• Nenhum resultado encontrado

A rede de atenção em saúde mental como recurso de apoio buscado pelos sujeitos

5.3.1 SAMU

Primordialmente, os familiares recorrem ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), seja pelo fato de que a crise psíquica encontra-se em uma situação de urgência ou que é essa a referência que os familiares já adquiriram em busca de uma estrutura que possa proporcionar uma contenção desta crise.

A porta de entrada da rede de saúde mental de Fortaleza são os serviços secundários de assistência. Desta forma, é possível observar que os serviços da rede de assistência em saúde mental de Fortaleza não são resolutivos. Um dos aspectos que demonstra essa situação é que a porta de entrada da rede de assistência tem sido o SAMU, ou seja, é este o serviço que os familiares têm buscado nas situações de crises. Entretanto, observamos que familiares e sujeitos em situações de necessidades urgentes não têm encontrado assistência

junto aos equipamentos e recursos institucionais da rede de saúde mental. A estrutura atual da rede não corresponde às demandas que a população com sofrimento psíquico apresenta.

eu desço as escadas... aí ele pega a cômoda e tenta arremessar a cômoda escada abaixo, para ver se a cômoda pegava em mim. Aí eu chamo a ambulância, chamei o SAMU. O SAMU demorou 4 horas. Como é apenas uma ambulância... que é um caso até de denuncia, como pode uma cidade como Fortaleza com mais de dois milhões de habitantes ter apenas uma ambulância psiquiátrica então a espera é enorme. Se um sujeito em crise matar uma pessoa...quando a ambulância chegar vai esta só o cadáver, não vai mais da tempo de fazer nada, porque eu chamei a ambulância, a ambulância uma hora e eles chegaram as quatro e meia da tarde, quatro horas depois que eu chamei...fomos com ele para Messejana [...] (Geia). Mas a ambulância é muito difícil vir. Porque eu consegui pra ele agora, porque foi através de um pastor (Atena).

Quando o SAMU chegou lá ele não estava mais quebrando, porque estava suado e exausto. Ele fez tanta força para arrancar essa porta, então ele não tinha mais força [...] (Geia).

[...] eu acho que demorou uns quinze dias. Uns 15 dias da primeira vez que eu liguei. Por que é tipo assim, ela queria que a gente ligasse todo dia. Só que é aquela coisa que às vezes você fica com abuso, que dá é desgosto, a gente pensa que vai ouvir a mesma coisa. Olhe ligavam de manhã eles dizia assim: ligue à tarde, quando eles mandavam ligar a tarde eu não ligava, ligava no outro dia, entendeu. Eles diziam: ligue a noite, eu ficava comigo se ligam de dia eles não vem, a noite é que eles não vêm mesmo. Eu desistia de ligar, eu nunca liguei a noite, eu já tenho levado ela a noite, mas sabe como eu levo? (Iris).

Eu chamo a ambulância, mas geralmente não vem... Eu chamo duas, três vezes. Mas sempre não vem (Hestia).

A rede de saúde mental de Fortaleza que disponibiliza uma viatura exclusiva para assistir as situações de crise psíquica ocorridas em seu território não é suficiente para proporcionar uma assistência eficiente a esta situação. Souza et al. (2010) identificaram que a sobrecarga de chamadas é facilmente encontrada em relatório diário do SAMU de Fortaleza, do total de 100% de chamadas realizadas para este serviço que solicitam assistência, apenas 21% eram atendidas. Esse quadro quantitativo pode ser compreendido nas narrativas dos sujeitos da pesquisa.

Ressaltamos também o “como” ocorre a assistência disponibilizada no momento da abordagem dos profissionais do SAMU ao sujeito em situação de crise. A abordagem é marcada por um completo despreparo por parte dos profissionais que atuam neste serviço: o tom do diálogo com o sujeito em crise é impositivo, a forma de aproximação com sua realidade é dominadora, de forma a instalar tensão e terror na relação, uma transferência de responsabilidade a respeito da resolução da situação, ou seja, o serviço não apresenta respostas às reais demandas da população e, ainda, é prestado sem profissionalismo.

O objetivo do SAMU é prestar assistência a uma situação cujo indivíduo lida com conflitos que alteram seu estado homeostático e o põem em conflitos, mas, o que se ver é um tensionamento e um terrorismo.

Quando ele está em crise quebrando tudo eu tenho que chamar a ambulância. Então, o amarra e coloca dentro do carro e leva ele para tomar medicamento. Muitas vezes não tem carro, e muitas vezes não vão porque tem medo dele virar o carro, porque fica pulando dentro do carro fica fazendo coisa, “estrebuchando”. Aí fica difícil, é complicado (Atena).

[...]o rapaz (profissional do SAMU) ficou escutando ali fora, ai o rapaz se apresentou, entrou falou com ele: Sr. F. o senhor vai agora ao hospital comigo, ele responde: não, eu não vou para o hospital, não estou sentindo nada. O rapaz disse: o Sr. vai porque o senhor vai se consultar porque o Sr. não esta muito bem... Quando ele quis se alterar o rapaz disse: como é que é? O Sr. quer ir numa boa ou quer ir amarrado? Não, amarrado não. Eu vou numa boa, não sei o que vocês vão fazer comigo mais vou numa boa. E entrou na ambulância e foi normalmente (Hera). Quando o SAMU... conseguia [vir], [...]eles mesmos não mandavam o socorrista, uma vez veio o motorista e uma enfermeira [...] eles me deram aquela, aquele bichinho... é para conter o sujeito. Eles ficaram olhando... ensine pelo menos como é que...faz. Ela estava lá na rua, não deixei ela entrar para exatamente facilitar para eles[...]ela é magrinha, ela não mete medo em ninguém. Ela só é estressada com a família ela não agride ninguém[...]ela não é violenta [...]me deram estas ataduras para colocar nela, mas eu não consegui... ela... me agrediu...foi minha sobrinha, minha cunhada, um policial que mora aqui e meu filho para poder contê-la...se eles tivessem chegado conversando direitinho, vamos...ela tinha ido[...] (Iris).

O diálogo inicial é considerado primordial para a eficácia da terapia. Portanto, na ausência de uma abordagem terapêutica, não é possível estabelecer um vínculo entre o sujeito e o socorrista (do SAMU). Desta formam, não se constituem laços de confiança para possibilitar a intervenção terapêutica. Outro fator importante é que a atenção, no primeiro contato, deve ser direcionada ao sujeito em crise, somente em seguida, atende-se às demandas da família (SOUZA et al., 2010).

Entretanto, percebemos que a assistência prestada pelo SAMU junto aos sujeitos em situação de crise está repleta de contradições: seja pela necessidade de agregar conceitos de assistência que garantam os preceitos da reforma psiquiátrica, seja pela deficiência na operacionalização e atendimentos das chamadas ou, ainda, pelo não direcionamento de uma assistência que considerem um protocolo de conduta, assim, como, de influências externas de terceiros (polícia, pastor evangélico, amigos) na central de atendimento do SAMU.

[...] eu conheço... um pastor que ele, que ele, trabalha nessas ambulâncias. Aí foi que eu liguei pra ele, e ele (pastor) veio aqui e levou ele (filho) (Atena).

[...] nessa ultima [crise] foi numa boa [...]a polícia solicitou o SAMU. O SAMU veio rapidinho (Iris).

Estes fatos retratam que muitas famílias não podem considerar a sua posição nesta lista de chamada, pois podem ser colocadas de lado ou mesmo direcionadas ao final da fila em função da necessidade do atendimento de uma solicitação permeada por interferências políticas e pessoais.

5.3.2 Polícia e bombeiros

A polícia e os bombeiros se colocam como segunda opção de ajuda que os familiares buscam na situação de crise de seus entes. Estes apareceram no contexto estudado como agentes de proteção contra os estados agressivos de seus parentes em crise psíquica. A presença da polícia significa que as questões burocráticas de atendimento e trâmites internos das instituições serão resolvidas com mais facilidade. A presença dos bombeiros significa proteção para os familiares e o sujeito em crise.

Ainda que o chamado à polícia aconteça pelos vizinhos, a família com parentes em situação de crise concorda e agradece porque percebem na polícia recurso que resolve a situação de perigo em que muitas vezes se encontram.

A policia foi chamada contei a historia, que já tinha tentado a ambulância não tinha conseguido, disseram que estava na fila de espera... Eu ligava pra lá e ela me dizia que tinha não sei quantos na minha frente... ai nada, eu fiquei esperando, até o dia de chegar minha vez... só que neste dia ela foi demais, ela gritou dia e noite... o vizinho foi e chamou a policia. Não foi por maldade não, chamou para ver se eles resolviam como de fato, graças a Deus, resolveram. Chegaram, conversaram comigo, eu contei a historia, eles ligaram para ambulância, no instante a ambulância veio. Duas horas da madrugada. Passei o resto da manhã todinha lá, passei o dia todinho ontem, quando foi ontem (Iris).

A ambulância, em seguida, mas sempre sem resposta. Neste ultimo caso chamei a polícia porque ela estava muito agressiva, ai foi o jeito chamar a polícia. Nas situações de crise eu já chamei bombeiros, foi quando ela estava trancada não queria abrir a porta (Hestia).

5.3.3 Hospital Mental de Messejana

Seguindo o fluxograma do itinerário de resolução das situações de crise, após assistência prestada pela ambulância, o sujeito é conduzido ao Hospital Mental de Messejana,

em que passa pela triagem e, em seguida, é encaminhado ao médico, só neste momento que a ambulância é liberada, isso causa atrasos e perda de tempo na assistência às demais chamadas.

A análise da assistência disponibilizada no interior dos hospitais será realizada a partir das narrativas dos pesquisados, pois a assistência hospitalar não é objetivo deste estudo. Não fazer menção a este fato, no entanto, é obscurecer ainda mais o sofrimento vivenciado por familiares e sujeitos na busca por uma assistência de qualidade e resolutiva. O hospital psiquiátrico é deficiente no processo de cuidar, pois apresenta deficiências de várias ordens. Além disso, esse equipamento institucional é marcado pelo estigma, adquirido por séculos, de maus-tratos, isolamento e segregação.

Eles não têm um pingo de respeito pelas pessoas, às pessoas estão ali humilhadas, realmente necessitando daquele atendimento, se submetem a essa coisa degradante, de ficar no frio, no chão sujo, tem que se submeter ou então ficar a noite inteira sentada numa cadeira até de manhã (Geia).

[...] estruturas físicas não adequadas para tratar um sujeito desse tipo, falta alimentação de qualidade, faltam terapeutas ocupacionais, recurso material, para criar atividades que envolvam esses sujeitos e profissionais mais qualificados, porque alguns profissionais do tipo médicos, psiquiatras, psicólogos, mas outros tipos de funcionários realmente deixam muito a desejar (Orfeu).

5.3.4 Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)

O CAPS não aparece como recurso de proteção em situação de crises dos sujeitos com sofrimento psíquico. A ausência de estrutura mínima de ordem física, de recursos materiais, medicamentosos e de equipe preparada para lidar com a situação de crise nos CAPS inviabiliza o acesso deste sujeito e de seus familiares a esta unidade. A orientação da gestão municipal é que o CAPS seja a porta de entrada da rede de assistência para essas situações, no entanto, o que observamos é que estes recursos não estão preparados para lidar com este tipo situação.

Há algumas ações que demonstram a tentativa de manter o estado decontrole dos sujeitos psicóticos que tendem a desenvolver as situações de crise, como a aplicação mensal em domicílio da medicação. Entretanto, no momento da situação de crise não se encontra

ação desenvolvida pelos CAPS junto a este sujeito. Isso faz com que os familiares não apresentem confiança nos trabalhos desse equipamento de saúde.

[...] as meninas do CAPS vem...no CAPS ela é bem tratada...não tenho o que reclamar do CAPS...As meninas todo mês vem dar uma injeção nela, a enfermeira veio, eu marquei...uma ... consulta com este médico que chegou lá que eu disse. Elas vieram buscar ela na kombi...Ela bem tratada lá. Ela é que não gosta de ir...não gosta de fazer terapia, não gosta nada disso...Ela toma uma injeção mensal as meninas vem dá em casa porque ela não estava mais indo para lá (Iris).

Nos CAPS num tem médico, se tem médico, se tem a crise não fica lá, manda prós hospitais, então é difícil, complicado. Os CAPS não resolvem, não resolvem porque, porque o sujeito só vai quando ele quer e o meu não vai, não tem nem perigo dele ir. Para dizer que ele não foi neste tempo todinho, ele foi uma a três vezes só, ele não vai, ele diz: eu não vou, eu não vou e bate o pé e não vai... Eles não dão receita sem vê o sujeito, porque é obrigação deles quando estava tendo uma reunião lá, eu sempre vou para as reuniões lá, que era obrigação do pessoal dos CAPS virem na casa da gente ver o sujeito, já que o sujeito não vai, eles têm como vir em casa e eles não vem. Ele estava este tempo todinho sem ir, ai a gente foi lá, eles (CAPS), fica aqui no bom jardim, ele me disseram que tinha que fazer uma... triagem, iam marcar um dia de uma triagem para mim levar ele para poder fazer. Então é difícil, muito difícil, ainda mais que esses hospitais que querem fechar... tem é muito fechado e fica mais difícil, porque esses “CAPS” num adianta não... Aí não tem como, a gente se socorrer nos “CAPS” (Atena).