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Foto 27: Atividades “tarefa de casa”

4.5 Canto de canções infantis

A atividade de Canto de canções infantis pode ser considerada como uma forma de linguagem com características próprias – de arte –, que no contexto da Educação Infantil pode contribuir para as crianças aprenderem a apreciar a linguagem musical, ritmos, melodias e produzir sentidos sobre o mundo e sobre si mesmas. O que as crianças cantam? Com que finalidade? Conforme percebemos, a atividade de cantar acontece, de modo particular, na roda de conversa diariamente, como uma das atividades que são realizadas no momento da rotina.

Também identificamos outros momentos em que a linguagem verbal é “musicada”, como o anúncio ou convocação para atividades, como a que marca o momento do lanche: “Meu lanchinho, meu lanchinho, vou comer, vou comer, pra ficar fortinho, pra ficar fortinho e crescer...” ou “Piuí-tcha-tcha, sem correr, sem empurrar” para organizar as crianças em fila no momento em que vão para a higienização das mãos. Essas ordens ditas como se fossem cantadas são uma prática muito comum na Educação Infantil. Em consonância com alguns dos resultados da pesquisa de Ribeiro (2018), a música enquanto prática da cultura é experimentada e significada pelas crianças no cotidiano escolar em situações mediadas pelas professoras, com o intuito de: a) regulação/controle do comportamento; b) ensino de conteúdos escolares e datas comemorativas.

Assim, os cantos infantis, embora presentes, estão associados à estruturação de algumas das atividades, ao longo da rotina, como podemos perceber em um trecho de registro do Diário de Campo:

Na roda, a professora diz: vamos cantar? E já começa a entoar “Bom dia coleguinha, como vai” (canção tradicional de saudação escolar). As crianças cantam animadas. Ao final dessa música, a professora já inicia outra: “O jacaré foi passear lá na lagoa...”. Ao final dessa canção, a professora começa a cantar “Onde

está minha mãozinha” (as crianças não parecem dar importância para essa música – poucas cantam). A professora passa a cantar “Minhoca, minhoca, me dá uma beijoca...”. Após essa canção, ela inicia: 1,2,3 indiozinhos; 4, 5, 6 indiozinhos...” [...] (Notas do Diário de Campo, 23/08/2017).

Os cantos de canções infantis, desenvolvidos na roda de conversa, são praticamente os mesmos, todos os dias, um repertório repetitivo, pouco estimulante, que parte sempre da professora, não das crianças. A maioria delas participa e/ou se envolve em uma ou outra canção, caso de “Meu boneco de lata bateu com a cabeça no chão, levou mais de duas horas pra fazer a operação, desamassa aqui, desamassa ali...”, ou a canção “Número um, número um, vem antes do dois...”. Percebemos que, quando estas são entoadas pela Professora, as crianças participam e demonstram estar se divertindo. Já em outras, como “Uma minhoquinha fazendo ginastiquinha...” demonstram desinteresse. Essas reações diferenciadas parecem indicar que, tão importante quanto entoar canções como atividade diária, é apresentar às crianças uma diversidade de canções, tanto do cancioneiro infantil tradicional, quanto da música popular brasileira, da musica regional, de outros povos etc. Além de aprender e cantar as canções já existentes, as crianças precisam ser estimuladas a improvisar e a inventar ou parodiar canções (BRITO, 2003).

Com relação à aprendizagem da música, sendo uma das múltiplas linguagens propostas pelas DCNEI (2010), “as crianças precisam ter experiências concretas com a música, com objetos que emitem sons, instrumentos musicais ou outros e formar um vocabulário específico para se referir a eventos sonoros” (MAFFIOLETTI, 2001, p. 130). É preciso que as experiências “Favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical” (BRASIL, 2010, p. 25). Em nossas observações durante todo o semestre, não registramos a exploração de instrumentos musicais e/ou possibilidades de criação de novos sons. A atividade de canto envolvia somente o entoar canções com pouca variedade-diversidade, o que pode ter contribuído para que as crianças se mostrassem, em muitos desses momentos, desinteressadas e entediadas.

O modo como a atividade de cantar era conduzida e vivenciada pelas crianças também denotava, por vezes, um caráter mecânico, sem uma finalidade específica em relação à música, às canções, no sentido de explorar, junto com as crianças, suas letras, suas melodias, ritmos e gêneros. Consideramos que cantar na Educação Infantil precisa ultrapassar os objetivos de “formar hábitos” ou, ainda, para marcar datas comemorativas, como pretextos para ensinar conteúdos ou de forma descontextualizada do cotidiano das crianças.

Assim, embora destaquemos o caráter positivo dos momentos de “cantoria” pelas interações, alegria e animação que por vezes provocava, não podemos deixar de registrar que essa atividade poderia assumir uma perspectiva mais rica e mobilizadora de conhecimento e sensibilidade por parte das crianças.

Também registramos, embora com pouca incidência, momentos em que as crianças entoavam, por iniciativa própria, canções ou trechos de canções, o que acontecia entre uma atividade e outra. Em uma dessas ocasiões, durante a realização de uma atividade no papel, quatro crianças que estavam juntas em uma mesa começaram a cantar o trecho de uma música muito tocada no rádio e na TV: “Olha a explosão, quando ela bate com a bunda no chão, ela

é terrorista, ela é especialista...”. As crianças foram logo interrompidas por uma das

professoras que lhes disse para pararem de cantar (Notas do Diário de Campo, 30/08/2017). A iniciativa das crianças ao entoarem uma canção que faz parte de seu mundo extraescolar aponta que a cultura televisiva e radiofônica faz parte de seu cotidiano e lhes desperta interesse. A TV e a internet, acessíveis às crianças, mesmo dos contextos do campo, propiciam sua interação com linguagens, artefatos e seus significados postos em circulação. Como afirmam Momo e Costa (2010), esses elementos da cultura televisiva e/ou midiática em geral mudam o tempo todo, pois se caracterizam pela efemeridade, o que faz com que as crianças também mudem, constantemente, o jeito de falar, os personagens que imitam, os objetos que usam, as músicas que cantam.

As crianças do campo estão imersas, ainda que em intensidades diferentes, principalmente por seus contextos familiares, na cultura televisiva e da internet, que faz parte de seu cotidiano. Desse modo, apropriam-se dessas linguagens e as trazem para a escola, entre outras com as quais convivem, experimentando participar das rotinas, trazendo algo de seu, ainda que o que tragam não seja considerado adequado pela escola e demande discussões acerca de seus significados e sentidos.

Participar é um dos seis direitos de aprendizagem propostos pela BNCC (2017) como essenciais à educação das crianças de zero a cinco anos, prática que precisa ser vivenciada em diversos momentos do dia a dia na escola, dentre eles, nas atividades de cantar. Participar pode constituir-se em oportunidades de ampliação do/sobre o repertório, criando ocasiões de escolhas. Os registros de nossas observações indicam que a participação das crianças com relação à música requer uma mediação da professora com intencionalidade, problematizando, questionando, propondo e discutindo canções como parte da cultura. As crianças da turma não opinam sobre as músicas cantadas e, ao tomarem iniciativa de cantar as músicas que sabem,

essas escolhas são impedidas e/ou interrompidas sem problematização em relação ao que as crianças pensam/sentem sobre o que estão cantando.

Participar ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento quanto da realização das atividades, como a escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo diferentes linguagens e elaborando conhecimentos, decidindo e se posicionando é um dos direitos de aprendizagem (OLIVEIRA, 2018). Esse direito pode ser experimentado nas mais diversas atividades, inclusive nas que envolvem o canto de canções, assim como explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos, entre outros (BRASIL, 2017).