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Técnicas e questões norteadoras para busca das narrativas

4.2 Trajetória da pesquisa e procedimentos

4.2.3 Técnicas e questões norteadoras para busca das narrativas

Em busca da melhor forma de reconstituir as histórias de crise vivenciadas pelos sujeitos da pesquisa e de obter amplas narrativas destes momentos, optamos pelo referencial teórico-metodológico estruturado na história oral temática que, consoante Meihy e Holanda AUDIÊNCIA PUBLICA GEIA SAMU ORFEU IRIS AFRODITE HESTIA HERA ATENA Familiar Sujeito

(2010), consistem em práticas de apreensão de narrativas realizadas por meio do uso de recursos eletrônicos e destinadas a recolher testemunhos, promover análise de processos sociais do presente e facilitar o conhecimento. História Oral, como metodologia, divide-se em três ramos: a história oral de vida, a tradição oral e a história oral temática (MEIHY; HOLANDA, 2010).

História Oral de Vida (HOV) foi idealizada por W.O. Thomas e F. Zananiecki, em 1927, na Escola de Sociologia de Chicago. Trata-se de narrativas dos fatos da vida que dependem da memória, dos ajeites, dos contornos, das derivações, imprecisões e até das contradições naturais da fala (MEIHY; HOLANDA, 2010). Para isso, a HOV estabelece o propósito de fidelidade de experiências e interpretações do sujeito sobre seu mundo; o entrevistador, como captador destas experiências, deve estabelecer medidas para assegurar que o narrador relate informações necessárias, sem que fatos sejam omitidos e que estes sejam checados e confirmados através de documentos ou informações de outros sujeitos (HAGUETE, 2003).

Com objetivo de captar o relato mais fidedigno do narrador, o entrevistador deve proceder como estimulador ao depoente, deixando-o em total liberdade de expressão para que possa relatar a experiência pessoal vivenciada. Agindo desta forma, o entrevistador conseguirá recuperar informações não registradas de outra forma e constituir visão do todo; esta totalização pode ser obtida de forma única, através do confronto entre a experiência vivida e os questionamentos do entrevistador (HAGUETTE, 2003).

É importante evidenciar que o entrevistador oral é algo mais que um coletador de gravações. Geralmente, assumir papel ativo na pesquisa. Este tipo de ação pode ser demonstrado na tradição oral, que estabelece como forma de captação o viver junto aos informantes-chave, estabelecendo condições de apreensão dos fenômenos, de maneira a favorecer o conhecimento do universo dos pesquisados, apresentando como complexidade o reconhecimento do outro nos detalhes autoexplicativos (MEIHY; HOLANDA, 2010).

O adentrar na realidade do sujeito torna a tradição oral difícil, intrigante, mas bela, pois não se limita a encontrar o sujeito e aplica-lhe a entrevista, mas busca conviver com o grupo de entrevistados, “estabelecendo condições de apreensão dos fenômenos de maneira a favorecer a melhor tradução possível do universo mítico do segmento” (MEIHY; HOLANDA, 2010, p. 40).

Por esse motivo, a tradição oral toma mais tempo do entrevistador, além de exigir conhecimento aprofundado do objeto de pesquisa, estabelecendo a necessidade de compreender a conjuntura cultural do espaço da pesquisa. Portanto, a complexidade da

tradição oral estabelece-se no reconhecimento do outro e em seus detalhes autoexplicativos de sua cultura. Ricoeur (1989) afirma que a narrativa pode ser mediadora entre a experiência vivida e o discurso proferido, superando, assim, o distanciamento entre o explicar e compreender.

Os relatos orais englobam explicitamente a experiência subjetiva do narrador, podendo repousar em testemunhos oculares, boatos ou em uma nova criação a partir da diversidade de textos orais existentes. Este fato foi considerado limitação deste método, mas, atualmente, estas histórias são reconhecidas como virtude da história oral, já que para entender o passado, é necessário construir, processar e integrar à vida dos indivíduos (FERREIRA; AMADO, 2006; ZERBO, 2010).

A individualização dos relatos orais conduz à terceira metodologia da história oral, a história oral temática, que se apresenta com caráter social e conceitual, centrado no testemunho e na abordagem de um recorte temático, admitindo e utilizando questionários que promovam as discussões específicas sobre um assunto (MEIHY; HOLANDA, 2010).

A possibilidade de gerar políticas públicas inovadoras e a necessidade de trilhar um percurso metodológico que proporcione contemplar a relevância social da temática em estudo reconhece na história oral temática o método ideal para este estudo. Para isso, alguns pontos nortearam a escolha da história oral temática como metodologia. Inicialmente, a possibilidade de fornecer voz a pessoas e/ou setores desprezados, seguido da proposta de relevância social, a qual define a situação de um grupo em determinado local e em um acurado tempo (MEIHY; HOLANDA, 2010). E, finalmente, por acreditar que a narrativa histórica de uma patologia envolve pluralidade de ações, fatos e acontecimentos marcantes na vida do indivíduo e familiar que a vivencia.

O caráter eminentemente social, desenvolvido pela história oral temática, possibilitou o confronto das narrativas dos sujeitos da pesquisa com as políticas públicas implantadas pela Rede de Atenção em Saúde Mental (RASM) de Fortaleza para atenção ao sujeito de sofrimento psíquico em situação de crise. A centralização em um único foco, no caso, a situação de crise, concorreu para obtenção de um esclarecimento deste ou forneceu suporte para identificar o sofrimento psíquico enfrentado por usuário e família na busca por um cuidado à situação de crise.

A narrativa dessa peregrinação, através da historia oral, conduziu ao âmbito subjetivo da experiência humana, parte central desse método, possibilitando esclarecer as nuanças da vida de sujeito em sofrimento psíquico, em situação de crise, e de familiares,

identificando as limitações produzidas pela doença e as dificuldades encontradas na busca pelo tratamento (FERREIRA; AMADO, 2006).

A entrevista, como ferramenta da historia oral, foi a estratégia escolhida para apreender as narrativas dos sujeitos. As entrevistas junto ao corpus, formado por familiares e sujeitos em sofrimento psíquicos, constituíram a documentação oral desta pesquisa (MEIHY; HOLANDA, 2010; FERREIRA; AMADO, 2006).

Ferreira e Amado (2006) definem corpus como um grupo de pessoas que se dispõem a depor sobre um determinado tema. Para constituição do corpus foi preciso o estabelecimento de relações de confiança entre o narrador e o pesquisador. Nesta pesquisa, o processo dialógico se colocou como fundamental para o estabelecimento da confiabilidade entre os sujeitos, facilitando, assim, a coleta das informações.

As entrevistas, como estratégia da história oral, foram gravadas, sendo solicitado o consentimento para utilização do meio eletrônico (gravador). Para constituir as entrevistas, tivemos dois roteiros de perguntas semiestruturadas (Apêndice A e B). Foi lido e explicado aos sujeitos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual foi assinado, como forma de assegurá-los da confidencialidade e privacidade das informações. Utilizamos os codinomes Gregos - Geia, Orfeu, Iris, Hera, Hestia, Afrodite e Atena - como forma de preservar o anonimato dos sujeitos.

As gravações tornaram-se o ápice desta pesquisa, pois materializaram a informação, mas a apreensão da narrativa conseguida no estudo somente foi possível devido à escolha do corpus, pois o caráter testemunhal definiu a qualidade do dossiê documental que obtive. A partir desta qualidade, é possível compreender a conjuntura da vida social dos sujeitos em sofrimento psíquico em situação de crise (ONOCKO; CAMPOS; MIRANDA, 2008; STRAUSS, 2008).