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Atividades com a língua escrita – escrita e leituras

Foto 27: Atividades “tarefa de casa”

4.6 Atividades com a língua escrita – escrita e leituras

As atividades de/com a língua escrita são realizadas de forma fixa, diariamente, em tarefas impressas, bem como nos momentos em que as crianças experimentam folhear livros e fazer “pseudoleituras”, apoiando-se em imagens ou em leituras já realizadas pelas professoras, para darem sentido aos textos dos livros manuseados. Sobre a frequência com que realizava as atividades de escrita e sua finalidade e conteúdo, a P1 explicou que “trabalho mais no

registro do final de semana, mas depende da atividade do dia, se dá pra fazer, ou não, outra, depende da atividade, um texto coletivo, por exemplo [...]. (Entrevista realizada com P1

21/12/17). Em suas palavras, a professora parece considerar “atividade de escrita” apenas as que envolvem a produção de textos. Outras atividades como escrever/copiar o próprio nome, a partir do crachá, escrita de palavras ou listas de palavras – muito presentes no dia a dia, não.

Dentre as atividades mais comuns que envolvem a língua escrita, estão a cópia do próprio nome a partir de um modelo (crachá), escrita de letras, palavras ou lista de palavras a partir de figuras e a produção de textos-relatos para o “jornal do final de semana”. Essa atividade, realizada todas as segundas-feiras, iniciava-se na roda de conversa a partir de questionamentos feitos pela professora sobre o que as crianças fizeram no final de semana. Após a roda de conversa, quando as crianças haviam falado algumas de suas ações nos dias em que não vieram à escola, as professoras as conduzem às mesas e orientavam que desenhassem “o que fizeram no final de semana” e, por último, a professora escreve no quadro o que cada criança relatou na roda. Após esse registro exposto no quadro, uma das professoras fazia a leitura de cada frase, mostrando o que cada criança falou e dizendo que cada uma copiasse, na tarefa em folha ou no caderno, a “sua frase”.

Enquanto as crianças fazem essa atividade, “as professoras circulam na sala, fazendo perguntas às crianças, sobre seus desenhos, como se fizesse uma correlação do desenho na folha com a frase escrita no quadro, (re)orientando a escrita/cópia das crianças” (Notas do Diário de Campo, 17/09/2017). Ao circularem entre as crianças, as professoras davam orientações, “broncas” e/ou elogios: “que letra bonita!”; “Muito bem!”; “Parabéns!”; “Olha a sua frase!”; “Vamos escrever!”, “Felizmente “J” não é mais preguiçoso!”; “Está faltando letras no seu nome”; “Em cima da linha”; “Não é assim, vamos fazer novamente!”; “Nota zero!”; “Nota “dez!”; “Olha o barulho!”; “Não gostei!”. Desse modo, com expressões tanto valorativas quanto desestimulantes, elas acompanhavam os esforços das crianças. Mas, é preciso considerar que a atividade era sempre de cópia, sem questionamentos ou comentários sobre a composição de cada criança, sobre a relação entre as letras e os sons das palavras utilizadas, restringindo, desse modo, as possibilidades de aprendizagem, pelas crianças, de conhecimentos – procedimentos, relações, habilidades – relativos ao funcionamento da escrita como sistema – suas regras, seus elementos. Os comentários se referiam, quase sempre, à forma e não ao conteúdo do que estavam escrevendo-copiando.

Desse modo, embora positiva em relação à promoção de oportunidades de interação com a língua escrita, a atividade era realizada de modo restritivo dessas mesmas oportunidades para as crianças.

A experimentação da escrita como linguagem, com suas funções socioculturais e diversidade de modos de produção e de circulação e, também, como sistema, com suas convenções, é parte do processo de alfabetização, compreendida como apropriação inicial da língua escrita e domínio básico das práticas de ler e escrever textos escritos. A sistematização desse processo não é função da Educação Infantil, mas, a interação com e a experimentação- exploração da língua escrita é um direito das crianças desde a creche, visto que a escrita é uma das múltiplas linguagens por meio das quais interagimos na sociedade. Desse modo, as propostas pedagógicas que se desenvolvem nessa etapa precisam promover, de modo intencional e sistemático, essas interações e experimentações, propiciando que as crianças possam, em situações de interação e brincadeira, vivenciar a escrita como linguagem e, ao mesmo tempo, construir conhecimentos sobre alguns de seus elementos constitutivos.

No caso dos registros do final de semana, as professoras davam mais ênfase aos desenhos, chegando mesmo a intervir nas produções das crianças, fazendo contornos em cada um, com lápis hidrocor. Ao ser indagada sobre essa intervenção, a P1 informou que o

“propósito é de ‘arrumar’ mesmo, sabe. [...] Pode até ter outro objetivo, mas o meu, mesmo, é esse” (Entrevista realizada com P1, 21/12/17).

Além dessa atividade, realizada em todas as segundas-feiras, eram frequentes tarefas de escrita ou cópias de letras e palavras relacionadas a figuras, como podemos observar nas imagens abaixo.

Foto 13: Atividades de escrita

Fonte: Arquivo de pesquisa, 2017.

Ao se reportar ao trabalho com a linguagem escrita na Educação Infantil, Baptista (2010) recomenda que é preciso respeitar as crianças, a Educação Infantil e a linguagem escrita em suas especificidades, dentre as quais destacamos dois dos pressupostos discutidos pela autora:

A Educação Infantil possui uma identidade própria constituída a partir das características das crianças, que são os sujeitos para os quais ela se destina, e da sua forma de se relacionar com o mundo e de construir sentido para o que experimentam. O trabalho com a linguagem escrita na educação infantil deve respeitar a criança como produtora de cultura. O termo linguagem escrita se refere às produções que se realizam por meio da escrita e aos resultados do uso social que se faz desse objeto do conhecimento (BAPTISTA, 2010, p. 2).

Assim, aprender a identificar seu próprio nome e compreender sua função, bem como as múltiplas funções da linguagem escrita, os modos como ela existe e é utilizada nos meios onde vivem, pelas pessoas com quem convivem, mostram-se importantes para as crianças. Porém, é preciso que isso seja feito de modo que seja significativo para elas, vinculado a atividades em que escrever faça sentido e seja necessário, como propõe Vigotski (1998), assim como acontece na vida.

Além das atividades de escrita referidas, as crianças também tinham oportunidades de escrever em suas tarefas de casa. Como essas atividades eram impressas e coladas no caderno de cada criança pelas professoras, o caderno se tornava espaço-suporte para experimentações de escrita pelas crianças que, além de fazerem as tarefas, produziam escritas próprias, segundo suas hipóteses e interesses. Essas “produções” eram interpretadas de outros modos pelas professoras, ao relatarem que as crianças traziam, de casa, os “cadernos todos riscados” ou quando afirmavam para uma ou outra criança: “não vai fazer a atividade porque não cuida

do caderno, que está destruído, só tem folhas riscadas” (Notas do Diário de Campo,

30/08/2017).

Essas experimentações das crianças com a escrita também eram produzidas nas mesas, no próprio crachá, nos painéis expostos na sala e nas atividades colocadas nos varais, fora das delimitações retangulares das tarefas impressas nas folhas de papel. Nesse sentido, a escrita acontecia de forma (des)autorizada”, com e sem intencionalidade pedagógica, demonstrando, mais uma vez, que as crianças são pessoas capazes de decidir e agir, mesmo que suas decisões e ações sejam tomadas como transgressões, como sugere Kramer (2007).

As tarefas de/com escrita, não eram explicadas a todas as crianças, conforme registro no diário de campo, após entregarem as folha com a atividade escrita, a cada uma e/ou ambas as professoras, conforme já descrevemos, passava mesa a mesa, explicando a ativdade para cada grupo de crianças, dessa forma, gerava tempos de espera, tanto durante a explicação, quanto após a conclusão das atividades. Em relação a essas atividades, chamavam-nos a atenção, as diferenças entre as crianças, uma vez que o grupo tinha uma criança de três anos e quatro crianças de quatro anos, sendo as demais de cinco anos; desse modo, as tarefas podiam ser, para as diferentes crianças, ora difíceis demais, ora fáceis demais.

Durante a realização dessas atividades, eram comuns, além de intervenções nas explicações, falas dirigidas às crianças que faziam perguntas e pediam ajuda: “vá sentar!”;

“espere que passo na sua mesa”. Assim, muitas vezes, as atividades de escrita pareciam

acontecer de forma fragmentada e/ou descontextualizada, sem articulação com conteúdos trabalhados ou com as vivências das crianças. A finalidade das tarefas parecia, comumente estranha às próprias professoras, como indica a fala da P1, proferida já no primeiro dia de observação: “os pais pedem uma postura mais tradicional por parte das professoras, pedindo

três atividades para casa no decorrer da semana e que também é orientação da direção enviar para casa três atividades” (Notas do Diário de Campo 21/08/2017). Assim, sugere que

as tarefas com escritas não são de sua decisão, mas dos pais, da coordenação e da direção da escola.

Em se tratando dos direitos de aprendizagem, as crianças têm, nessas atividades, poucas condições de participar de modo mais ativo, de explorar as características da escrita como linguagem e como sistema e de se expressar por meio da linguagem escrita, visto que os registros de seus dizeres eram produzidos como cópias, sem maiores explorações a respeito das propriedades da escrita, dos porquês do uso de determinadas letras, das relações entre essas letras e seus próprios nomes, por exemplo, de suas próprias ideias sobre como se escreve e para quê se escreve. A própria atividade “jornal do final de semana” não explorava as características do jornal como portador de textos e suas finalidades.