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A atividade profissional do arquiteto se desenvolveu paralela- mente à atividade docente. Desde 1960, o arquiteto firmou escritório de arquitetura, que passou a funcionar, a partir de 1964, na cobertura do Ed. C. Rolim12, onde se mantém até hoje. Assim como os demais arquitetos

modernos dessa primeira geração, Neudson enfrentou as dificuldades de praxe do reconhecimento da profissão, devido à ausência de uma cultura arquitetônica local, e também em consequência das limitações materiais.

Entretanto, pouco a pouco, o arquiteto foi se destacando e ocu- pando um lugar privilegiado no mercado de contratação de serviços de arquitetura na cidade, respaldado por atuação na UFC, como projetista e professor.

Ao longo dos mais de 50 anos de atividade profissional, Neudson Braga ostenta uma quantidade significativa de projetos, de diversas tipo- logias, em variadas cidades do Brasil. De residências, por exemplo, têm registradas no seu acervo, mais de seiscentas.

Devido à grande quantidade e diversidade de projetos e pela impos- sibilidade de esgotar a análise nos moldes deste artigo, pretende-se, para efeito didático-metodológico, elencar as principais obras enquadradas nas diversas tipologias arquitetônicas que ele projetou, a saber:

– Edifícios residenciais: Projetou diversas residências unifamilia- res13 em Fortaleza, cidades do interior cearense e outras cidades brasilei-

ras (Belém, São Luís, Natal, Mossoró, João Pessoa, Cajazeiras, Salvador,

O importante mesmo é o que se aprende trabalhando com ele para além da arquitetura, na ética profissional, no respeito com todos os envolvidos e num senso de coordenação muito forte, aspectos indispensáveis para o bom andamento e qualidade final do projeto. Talvez por isso ele consiga trabalhar com os mais diversos setores, influenciando as mais diversas gerações, inclusive a minha”.

12 O Edifício C. Rolim, projeto do arquiteto, foi um dos primeiros edifícios de escritório de feição modernista construído no centro de Fortaleza.

13 Das residências unifamiliares projetadas na capital cearense, a maioria já foi demolida, resultado da dinâmica imobiliária verificada em Fortaleza, de substituição das habitações por edifícios de apartamento ou escritório, devido à escassez de terrenos e valorização do preço da terra.

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Diamantina e Rio de Janeiro). É importante ressaltar alguns aspectos funda- mentais no processo de projeto das residências (Figura 4), como a preocu- pação com a satisfação das demandas do cliente e um aprofundamento do estudo do programa de necessidades, com a produção de um “documento básico”, “que sela o entendimento entre as partes (cliente e arquiteto) e orienta todo o desenvolvimento ulterior do trabalho” (SAMPAIO NETO, 2005:144). Dos edifícios multifamiliares, destaca-se o Palácio Coronado, de 1965, que apresenta aspectos bastante inovadores para época, como soluções diferenciadas das unidades habitacionais, com o pavimento tipo apresentando cinco tamanhos de apartamentos; a adoção de uma galeria aberta no térreo junto às lojas e ao acesso do edifício, configurando pilotis e permitindo a valorização e integração entre o espaço público e o privado e a utilização do mezanino como área de estacionamentos. Na volumetria pura do edifício, ritmada pela modulação da estrutura e das vedações, destaca-se a base, representada pelos pilotis e pelo volume horizontal do mezanino, conferindo uma escala mais compatível com o pedestre.

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Figura 4 – Residência Dario Galvão (1967) – 1: Foto externa; 2: Foto interna.

Fonte: Acervo Neudson Braga.

– Edifícios comerciais: Projetou diversas lojas e instalações espe- ciais em Fortaleza e cidades do interior cearense. Destaca-se a rede de supermercados ROMCY, construídos na década de 1970 e início da década de 198014. Na loja da Aldeota (1975), adotou soluções estruturais

bastante ousadas à época, como a utilização de grandes vãos, viabiliza- dos pelo recurso das lajes nervuradas, moldadas com formas de isopor, diminuindo os custos em relação às dispendiosas formas de madeira15

(DIÓGENES, 2010).

14 Com a falência da empresa em 1990, os edifícios foram sendo ocupados por outras redes de supermercado e passaram por diversas alterações.

– Edifícios para fins de saúde16: O arquiteto se especializou

neste tipo de programa, sendo uma referência local no que se refere ao tema, no qual ainda atua fortemente como projetista e consultor. Entre as obras modernas, podemos citar o projeto emblemático do Centro de Hemoterapia e Hematologia do Ceará – HEMOCE (1972) (Figura 5), ela- borado em parceria com José Liberal de Castro e com a colaboração dos arquitetos Joaquim Aristides de Oliveira e Antônio Carlos Campelo da Costa. O projeto se desenvolve horizontalmente com base na articulação de pavimentos dispostos em torno de um pátio central. Devido à com- plexidade do programa, composto pelos setores de hematologia, hemo- terapia, atendimento ambulatorial e serviços complementares (auditório, biblioteca, refeitório, etc), foi adotada uma defasagem dos níveis dos pisos para amenizar os deslocamentos verticais. As características modernas se expressam na racionalidade estrutural, caracterizada pela modulação dos arcos de concreto aparente da cobertura e na clareza entre os elementos de estrutura e vedação, dispostos de forma quase didática.

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Figura 5 – HEMOCE – Centro de Hemoterapia e Hematologia do Ceará (1967) – 1: Foto externa; 2:

Foto Maquete – recurso bastante utilizado pelo arquiteto. Fonte: Acervo Neudson Braga.

– Edifícios bancários: Projetou diversos edifícios para diferentes instituições (Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Caixa Econômica, Banco do Estado do Ceará, Banco de Roraima) e em várias cidades, sobretudo no Norte e Nordeste. Dentre eles, se sobressai a sede do Banco do Estado do

16 Dentre os inúmeros projetos ligados à arquitetura hospitalar destacam-se: Hospital São Mateus (1987); Hospital do Instituto do Câncer (1991); Harmony Medical Center, em par- ceria com Nasser Hissa Arquitetos Associados (1998); além da participação como autor e/ ou Coordenador de equipes nos seguintes projetos da Universidade Federal do Ceará no Campus de Porangabussu (área do Centro de Ciências da Saúde): Hospital Universitário Valter Cantídio, Curso de Odontologia, Curso de Enfermagem, Departamento de Morfologia, Departamento de Cirurgia e Administração Setorial e Biblioteca Setorial.

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Ceará – BEC (1970), no Centro de Fortaleza (Figura 6). O projeto foi ven- cedor de um dos primeiros concursos públicos17 realizados no Ceará. A

inserção urbana constitui o diferencial da proposta e se caracterizou pela transgressão em relação à legislação, que preconizava a implantação de edifícios altos junto ao alinhamento do lote18.

Com o recuo, o arquiteto propôs uma edificação mais verticalizada, mantendo de certa forma o índice de aproveitamento do terreno. O “BEC dos Peixinhos”, como ficou popularmente conhecido, devido à existên- cia de um espelho d’água com peixes no acesso à agência, foi constru- ído apenas parcialmente, correspondendo exatamente à parte referente ao bloco horizontal. Aliás, o edital do concurso pregava a necessidade de construção parcelada, o que, de certa forma, orientou o partido do projeto dividido em blocos.

A proposta do bloco vertical era bastante ousada, composta por lajes nervuradas e apoio na periferia do edifício, sublinhados por quatro pilares em forma de “H”, permitindo um vão livre no pavimento tipo de 15x25 metros. A planta foi estruturada com base em uma malha quadrada de 1,75m, revelando a racionalidade da concepção.

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Figura 6 – BEC – Banco do Estado do Ceará (1970) – 1: Perspectiva externa apresentada na prancha

do concurso; 2: Perspectiva acesso Fonte: Acervo Neudson Braga.

17 O arquiteto foi premiado, também, em outros concursos de arquitetura, como: Concurso de projetos para a sede do Fortaleza Gás Butano – 1º lugar (1962); Concurso de projetos para a sede do Iate Clube de Fortaleza – 1º lugar (1962); Concurso público para projeto da sede da Escola de Administração do Ceará – 2º lugar (1963); Concurso para símbolo da Companhia Brasileira de Estruturas Metálicas – Cibresme – 1º lugar (1967); Concurso para projeto da sede da Companhia de Melhoramentos de Mossoró/COMENSA, Mossoró/ RN – 1º lugar (1970); e Concurso para projeto da sede da Companhia de Eletrificações do Piauí-CEPISA, Teresina/PI – 2º lugar (1972).

18 Memorial descritivo do projeto constante na Prancha 01. Fonte: Arquivo pessoal Neudson Braga.

Percebe-se neste edifício, mesmo na parte que foi construída, a uti- lização de referências às características arquitetônicas da chamada escola paulista, como o arrojo estrutural e a economia na utilização de apoios, assim como o emprego de diversos elementos (empenas, balcões, marqui- ses, lajes etc.) em concreto aparente. A linguagem do projeto é bastante austera e abstrata, recorrendo também à ampla utilização do vidro.

– Edifícios para fins de educação: Para o setor privado, projetou o Colégio Lourenço Filho, tradicional colégio cearense, mas se destacou mesmo em projetos públicos, como alguns já citados na Universidade Federal do Ceará (várias edificações e diversos estudos de planos direto- res físicos). Foi responsável, também, em parceria com Liberal de Castro, pelo Plano Diretor da Universidade Estadual do Ceará, além de várias edi- ficações, sobretudo no Campus do Itaperi. Atualmente, o arquiteto19 tem

atuado largamente em coordenações e projetos de edifícios educacionais, sendo responsável por trabalhos relacionados à expansão do UFC no inte- rior do Ceará, tendo coordenado o plano e o projeto do Campus do Cariri e de Sobral, e da sede da UNILAB20 em Redenção, além de filiais de alguns

IFCEs21 (antigos CEFETs).

– Edifícios públicos: Os principais projetos voltados para institui- ções públicas tiveram como cliente o Governo do Estado. Entre os mais significativos, destacam-se a Secretaria de Educação no Cambeba (1982), a Casa de Veraneio do Governador em Guaramiranga (década de 1970) e o Centro de Convenções do Ceará (1973) (Figura 7). Esse último constitui um projeto emblemático na cidade em função do papel que cumpriu na formação de uma nova área de expansão urbana e metropolitana na dire- ção sudeste de Fortaleza. Junta-se a isso o fato de que o projeto, à época, constituiu a primeira iniciativa no Nordeste de um centro de convenções administrado pelo setor público. O objetivo era incrementar o turismo de eventos e compensar os desequilíbrios sazonais da atividade. O edifício, que já passou por duas ampliações, era considerado, na década de 1970, bastante sofisticado. O elemento mais marcante da fachada é o pórtico com arcos de concreto e o balanço da marquise, que avançam em relação

19 Ocupa atualmente o cargo de consultor do reitor Jesualdo Pereira Farias para assuntos relativos ao planejamento físico do Campus da UFC.

20 UNILAB: Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. 21 IFCE: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará.

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à caixa com esquadrias de vidro, abrigo dos acessos e setores adminis- trativos do centro. Esta solução plástica remete, de alguma maneira, os projetos de palácios de Brasília projetados por Oscar Niemeyer.

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Figura 7 – Centro de Convenções do Ceará (1973).

Fonte: (1) Museu da Imagem e do Som do Ceará (2) <http://www.panoramio.com/photo/47040385>.

Na área de urbanismo, o arquiteto atuou em diversos estudos de desenvolvimento físico e projetos urbanos para as seguintes cidades: Icó, Jaguaribe, Canindé, Sobral, Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha, Iguatú, Russas, Pacajús, Aracati e Orós, todas no Ceará e Cajazeiras/PB.

Algumas premissas básicas podem ser ressaltadas no conjunto de sua obra, como a preocupação permanente com a inserção do edifício no contexto urbano, em busca de uma “arquitetura silenciosa”, segundo o arquiteto, e a adequação às novas tecnologias e materiais e o emprego dos materiais disponíveis, mantendo-se fiel e coerente aos princípios origi- nais de sua formação. Sempre prezou, da mesma forma, pela necessidade de adequação da sua arquitetura às condicionantes climáticas, atentando para a captação e garantia da ventilação dominante (venezianas móveis, jardins internos, poços de exaustão) e para a proteção da incidência exces- siva da insolação, mediante a adoção de mecanismos diversos (brises, combogós, beirais, marquises) e a correta implantação do edifício.

Enfim, percebe-se que os projetos do arquiteto não são subordina- dos a premissas rígidas, o que torna as soluções arquitetônicas adotadas bastante diversificadas. Seria possível afirmar, entretanto, que, no início da sua carreira, os elementos do vocabulário modernista se evidenciam como maior clareza.