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Biossegurança

Os acidentes de trabalho, com sangue ou outros fluidos potencialmente contaminados, devem ser tratados com casos de emergência médica, uma vez que as intervenções para profilaxia da infecção pelo HIV e Hepatite B necessitam, para a sua maior eficácia, serem iniciadas logo após a ocorrência do acidente, apesar da eficácia destas medidas não estarem totalmente comprovadas. Deve-se destacar a necessidade de implementar ações educativas permanentes, que familiarizem os profissionais de saúde com as precauções universais e os conscientizem da necessidade de empregá-las adequadamente, como a medida mais eficaz para a redução do risco de infecção pelo HIV ou pelas hepatites em ambiente ocupacional.

Serão aqui apresentados os cuidados a serem adotados para evitar a infecção por exposição ocupacional a agentes biológicos com ênfase em HIV e hepatites B e C.

Serão descritas as precauções universais, bem como os procedimentos que devem ser seguidos após exposição ocupacional ao material biológico potencialmente contaminado.

Tipos de exposição

As exposições que podem trazer risco de transmissão ocupacional são definidas como:

- Exposições percutâneas: lesões provocadas por instrumentos perfuro- cortantes (agulhas, bisturis, vidrarias).

- Exposições em mucosas: quando há respingos na face envolvendo olho, nariz ou boca.

- Exposições cutâneas: contato com pele com dermatite ou feridas abertas e mordeduras humanas que são consideradas como exposição de risco quando envolvem a presença de sangue, devendo ser avaliadas tanto para o individuo que provocou a lesão quanto para aquele que tenha sido lesado.

Vírus da Imunodeficiência humana

Em situações de exposição ao sangue, o risco médio de adquirir o HIV é de aproximadamente 0,3% após exposição percutânea, e de 0,09 % após exposição de mucosas ou de superfície da pele com lesão.

Pesquisas demonstraram que o uso profilático do AZT (zidovudina), logo após exposição ocupacional, esteve associado à redução de 81% do risco de soroconversão após exposição ocupacional.

Atualmente, o uso combinado de antirretrovirais é recomendado pela sua possibilidade de maior eficácia na redução do risco de transmissão do HIV.

Vírus das hepatites B e C

A probabilidade de infecção pelo vírus da Hepatite B, após exposição percutânea, é significativamente maior do que a probabilidade de infecção pelo HIV.

Em exposição percutâneas envolvendo sangue sabidamente infectado pelo HBV e com a presença de HbeAg (o que reflete uma alta taxa de replicação viral e, portanto, uma maior quantidade de vírus circulante), o risco de hepatite clinica varia entre 22% a 31%, e o da evidência sorológica de infecção de 37% a 62%.

Quando o paciente-fonte apresenta somente a presença de HbsAg (HbeAg negativo), o risco de hepatite clinica varia de 1% a 6%, e o de soroconversão, 23% a 37%.

No Brasil, a utilização da vacina contra Hepatite B é recomendada para todos os profissionais de saúde.

Após exposição ocupacional ao material biológico, para profissionais não imunizados, o uso da vacina, associado à imunoglobulina hiperimune para Hepatite B (IGHAHB) é uma medida que, comprovadamente, reduz o risco de infecção.

Para o vírus da Hepatite C, o risco médio é de 1,8%. É importante ressaltar que não existe intervenção específica para prevenir a transmissão do vírus da Hepatite C após exposição ocupacional.

Normas de precauções universais

Precauções universais, atualmente denominadas Preocupações Básicas, são medidas de prevenção que devem ser utilizadas pelos profissionais de saúde na assistência a todos os pacientes; na manipulação de sangue, secreções e excreções, e contato com mucosas e pele não íntegra. Isso independe do diagnóstico, definido ou presumido, de doença infecciosa (HIV, hepatites B e C). Essas medidas incluem a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), cuja finalidade é reduzir a exposição do profissional ao sangue ou fluidos corpóreos, bem como recomendações quanto aos cuidados específicos ao manipular e descartar materiais perfuro-cortantes contaminados por material orgânico.

Equipamentos de Proteção Individual (EPI)

Os equipamentos de proteção individual são: luvas, máscaras, gorros, óculos de proteção, capotes (aventais) e botas, e atendem às seguintes indicações:

- Luvas: sempre que houver possibilidade de contato com sangue, secreções e excreções, com mucosas ou com áreas de pele não íntegra (ferimentos, escaras, feridas cirúrgicas e outros). - Máscaras, gorros e óculos de proteção: durante a realização de procedimentos em que haja possibilidade de respingo de sangue e outros fluidos corpóreos nas mucosas da boca, nariz e olhos do profissional.

- Capotes (aventais): devem ser utilizados durante os procedimentos com possibilidade de contato com material biológico, inclusive em superfícies contaminadas.

- Botas: proteção dos pés em locais úmidos ou com quantidade significativa de material infectante (centros cirúrgicos, áreas de necrópsia e outros).

Cuidados com materiais perfuro-cortantes

Recomendações específicas devem ser seguidas durante a realização de procedimentos que envolvam a manipulação de material perfuro-cortante:

- Máxima atenção durante a realização dos procedimentos.

- Jamais utilizar os dedos como anteparo durante a realização de procedimentos que envolvam materiais perfuro cortantes.

- As agulhas não devem ser reencapadas, entortadas, quebradas ou retiradas da seringa com as mãos.

- Não utilizar agulhas para fixar papéis.

- Todo material perfuro cortante (agulhas, scalp, lâminas de bisturi, vidrarias, entre outros) deve ser desprezado em recipientes com tampas e resistentes à perfuração.

- Os recipientes específicos para descarte de material não devem ser preenchidos acima do limite de 2/3 de sua capacidade total e devem ser colocados sempre no local onde é realizado o procedimento.

- Todo lixo proveniente de serviços de saúde deve, preferencialmente, ser recolhido para ser incinerado. Não dispondo o município deste serviço, proceder conforme orientação da vigilância sanitária do município.

Recomendações específicas para imunização: Hepatite B

Umas das principais medidas de prevenção é a vacinação de rotina contra Hepatite B, indicada para todos os profissionais da área de saúde, idealmente antes de sua admissão.

A vacina contra Hepatite B é extremamente eficaz e segura. Induz títulos protetores em mais de 90% dos receptores adultos imunocompetentes.

Os eventos adversos são raros, e usualmente, pouco importantes, tais como: dor discreta no local da aplicação (3% a 29%), febre nas primeiras 48- 72 horas após a vacinação (1% a 6%); mais raramente, fenômenos alérgicos relacionados a alguns componentes da vacina; e anafilaxia (estimativa de 1:600.000 doses).

A gravidez e a lactação não são contraindicações para a utilização da vacina.

As doses recomendadas variam conforme o fabricante do produto utilizado (de 10 a 20 mcg de HBsAg/ml para adultos, de acordo com o fabricante).

A utilização de doses maiores é recomendada para os profissionais de saúde que apresentem imunodeficiência e naqueles que se encontram em programas de diálise.

A aplicação da vacina deverá ser realizada sempre por via intramuscular, em região de músculo deltóide ou no vasto-lateral. Isto porque a aplicação em glúteos, comprovadamente, tem menor eficácia em adultos.

A agenda das doses preconizada pelo Ministério da Saúde, independente da gravidade do acidente, deverá ser: 0 (primeira dose), 30 e 180 dias.

Para profissionais que tenham interrompido o esquema vacinal: - Após a 1ª dose – deverão realizar a 2ª dose logo que possível e a 3ª dose com um intervalo de pelo menos dois meses da dose anterior.

- Após a 2ª dose – deverão realizar a 3ª dose da vacina tão logo seja possível.

Para conhecimento do seu „status sorológico‟, todo profissional de saúde deve realizar a pesquisa do anti-HBs, após um a dois meses do término do esquema vacinal.

Quando não há resposta vacinal adequada após a primeira série de vacinação, grande parte dos profissionais (até 60%) responderá a uma série adicional de três doses. Caso persista a falta de resposta, não é recomendada uma revacinação.

Uma alternativa que deve ser considerada antes do início da segunda série do esquema vacinal, ou depois da comprovação de falta de soroconversão com seis doses da vacina (não respondedor), é a solicitação de HBsAg, para descartar a possibilidade de esses profissionais terem infecção crônica pelo VHB e que, portanto, não estariam apresentando “resposta vacinal”.

O profissional de saúde não respondedor (sem resposta vacinal a duas séries com três doses cada) deve ser considerado como susceptível à infecção pelo VHB.

Caso ocorra uma exposição a materiais biológicos com risco conhecido, ou provável, de infecção pelo HBV, o não respondedor deve utilizar a imunoglobulina hiperimune contra Hepatite B.

A imunoglobulina hiperimune contra Hepatite B (IGHAHB) também deve ser aplicada por via IM. Ela fornece imunidade provisória por um período de três a seis meses após a administração.

Exposição ao material biológico

Os procedimentos recomendados em caso de exposição ao material biológico incluem:

- Cuidados locais na área exposta.

- Recomendações específicas para imunização contra o tétano. - Medidas de quimioprofilaxia para Hepatite B e HIV.

- Acompanhamento sorológico para o HIV, e para o vírus das hepatites B e C.

Cuidados locais na área exposta

Após exposição ao material biológico, cuidados locais com a área exposta devem ser imediatamente iniciados. Recomenda-se lavagem exaustiva com água e sabão, em caso de exposição percutânea.

O uso de solução antisséptica degermante (PVP-Iodo ou clorexidina) pode também ser utilizado, embora não haja nenhuma evidência objetiva de vantagem em relação ao uso do sabão.

Após exposição em mucosas é recomendada a lavagem exaustiva com água ou soro fisiológico a 0,9%.

Evitar o contato com soluções irritantes como éter, hipoclorito ou glutaraldeído, na pele, pois promove aumento da área exposta. Hipoclorito ou glutaraldeído são substâncias que devem ser utilizadas exclusivamente para desinfecção de material e superfície, sendo obrigatório o uso de luvas.

Quimioprofilaxia para o VHB

Caso ocorra uma exposição a materiais biológicos com risco conhecido, ou provável, de infecção pelo VHB, o não respondedor (anti HBs negativo) deve utilizar a imunoglobulina hiperimune contra Hepatite B.

A imunoglobulina hiperimune contra Hepatite B (IGHAHB) deve ser aplicada por via IM, na dose de 0,06ml/kg de peso. Se a dose a ser utilizada ultrapassar 5ml, deve-se dividir a aplicação em duas áreas corporais diferentes.

A vacina e a IGHAHB podem ser administradas simultaneamente, sendo indicada a aplicação em locais diferentes. A aplicação da IGHAHB resulta em imunidade provisória por um período de três a seis meses após a administração.

Existe maior eficácia na profilaxia pós-exposição quando a imunoglobulina é utilizada dentro das primeiras 24 a 48 horas após o acidente. Tanto a vacina quanto a imunoglobulina devem ser aplicadas dentro do período de sete dias após o acidente.

Profissionais que já tiveram hepatite B estão imunes à reinfecção e não necessitam de profilaxia pós-exposição. A gravidez e a lactação não são contraindicações para a utilização da IGHAHB.

Medidas relacionadas ao VHC

Não existe medida específica eficaz para redução do risco de transmissão do vírus da Hepatite C após exposição ocupacional. Os estudos não comprovaram benefício profilático com o uso de imunoglobulinas e nenhum trabalho foi realizado para avaliar o uso de antivirais.

Acompanhamento sorológico

A sorologia anti-HCV do profissional exposto deve ser realizada quando a sorologia do paciente-fonte for desconhecida ou positiva. Deve-se realizar a sorologia anti-HCV: no momento do acidente, três, seis e 12 meses após o acidente.

Os testes sorológicos imunoenzimáticos permitem a detecção de anti- HCV a partir da 6ª a 12ª semana após a exposição.

Medidas específicas e acompanhamento sorológico de quimioprofilaxia para o HIV

A exposição ocupacional ao HIV deve ser tratada como emergência médica, uma vez que a quimioprofilaxia deve ser iniciada o mais rápido possível, idealmente até duas horas após o acidente e no máximo 72 horas.

Indicações de antirretrovirais pós-exposição

A indicação do uso de antirretrovirais deve ser realizada no serviço de referência para acidente ocupacional, a partir de uma avaliação criteriosa do risco de transmissão do HIV, baseada nas características do acidente ocorrido.

Serão considerados com o acidentado, os riscos e benefícios do uso da medicação, que quando indicada, é realizada com terapia combinada. A duração da quimioprofilaxia é de quatro semanas. Tendo em vista a alta taxa de abandono observada em alguns estudos, é fundamental o monitoramento da toxicidade e da adesão terapêutica, independentemente do esquema escolhido.

Sorologia do paciente-fonte

O paciente-fonte deve ser orientado sobre a importância da realização do teste, ressaltando as implicações para o profissional de saúde envolvido no acidente.

A solicitação de teste anti-HIV (teste rápido) deverá ser feita com aconselhamento pré e pós-teste, ressaltando que quando se utiliza apenas um teste rápido não se define o diagnóstico.

O achado de um resultado negativo pode evitar o início da quimioprofilaxia antirretroviral pelo profissional de saúde, dependendo da condição epidemiológica do paciente-fonte (considerar a possibilidade de “janela imunológica”).

Acompanhamento do Profissional de Saúde

A realização do teste anti-HIV no momento do acidente é importante para posterior caracterização de infecção pelo HIV em decorrência do acidente profissional. Deverá ser garantida ao profissional exposto a confidencialidade do resultado.

O profissional de saúde com teste anti-HIV não reativo deverá ser acompanhado em serviço de referência pelo período de seis meses, quando o acidente envolver material infectado pelo HIV ou com paciente-fonte desconhecido.

Em exposição com paciente-fonte anti-HIV negativo, o acompanhamento do profissional acidentado somente é indicado caso haja possibilidade do paciente-fonte estar em “janela imunológica” (exposição ao HIV nos últimos três a seis meses).