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O ato de moldar ou modelar tem origem nos atos primitivos humanos de amassar materiais e de lhes dar forma. Envolve, portanto, tanto movimentos e gestos que requerem e influem a/na (co)ordenação dos movimentos quanto a/na imaginação. Moldar ou modelar materiais consiste em transformá-los ou utilizá-los para expressar e produzir sensações e sentidos. Nessa perspectiva, a modelagem revela-se uma dentre as muitas formas de expressão simbólica plástica. É linguagem e arte. Diferentemente do desenho e da pintura, propicia, a quem a produz e a quem a observa, visões de todos os ângulos – tridimensionais –, o que enriquece o olhar (PORTAL EDUCAÇÃO, 2019).

Por envolver a imaginação de algo que ainda não existe, envolve, por sua vez, uma dimensão lúdica e prazerosa. As experiências e/ou experiências vivenciadas a partir da modelagem abrangem o conteúdo artístico que faz parte do universo da infância. Modelar com “massinha” ou outro material, como argila, é uma das atividades muito presentes nos contextos de Educação Infantil e configura uma das linguagens artísticas – a escultura – e uma das “experiências relacionadas aos saberes e conhecimentos sobre linguagem e artes visuais e plásticas”, linguagens essencialmente responsáveis pela produção cultural humana (SALLES; FARIA, 2012, p. 144). No momento de modelar, as crianças podem ter oportunidades de experimentar sensações táteis, produzir representações tridimensionais, explorar texturas, peso, volume, relações de transformação, na medida em que a massinha na mão da criança pode se transformar em várias possibilidades, sendo a imaginação e a criatividade os componentes mais presentes (SALLES; FARIA, 2012).

A modelagem é uma linguagem que possui estrutura e características próprias, cuja aprendizagem, no âmbito prático e reflexivo, dá-se por meio da articulação e da proposição sistemática, conforme o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) dos seguintes fazeres que precisam ser propiciados na educação de crianças desde muito cedo.

Fazer artístico: centrado na exploração, expressão e comunicação de

produção de trabalhos de arte por meio de práticas artísticas, propiciando o desenvolvimento de um percurso de criação pessoal;

Apreciação: percepção do sentido que o objeto propõe, articulando tanto aos

elementos da linguagem visual quanto aos materiais e suportes utilizados, visando desenvolver, por meio da observação e da fruição, a capacidade de construção e sentido, reconhecimento, análise e identificação de obras de arte e de seus produtores;

Reflexão: considerado tanto no fazer artístico como na apreciação, é um

pensar sobre todos os conteúdos do objeto artístico que se manifesta em sala, compartilhando perguntas e afirmações que a criança realiza instigada pelo

professor e no contato com suas próprias produções e as dos artistas (BRASIL, 1998, p. 82).

O RCNEI, como ficou conhecido o documento acima citado, é, ainda hoje, apesar das críticas que sofreu em sua produção pelo Ministério da Educação, em 1998, uma referência para muitos professores, por oferecer proposições práticas para um fazer pedagógico mais informado, e não apenas fundado no bom senso ou nas experiências práticas.

Portanto, a oferta de modelagem como linguagem artística – e não apenas como exercício motor, como passatempo ou, ainda, como “calmante” – precisa fazer parte das práticas pedagógicas em todos os contextos: urbano ou rural. Considera-se, diante disso, que é função das propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil a garantia às crianças de “processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens mediante o favorecimento da imersão das crianças e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical”, como definido nas DCNEI 2009 (BRASIL, 2010).

Nessa perspectiva, a modelagem precisa ser explorada com intencionalidade e sistematicidade, como interação das crianças com outra prática cultural, com mediações que as ajudem a explorar os materiais, os instrumentos e as ações (gestos, movimentos) de forma cada vez mais elaborada e rica. Não se trata, portanto, apenas de propiciar o simples manuseio, sem objetivos claros compartilhados com as crianças, tampouco, da repetição das mesmas ações, com os mesmos materiais.

Na turma observada, a “modelagem com massinha” se configura como uma atividade sem um fim em si mesma, posto que a sua finalidade não era produzir algum produto final, mas tão somente ocupar as crianças – ainda que de forma prazerosa para elas. Funcionava, assim, mais como um passatempo entre uma e outra atividade, sempre segundo a autorização das professoras, sem dia e horário definidos e compartilhados com as crianças, como se pode notar em um trecho do diário de campo que registra um dos momentos em que a atividade de modelagem com massinha era oferecida pelas professoras e vivenciada pelas crianças:

Ao término da atividade em papel, a P1 orienta as crianças a sentarem em suas mesas e começa a entregar, a cada criança, uma porção de massinha de modelar, que estava guardada em uma caixa na estante. As professoras não lhes dão orientações ou fazem comentários sobre o que devem-podem fazer. As crianças pegam sua porção de massa e brincam sentadas em suas mesas, enquanto brincam, misturam partes com cores diferentes, conversam. Ao observar as ações das crianças, a PA solicita que não misturem as massas de cores diferentes (Notas do Diário de Campo 30/08/17).

Ao receberem sua porção de massa das professoras, as crianças, mesmo sem orientações, modelaram objetos que lhes pareciam interessantes: comidas, binóculos, mobílias de casa, animais, dentre outros. Após alguns minutos, as crianças começaram a demonstrar perda de interesse e pareciam apenas manusear a massa. Não observamos, nas atividades com massa de modelar, a presença das professoras junto às crianças, nem mesmo para o grande grupo com mediações intencionais que as instigassem a melhorar ou a avançar em suas produções. Consideramos que essa ausência de intervenção pode restringir as possibilidades de a atividade ser uma oportunidade de as crianças interagirem com materiais e práticas diferentes e, desse modo, desenvolverem funções mais elaboradas.

É importante registrar que esses momentos poderiam ser particularmente mais ricos considerando os contextos de vida das crianças. Além disso, a modelagem poderia ser propiciada como momento de exploração de materiais de escultura, como a argila, fazendo articulações com objetos que existem na comunidade – panelas, vasos, potes, entre outros – e como representações de coisas da realidade que os rodeiam: animais, plantas, frutos, flores, rochas, pessoas etc.

Observamos, por outro lado, no decorrer das atividades de modelagem com massa, que as crianças, enquanto modelavam, conversavam muito, mostrando e comentando as produções de si e das outras, sendo esses momentos ricos de interações e mesmo de brincadeira. Contudo, compreendemos que poderiam ser mais significativos se as professoras realizassem intervenções, provocações e acréscimos, visto que o desenvolvimento de todas as linguagens não se dá de forma natural, mas mediante a qualidade das interações vivenciadas com os adultos e com crianças e das mediações recebidas.

4.9 Brincadeiras dentro e fora da sala