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2.3 – Atividade de Inibição da Enzima Acetilcolinesterase 2.3.1 – Introdução

A doença de Alzheimer (DA) é a forma mais comum de demência em idosos. A demência caracteriza-se por degeneração cerebral crônica manifestada por diversos sintomas, os quais incluem quadro depressivo, perda progressiva e irreversível de funções cognitivas, agitação e outras manifestações neuropsiquiátricas (WANNMACHER, 2005). Atualmente 33,9 milhões de pessoas no mundo apresentam a DA e é esperado que o número de casos triplique nos próximos 40 anos (BARNES E YAFFE, 2011). Isso está relacionado com o aumento da expectativa de vida e consequente envelhecimento da população mundial.

A DA é uma complexa desordem neurodegenerativa do sistema nervoso central (SNC) e está relacionada com a perda de neurônios colinérgicos e com a redução dos níveis do neurotransmissor acetilcolina (ACh) no processo sináptico (KWON et al., 2007). Na DA ocorre perda progressiva e irreversível de neurônios do hipocampo e do córtex cerebral levando ao comprometimento da memória e da capacidade cognitiva (STANDAERT E YOUNG, 2010). As alterações patológicas básicas na DA são deposição extracelular de peptídeo β-amilóide em plaquetas senis e formação errática de neurofibrilas intracelulares (contendo uma forma anormal, fosforilada, de uma proteína associada a microtúbulos - TAU) (VIEGAS JUNIOR et al., 2004). A diminuição na produção de ACh na DA está relacionada com a atrofia do nucleus basalis de Meynert o qual é a fonte produtora da enzima colina acetiltransferase (CAT). Essa enzima catalisa a reação de síntese da ACh a partir da colina e da acetilcoenzima A. A ACh é liberada na fenda sináptica e pode se ligar a receptores muscarínicos e nicotínicos, parte do neurotransmissor é degradado pela enzima acetilcolinesterase (AChE) em colina e ácido acético (MINETTI E BERTOLUCCI, 2000). Os déficits observados na DA, além da ACh, envolvem múltiplos sistemas neurotransmissores, entre eles estão a serotonina, o glutamato e os neuropeptídios (STANDAERT E YOUNG, 2010).

Os tratamentos farmacológicos disponíveis para os distúrbios neurodegenerativos são sintomáticos e não alteram o curso ou a evolução da doença, no entanto, a terapia sintomática da DA pode contribuir de modo significativo para o bem-estar do paciente. Os medicamentos disponíveis para o tratamento da DA são limitados na sua eficácia o que sugere a necessidade de novas estratégias para o tratamento da doença (STANDAERT E YOUNG, 2010).

A principal abordagem no tratamento da DA envolve o uso de fármacos colinomiméticos (Figura 96, pág. 120). Os inibidores da AChE, a enzima que cataboliza a ACh, demonstraram resultados clínicos satisfatórios no tratamento da DA, ocorrendo melhoria nos sintomas cognitivos da doença. A fisostigmina foi o primeiro inibidor da AChE utilizado na DA, porém o baixo tempo de meia-vida e os efeitos adversos observados, limitaram o uso do fármaco (MINETTI E BERTOLUCCI, 2000). A tacrina, inibidor reversível da AChE, foi aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration) em 1993 para o tratamento da DA. O fármaco é ativo por via oral e possui ação de 6-8 horas. Foram observados efeitos hepatotóxicos significativos levando a redução da dose ou suspensão do medicamento em 40-50% dos pacientes (STANDAERT E YOUNG, 2010; KATZUNG, 2005). Outros três inibidores da AChE foram aprovados pelo FDA para o tratamento da DA: donezepila, rivastigmina e galantamina (Figura 96, pág. 120). A donezepila apresenta tempo de meia-vida longo sendo administrado uma única vez ao dia e é um inibidor seletivo da AChE no sistema nervoso central, com poucos efeitos na AChE nos tecidos periféricos. A galantamina além de ser um inibidor fraco da AChE, se liga a receptores nicotínicos e atua como potencializador alostétrico da atividade desses receptores, aumentando a transmissão colinérgica (GEERTS, et al., 2005). A donezepila, a rivastigmina e galantamina são mais utilizados na prática clínica, o uso da tacrina é limitado devido a hepatoxicidade. No entanto, esses quatro fármacos causam náuseas, vômitos, diarréia e insônia (STANDAERT E YOUNG, 2010).

Outra estratégia no tratamento da DA consiste no uso da memantina (Figura 97, pág. 120) que é um antagonista dos receptores de NMDA-glutamato. O excesso de glutamato promove a entrada maciça de cálcio no interior do neurônio levando-o a morte. Assim, a memantina evita a morte neural. Os efeitos adversos são leves e podem incluir cefaléia e tonteira (REISBERG et al., 2003).

Figura 96: Fármacos colinomiméticos empregados no tratamento da doença de Alzheimer.

Figura 97: Estrutura da memantina.

Os inibidores da AChE são fármacos importantes no tratamento da DA, assim a descoberta de novas substâncias com maior seletividade pela AChE do SNC e baixa toxicidade, poderia contribuir para a melhoria da qualidade de vida de pacientes que virão a desenvolver a doença. Uma vez que as plantas são potenciais fontes de substâncias biologicamente ativas, extratos e compostos isolados de M. robusta foram testados frente à inibição da AChE.

N N O Fisostigmina HN O N NH2 Tacrina Rivastigmina N O N O Galantamina MeO O N OH N MeO MeO O Donezepila NH2

2.3.2 – Método de bioautografia empregando reagente de Ellman

A avaliação qualitativa da inibição da AChE pode ser realizada utilizando a metodologia de Ellman (ELLMAN et al., 1961) adaptada por Rhee e colaboradores (2001). O teste é simples, prático, e feito sob placas de sílica gel. Utiliza-se a solução dos reagentes 5,5’-ditiobis-(ácido 2-nitrobenzóico) (reagente de Ellman ou DTNB) e iodeto de acetiltiocolina em tampão e, ao final do ensaio, aplica-se a enzima AChE (TREVISAN et al., 2006). Quando ocorre a inibição da enzima são visualizados halos brancos sobre o fundo amarelo na cromatoplaca. Pelo método, a acetiltiocolina é hidrolisada pela AChE e a tiocolina produzida reage com o DTNB, levando a formação do ânion 5-tio-2-nitrobenzoato (TNB), que apresenta coloração amarela (Fig. 98). Assim, na região da cromatoplaca em que se encontra um composto capaz de inibir a AChE é observado um halo branco devido a não formação de TNB.

Figura 98: Sequência de reações propostas no método de Ellman (Figura adaptada de MARSTON, 2011). S N O AChE OH O + HS N S O2N S NO2 COOH S COOH O2N S N + TNB (íon amarelo) Reagente de Ellmann (DTNB) Tiocolina Acetiltiocolina S COOH N O O S COOH N O O COOH

O método de bioautografia empregando reagente de Ellman permite a identificação de compostos capazes de inibir a AChE em extratos, o que possibilita um fracionamento direcionado para o isolamento desses compostos.

Uma das limitações do método é o resultado falso-positivo quando há presença de taninos em extratos brutos. Taninos podem promover a desnaturação da enzima, inviabilizando a avaliação da inibição. É importante ressaltar que esse método apenas auxilia na otimização da seleção e não elimina, em hipótese alguma, os testes in vivo (TREVISAN E MACEDO, 2003).

2.3.2.1– Metodologia

O teste foi realizado pelo grupo da Professora Drª Jacqueline Aparecida Takahashi no Laboratório Biotecnologia e Bioensaios, do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais.

As amostras foram solubilizadas em solventes apropriados (Tabela 19, pág. 123) a uma concentração de 10 mg/mL, sendo 0,015 mL destas aplicadas em placas cromatográficas de sílica 60 F254, 0,2 mm. A placa contendo SEHF, SECF, ECF, EAF e EMF foi eluída em acetato de etila : metanol (1:1) e a placa com MR05, MR10 e mistura de MR13 e MR14 eluída em hexano : acetato de etila (1:9). Após a evaporação do eluente nas cromatoplacas, borrifou-se sobre elas uma solução 1:1 de ácido 5,5’-ditiobis(2-nitrobenzóico) (1mmol/L) e iodeto de acetiltiocolina (1 mmol/L) em tampão Tris/HCl, pH 8 (50 mmol/L). Aguardaram-se 3 a 5 min até que as cromatoplacas estivessem secas e borrifou-se a enzima AChE na concentração 3 U/mL em tampão Tris/HCl (50 mmol/L) pH 8, contendo 0,1% (p/v) de albumina sérica. Halos brancos em meio ao fundo amarelo foram observados após 5 a 15 min e a coloração desapareceu em um período de 20 a 30 min. O controle positivo utilizado foi cafeína (CAF).

2.3.2.2 – Análise dos resultados e discussão

A atividade inibitória contra a enzima acetilcolinesterase foi avaliada por meio do método de bioautografia empregando reagente de Ellman e testada para o sólido do extrato hexânico das folhas (SEHF), o sólido do extrato clorofórmico das folhas (SECF), o extrato clorofórmico das folhas (ECF), o extrato acetato

etílico das folhas (EAF), o extrato metanólico das folhas (EMF), 3β,11β-di-

hidroxifriedelano (MR05), 3β-hidroxi-21β-H-hop-22(29)-eno (MR10), mistura de

ácido 3,4-seco-friedelanóico e sistosterol (MR13 e MR14).

Tabela 19: Amostras utilizadas no teste de inibição da enzima AChE

Na Figura 99, pág. 124 observa-se os halos de inibição para as amostras testadas frente à enzima acetilcolinesterase. Para SEHF, SECF, MR10 e mistura de MR13 e MR14 os halos brancos ficaram bem nítidos. Para os extratos ECF, EAF e EMF também foi possível observar halos brancos. Conclui-se que todas as amostras testadas podem apresentar atividade de inibição da enzima AChE. Um teste quantitativo de inibição da AChE foi realido e está descrito em seguida.

2.3.3 – Teste de inibição da AChE em microplaca empregando reagente de Ellman

Rhee e colaboradores (2001) também adaptaram para microescala a metodologia espectrofotométrica descrita por Ellman e colaboradores (1961) fazendo o monitoramento da produção do composto colorido em placas de 96 poços utilizando um leitor de microplacas. O substrato iodeto de acetiltiocolina é hidrolizado pela AChE liberando tiocolina e acetato. A tiocolina reage com o DTNB para produzir o ânion amarelo 5-tio-2-nitrobenzoato (Figura 98, pág. 121), o qual pode ser detectado por absorvância a 405 nm. O ensaio em microplaca é um

Amostra (150 µµµµg) Composto Solubilidade

SEHF Sólido do extrato hexânico das folhas CHCl3

SECF Sólido do extrato clorofórmico das folhas CHCl3

ECF Extrato clorofórmico das folhas CHCl3

EAF Extrato acetato etílico das folhas CH3COOEt

EMF Extrato metanólico das folhas MeOH

MR05 3β,11β-di-hidroxifriedelano CHCl3

MR10 3β-hidroxi-21β-H-hop-22(29)-eno CHCl3

ensaio quantitativo e permite a avaliação da percentagem de inibição da AChE (TREVISAN et al., 2006)

Figura 99: Bioautograma das amostras testadas e do padrão utilizado (cafeína) e estruturas químicas de algumas das amostras (Fotos: Karine Ferreira de Campos). HO MR10 cafeína N N O O N N HO HO MR05 HO H H H HO HO O MR13 + MR14

2.3.3.1– Metodologia

O teste foi realizado pelo grupo da Professora Drª Jacqueline Aparecida Takahashi no Laboratório Biotecnologia e Bioensaios, do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais.

Foram adicionados aos poços da placa de microtitulação 25 µL de solução de iodeto de acetiltiocolina 15 mmol/L em água (3,75 x 10-7 mol) e 125 µL de ácido 5,5’-ditiobis(2-nitrobenzóico) 3 mmol/L (3,75 x 10-7 mol) em solução tampão (Tris/HCl 50 mmol/L, pH 8, contendo 0,1 mol/L de NaCl e 0,02 mol/L de MgCl2.6H2O). Adicionaram-se ainda, 50 µL de Tris/HCl 50 mmol/L, pH 8, com albumina sérica bovina 0,1% (p/v) e 25 µL da amostra testada na concentração de 10mg/mL (solubilizada em tampão Tris/HCl, 50 mmol/L, pH 8,0) correspondendo a 0,25 mg/poço. No preparo do branco ao invés da adição de 25 µL da solução da amostra, adicionaram-se 25 µL de solução tampão Tris/HCl, 50 mM, pH 8,0. O controle positivo foi preparado nas mesmas condições das amostras, utilizou-se eserina como padrão (0,25 mg/poço). Os testes foram feitos em quintuplicata. A absorvância foi medida na faixa de 405 nm a cada 1 min por 8 vezes (8 min no total), utilizando um leitor de microplaca TP-reader (Thermoplate, Brasil). Posteriormente, adicionaram-se aos poços 25 µL da solução de acetilcolinesterase a 0,226 U/mL em Tris/HCl 50 mmol/L, pH 8, com albumina sérica bovina 0,1% (p/v). A absorvância foi medida novamente na faixa de 405 nm a cada 1 min por 10 vezes. O aumento da absorvância devido à hidrólise espontânea do substrato foi corrigido fazendo a subtração da média dos valores da primeira medida da média dos valores após a adição da enzima (média 2a medida - média 1a medida). A percentagem de inibição foi calculada a partir da comparação da absorvância média das amostras com a absorvância média do branco.

2.3.3.2 – Análise dos resultados e discussão

O ensaio quantitativo da atividade inibitória contra a enzima AChE foi realizado em microplaca empregando reagente de Ellman. As amostras SEHF,

SECF, ECF, EAF, EMF, MR05, MR10 e MR13 + MR14 foram testadas (Figura 100).

Figura 100: Teste de inibição da AChE em microplaca empregando reagente de Ellman (Foto: Karine Ferreira de Campos).

Assim como observado no teste qualitativo em cromatoplaca, todas as amostras testadas apresentaram inibição da enzima AChE (Tabela 20, pág. 127). As amostras ECF (extrato clorofórmico das folhas), EAF (extrato acetato etílico das folhas) e EMF (extrato metanólico das folhas) apresentaram inibição maior que 90% (Tabela 20, pág. 127), o mesmo foi observado para os sólidos obtidos durante a preparação dos extratos clorofórmico (SECF) e acetato etílico das folhas (SEAF). De acordo com Trevisan e colaboradores (2003), extratos cuja inibição enzimática é maior ou igual a 50% são considerados promissores e candidatos a futuros fracionamentos. A mistura de triterpenos pentacíclicos MR13 + MR14 (ácido 3,4-seco-friedelan-3-óico + sistosterol) apresentou 94% de inibição, MR05 (3β,11β-di-hidroxifriedelano) 64% e MR10 (3β-hidroxi-21β-H-hop-

22(29)-eno) 76%. Os resultados obtidos para MR05 e MR10 abrem perspectivas para a realização de testes mais precisos para comprovar a atividade dessas substâncias frente à doença de Alzheimer.

Tabela 20: Resultados do teste de inibição da enzima AChE em microplaca

*DP – Desvio Padrão, **CV – Coeficiente de Variação (DP/média x 100%).

2.4 – Avaliação do Potencial Tóxico Através da Atividade