizando em quase todos os paises, o autor propugnava que o entusiasmo em relação a este tipo societário já estava bem atenuado, já tendo a economia mista atingido seu apogeu e tendia a ceder lugar a outros modos de utilização, pelo Estado, das sociedades comerciais.41

Da mesma opinião compartilhou Walter T. Álvares, em 1954, que observou que a sociedade de economia mista, apesar de estar em franco desenvolvimento no Brasil, já começava a declinar na Europa e nos Estados Unidos antes mesmo de ter alcançado no campo do direito a sua devida configuração ou conceituação jurídica, e começava a abrir caminho a novas formas de intervenção do Estado no domínio econômico, como revelou a constituição de centenas de empresas de capital estatal (“government corporation”) nos Estados Unidos.42

Em 1957, Arno Schilling proclamava que a sociedade de economia mista era uma “instituição moralmente frágil”, pois a constituição de uma sociedade onde o Estado funciona, concomitantemente, como acionista e titular das faculdades de controle e fiscalização da empresa enquanto poder concedente cria uma situação anômala, conflituosa, falecendo àquele tipo societário justificativas jurídicas e morais, sendo inconveniente sua implantação no Brasil.43

Dentre os partidários da implantação de sociedades de economia mista no Brasil, encontra-se Theophilo de Azeredo Santos que, em 1959, endossou o coro de vozes do grupo contrário à conjectura de Bilac Pinto. No sentir do autor, o bom ou mau êxito da sociedade de economia mista dependerá do modo de sua utilização; em havendo apenas a transferência dos antigos erros e vícios para aquela estrutura, estará fadada ao insucesso, e por isso deve-se examinar se o Estado está agindo como empresário à frente de sua

41 O declínio das sociedades de economia mista e o advento das modernas empresas públicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, seleção histórica, pp. 257-70, 1945-1995, pp. 260-262.

42 As sociedades de economia mista. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 38, pp.

20-28, out./dez. 1954, pp. 20 e 28.

43 Sociedades de economia mista. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 50, pp.

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empresa. Para ele, esta é uma das vantagens da sociedade de economia mista: a associação do capital público com o capital privado provoca maior fiscalização dos particulares na condução da empresa, visando à proteção de seu investimento, podendo evitar medidas que se afastem do interesse da empresa ou que se demonstrem ineficientes.44

Filia-se a esta corrente Alfredo de Almeida Paiva que, em 1960, admitia a diversidade de interesses entre o Estado e acionistas particulares, mas acreditava que sua conciliação era viável, permitindo o êxito do objetivo estatal; o autor observava que o capitalismo moderno não permitia mais o lucro imoderado e abusivo, pelo que o detentor do capital contentar-se-ia em perceber uma justa remuneração. Para o autor, então, não haveria um conflito irremediável entre os interesses estatais e particulares, conclusão que se depreende do sucesso de inúmeras sociedades de economia mista nacionais e estrangeiras.45

Em 1961, em parecer elaborado para a Câmara Sindical da Bolsa Oficial de Valores do Estado de Santa Catarina, sobre “toda e qualquer sociedade de economia mista”, Aloysio Lopes Pontes refutava o ponto de vista de Bilac Pinto, ao aduzir que

Não cabe aqui considerar a proclamada superação e declínio, ou decadência das sociedades de economia mista, prognosticada nas desalentadoras palavras do eminente Professor Bilac Pinto [...] e os alegados inconvenientes daquelas sociedades, especialmente, a incompatibilidade entre os interesses privados e os objetivos do Estado, prognósticos que, entretanto, ainda não se cumpriram, continuando essas sociedades a proliferar e desenvolver-se, em ritmo acelerado, no exterior e no Brasil, contribuindo acentuadamente para o progresso das regiões em que atuam se, evidentemente, bem administradas e não desviadas como instrumentos de objetivos políticos.46

Já em 1977, Arnoldo Wald observava que, passados vinte e cinco anos do vaticínio de Bilac Pinto, as sociedades de economia mista continuavam sobrevivendo, sendo algumas delas consideradas as maiores empresas do nosso País, alcançando posições de primeira linha na classificação das sociedades de maior importância do mundo inteiro.47

44As sociedades de economia mista no Direito Brasileiro: prática, jurisprudência, legislação. Rio

de Janeiro: Forense, 1959, p. 26.

45 As sociedades de economia mista e as empresas públicas como instrumentos jurídicos a serviço

do Estado. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, seleção histórica, pp. 29-38, 1945-1995, p. 317.

46 Sociedades de economia mista – Bôlsa de valores. Revista de Direito Administrativo, Rio de

Janeiro, v. 66, pp. 375-387, out./dez. 1961, p. 377.

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E, transcorridas pouco mais de três décadas, este cenário já está consolidado em nosso país; as sociedades de economia mista vêm se destacando tanto no Brasil quanto no exterior, sem indícios de possível esgotamento de sua fórmula.

Pelo contrário: além de ser a líder do setor petrolífero brasileiro, a Petrobras, criada em 1953, hoje se consagra como a terceira maior empresa de energia do mundo, estando em quarto lugar entre as empresas mais respeitadas do mundo, presença global em 28 países, 463.870 acionistas48, sendo que, entre as 10 empresas que registraram maior lucro líquido em 2009, nove são do grupo Petrobras49. No ano de 2010, o feito se repetiu: a Petrobras alcançou o maior lucro líquido já registrado por uma empresa de capital aberto brasileira, da ordem de R$ 35,189 bilhões, apresentando alta de 17% em relação ao ano de 200950, com previsão de investimentos para o ano de 2011 de R$ 93,7 bilhões, dentre os quais, 46% correspondem à produção e exploração de petróleo e gás51.

Outro bom exemplo de sociedade de economia mista de sucesso no setor produtivo é a Eletrobras. Instalada em 1962, é hoje a maior companhia do setor de energia elétrica da América Latina, cujas ações são negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo – Bovespa, na Bolsa de Valores de Madri (Latibex) e na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE). A companhia exerce a função de holding, gerindo investimentos em participações societárias,

detendo o controle acionário direto em sete empresas de geração e/ou transmissão de energia elétrica, e em quatro empresas distribuidoras de energia elétrica. Além disso, participa com 50% do capital da Itaipu Binacional.52 Apenas no terceiro trimestre de 2010,

48 Dados retirados do

site da Petrobras. Disponível em:

<http://www.petrobras.com.br/pt/quem-somos/perfil/>. Acesso em: 11 mar. 2011.

49MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Perfil das empresas estatais 2010. Brasília: MP/SE/DEST, 2010. Disponível em:

<http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/dest/perfil_empresas_estatais/2009/ Perfil_Final.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2010, p. 22.

50 PETROBRAS tem maior lucro entre empresas de capital aberto. Portal G1, Rio de Janeiro, 25

fev. 2011. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2011/02/petrobras-tem-maior-lucro-entre-empresas-de-capital-aberto.html>. Acesso em: 25 fev. 2011.

51 JIMENEZ, Carla; CILO, Hugo; GRADILONE, Cláudio. O Brasil investe mais. Isto É Dinheiro,

São Paulo, 11 mar. 2011. Disponível em:

<http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/51439_O+BRASIL+INVESTE+MAIS>. Acesso em: 11 mar. 2011.

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a Eletrobras apurou lucro de R$ 799,8 milhões, valor 76,2% maior que o verificado em igual período no ano de 2009.53

Dentre as instituições financeiras, sem dúvida a que mais se destaca é o Banco do Brasil, que, em 2010, obteve lucro líquido de R$ 11,7 bilhões, o que representa um crescimento de 15,3% em relação a 2009 e o melhor resultado da sua história, ficando atrás apenas do Itaú Unibanco. Este resultado reflete a política de expansão que o Banco do Brasil adotou, justamente como reação à fusão entre Itaú e Unibanco, que se tornou o maior banco do país: em 2007, adquiriu o BESC – Banco do Estado de Santa Catarina; em 2008, adquiriu o banco Nossa Caixa, o que lhe garantiu a elevação de seus ativos totais em 12% e a liderança em número de agências no estado de São Paulo; em 2009, comprou o Banco Votorantim, um dos líderes no mercado de financiamento de automóveis, área na qual o BB vinha se esforçando para crescer; em 2010, recebeu aval do Federal Reserve, o Banco Central norte-americano, para operar uma instituição financeira nos Estados Unidos, e possui planos de adquirir um banco de varejo que possa atender regiões com grande concentração de brasileiros, além de iniciar negociações para a compra de bancos no Peru e no Chile; ter comprado 51% das ações do Banco Patagônia, na Argentina, em 2011, e estar planejando transformar seu escritório na China em agência.54

Estes três exemplos de sociedades de economia mista demonstram o êxito que este tipo societário teve no Brasil, e os significativos números nada mais são que expoentes da bem-sucedida “parceria” entre o Estado e particulares; para nós, isto se justifica no fato de que, ao se trazer para dentro da sociedade a expertise tecnológica e administrativa das

empresas privadas, ao mesmo tempo aquela se afasta dos entraves burocráticos típicos das empresas eminentemente públicas. Aliando as vantagens que apresenta a iniciativa particular às da iniciativa pública, e mantendo-se a empresa fiel às suas características de empresa privada, evitando que seja utilizada apenas como mais uma forma de entidade descentralizada da Administração, o desenvolvimento das sociedades de economia mista é manifesto. Disso, as empresas acima citadas são exemplos de sucesso: através delas, o Estado cumpre com seu objetivo maior, que é a satisfação de um interesse geral, mas sem

53 Dados retirados do

site da Eletrobras. Disponível em:

<http://www.eletrobras.gov.br/elb/portal/data/Pages/LUMISEB7EA1A1ITEMID8D6B3995B5554 A3E9CD0A78FFB614944PTBRIE.htm>. Acesso em: 11 mar. 2011.

54 Dados retirados do

site do Banco do Brasil. Disponível em:

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olvidar dos interesses particulares, que visam à distribuição dos lucros entre os acionistas privados, conciliando, assim, interesses até então concebidos como contrapostos.

Em nosso ver, o êxito das sociedades de economia mista só tende a aumentar; apresentando estas empresas grandes resultados (e, por resultados, não entendemos apenas lucros, mas também, o atendimento a um interesse público), a confiança dos investidores cresce na mesma proporção, reforçada por um ambiente econômico extremamente favorável (crescimento do PIB, moeda valorizada, mercado de trabalho aquecido), propiciando às sociedades de economia mista a obtenção de aportes necessários à expansão de suas atividades e de seus investimentos. Mas, nunca é demais dizer, desde que a sociedade seja conduzida de forma a conciliar os interesses do Estado e os interesses particulares; caso contrário, transformar-se-á a sociedade de economia mista em mero órgão da administração pública descentralizada.

Em suma, diante do exposto, corroboramos o ponto de vista de Theophilo de Azeredo Santos, ainda atual e consentâneo ao momento econômico que o Brasil vive, para quem as sociedades de economia mista, em sua maioria, têm correspondido aos propósitos de sua criação:

O declínio das sociedades de economia mista, proclamado pelo Professor Bilac Pinto, na aludida conferência, foi substituído por um largo emprego dessa forma societária, de que se utilizam os Estados membros para a consecução de serviços de interesse geral [...]

Os fatos falam melhor do que as palavras: pela relação das principais sociedades de economia mista constituídas pela União e pelos Estados adiante apresentadas, chegar-se-á à conclusão de que, desta feita, falhou o prognóstico do douto mestre mineiro.55

Com razão o autor: tomando por base o Brasil de hoje, falhou o prognóstico do douto mestre mineiro56.

55As sociedades de economia mista no Direito Brasileiro: prática, jurisprudência, legislação. Rio

de Janeiro: Forense, 1959, pp. 23, 26 e 27.

56 Britto Davis, escudando-se na lição de Eunápio Borges, já em 1969, defendia que os propalados

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3 PECULIARIDADES

As sociedades de economia mista revestem-se da figura da sociedade anônima, mas a presença preponderante do poder público em sua constituição faz com que elas mais se assemelhem a um ente autárquico, posto que atuam como verdadeiros órgãos descentralizados da Administração. Apesar de se apresentarem sob a forma de sociedade anônima e reunir em seu núcleo os órgãos inerentes a este tipo societário, as sociedades de economia mista apresentam esta característica específica que as tornam um tipo “especial” de sociedade anônima: a participação do Estado em sua direção, seja como titular da maioria de seu capital, seja por disposição legal ou estatutária. É exatamente devido a esta particularidade que as sociedades de economia mista não podem ser concebidas como simples sociedades privadas, como simples sociedades por ações; como bem anota Girón Tena, as palavras economia e mista assinalam a conjunção de capitais públicos e privados,

e a palavra sociedade remete à utilização desta figura de direito privado, acrescentando-se a

elas o elemento da gestão comum da sociedade.57

Embora simpatizemos com esta forma de compreensão da sociedade de economia mista por Girón Tena, achamos pertinente trazer à baila a observação de Lucrecia Maisch Von Humboldt, para quem aquela definição, apesar de bastante completa, omitiu ou ignorou o principal elemento configurativo destas sociedades, qual seja, o interesse geral

que justifica a participação estatal neste tipo societário.58

Restando claro que a característica primordial da sociedade de economia mista é a

participação estatal na direção desta sociedade reclamada pelo atendimento a um

interesse público, passemos ao exame de suas características “secundárias”.

3.1 A tentativa de uma conceituação

Tentar chegar a um consenso quanto ao conceito de sociedade de economia mista não é das tarefas mais fáceis, seja porque estas sociedades agregam em si vários elementos que lhes dão forma – personalidade de direito privado, associação de capitais públicos e

57Las sociedades de economia mixta. Madrid: Instituto Francisco de Vitória, 1942, pp. 26-27.

58 Sociedades de economía míxta. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Dirección

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privados, criação por lei, satisfação de um interesse público –, e que podem ser utilizados como parâmetros para a elaboração de uma definição, seja porque inexistente legislação específica a regular este tipo societário, pelo menos no Brasil.59

Assim, para tentarmos chegar a uma noção jurídica de sociedade de economia mista, tomaremos de empréstimo a distinção entre as correntes doutrinárias elaborada por Barros Leães60, de acordo com as características que são salientadas nos conceitos formulados, quais sejam:

- Associação do capital público com o capital privado:

Esta conceituação leva em consideração, apenas e tão-somente, o requisito da associação de capitais públicos e privados para a exploração empresarial. Anote-se que a expressão economia mista designa, apenas, uma noção de cunho econômico, referindo-se à

conjugação de dinheiros públicos e privados, conforme definição de Fritz Fleiner: “Cette expression ne designe pas une notion juridique. Elle signifie seulement que lê capital prive et dês fonds publics se sont reunis pour contribuer a l’exploitation d’une entreprise économique”. 61

Não concordamos com a definição simplista do autor: se concebermos a sociedade de economia mista como simples sociedade onde há conjugação de capital público com o capital privado, então correremos o risco de classificar como tal toda e qualquer sociedade que tenha em seu capital a participação estatal. Participando o Estado da sociedade de economia mista como acionista minoritário, apenas exercendo os direitos que lhes são conferidos pelo estatuto, equipara-se aos demais acionistas, sem preponderância sobre estes e sem regalias, não se caracterizando verdadeira sociedade de economia mista. Ver-se-á no tópico a seguir que o fato do Estado ter participação majoritária em determinada sociedade

59 Em Separata da Revista dos Tribunais de 1965, Luiz Gastão Paes de Barros Leães lamentava o

fato de “talvez quatro ou cinco países” terem uma legislação especial sobre a matéria, dentre eles, Argentina, com o Decreto 15.349, de 25 de junho de 1946, e Itália, cujo legislador limitou-se a inserir dois ou três artigos na disciplinação do anonimato. (O conceito jurídico de sociedade de economia mista. Separata da Revista dos Tribunais, v. 354, pp. 19-37, abril de 1965, p. 3).

60 Op. cit., passim.

Referências

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