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Foto 27: Atividades “tarefa de casa”

2.5 Caracterização do campo de investigação e dos sujeitos da pesquisa

2.5.3 Caracterização da sala de referência

Como a turma observada era um agrupamento de crianças de diferentes idades e/ou turmas, organização comum no contexto “do campo”, devido ao número reduzido de crianças de mesma faixa etária nas zonas de localização das escolas, a sala da turma observada era, ao mesmo tempo, espaço de referência para dezoito crianças de três a cinco anos e onze meses. Desse modo, a turma integrava os segmentos creche e pré-escola, bem como diferentes “níveis” ou turmas da Educação Infantil, visto que, no município, as turmas são organizadas pela faixa etária e designadas, cada uma, como “nível”. Assim, a turma era composta por crianças de Nível II (três anos), Nível III (quatro anos) e Nível IV (cinco até seis anos).

Optamos pela nomenclatura “sala de referência” por compreendermos que as atividades da Educação Infantil, ao respeitarem as especificidades das crianças de zero a cinco anos, não se organizam como “aulas”, mas como situações que oportunizam atividades- vivências (BARBOSA, 2006), as quais podem se realizar em diferentes espaços da escola. É importante, contudo, que cada turma tenha uma “sala de referência” como sendo seu espaço de encontro e pertencimento, onde as crianças e suas professoras se encontram, convivem e aprendem.

Entendemos o espaço como a dimensão física, uma extensão com ou sem limite, e o ambiente ultrapassa a dimensão física, porque ele abrange tudo o que está dentro do espaço e tem a intencionalidade a que o projeto educativo se propõe. “As formas de utilizar o espaço e o tempo são variáveis que, apesar de não serem as mais destacadas, têm uma influência crucial na determinação das diferentes formas de intervenção pedagógica” (ZABALZA, 1998, p. 130) e nos modos como as crianças vivenciam as atividades.

Essa organização e utilização, que podem ser, ao mesmo tempo, permanentes, se provisórias, precisam envolver a participação das crianças de maneira que os espaços se tornem mais representativos de suas características pessoais e de grupo. A esse respeito, Medel (2014, p. 13) coloca que

[...] é muito importante que o ambiente e sua organização tenham significados para as crianças e tenham relação com suas necessidades e interesses. Por sua vez é fundamental torná-los participantes das decisões que serão tomadas a respeito, e explicar o sentido de cada uma delas. [...] no que diz respeito à ambientação da sala, será mais significativo se as crianças decidirem e criarem elas mesmas, mais ainda se estiver sendo feito baseado em seus próprios trabalhos.

Dessa forma, o que se aponta é que os ambientes que compõem a sala de referência de cada grupo precisam, se concebemos as crianças como sujeitos capazes de participar nas decisões que lhes dizem respeito, ser uma construção compartilhada com elas e seus(suas) educadores(as), de maneira que os espaços onde vivenciam parte de seu dia, de suas vidas, tenham sentido para elas e considerem suas necessidades, possibilidades, interesses e curiosidades.

Essa ideia vai de encontro a uma cultura instituída entre grande parte dos(as) docentes que atuam na Educação Infantil, de organizar os espaços sem a participação das crianças, numa demonstração de que não as consideram capazes. Desse modo, as salas de Educação Infantil não têm as características das turmas que as habitam diariamente. De uma maneira mais geral, na atualidade,as salas da Educação Infantil possuem uma configuração semelhante, com abundância de elementos vinculados à cultura escolar, como letras, números e figuras de desenhos da TV, em profusão de cores, muitas vezes estereotipados, com função meramente decorativa, fabricados com materiais como E.V.A., sem a participação das crianças, em uma visão adultocêntrica e segundo uma estética que supostamente é condizente com o mundo infantil.

Zabalza (2007, p. 236) propõe o espaço como “estrutura de oportunidades e contexto de aprendizagem e de significados”, por isso, segundo o autor, sua organização, bem como a disponibilização dos materiais, são aspectos determinantes na construção de capacidades infantis como a autonomia. Assim, quando observamos a inadequação dos equipamentos dos banheiros e do refeitório – os quais obrigam as crianças pequenas da turma a serem sempre auxiliadas pelos adultos em suas atividades –, verificamos que nessa organização é primordial

levar em conta a faixa etária e as características das crianças, sob pena de estarmos criando oportunidades de elas aprenderem, nas rotinas diárias, que “não são” capazes.

A sala da turma observada, por sua vez, possui características bem adequadas ao trabalho com as crianças: é ampla, clara, arejada e estava organizada em diferentes ambientes, chamados “cantinhos”, que se caracterizavam pelos materiais neles existentes ou pelas atividades neles realizadas. Esses espaços se mantiveram fixos durante todo o tempo de nossas observações. Não registramos mudanças nas produções das crianças nas paredes ou nos materiais, exceto algumas atividades feitas pelas crianças que foram afixadas no “mural de atividades”, que consiste em um painel feito com papel madeira e colado na parede do lado direita da sala, abaixo das janelas e à altura das crianças, onde estão expostas produções delas relativas a temas e/ou projetos já desenvolvidos,tais como: “identidade”, “data cultural dia das mães”, “dia dos pais”. São desenhos com alguns textos escritos em que se pode perceber que houve participação das crianças, mas que houve, também, intervenção de adultos, dado seu nível de acabamento.

No canto direito da sala, fica uma grande caixa de plástico transparente, chamada “caixa de brinquedos”. Já com muitas marcas de uso, contém brinquedos ou pedaços de brinquedos cujo estado de conservação denuncia seu tempo de uso, tendo em vista que muitos estão danificados, incompletos e com aspecto envelhecido, o que pode ser a causa do pouco interesse demonstrado pelas crianças em relação a eles no decorrer das observações. Segundo informação da Professora 1, desde o ano anterior, as crianças brincam com seus próprios brinquedos, trazidos de casa, o que foi possível confirmar ao longo das observações.

Foto 4: Exposição de produções Foto 5: Caixa de brinquedos

Foto 6: Canto da leitura Foto 7: Quadros: branco, do tempo e de número de crianças

Fonte: Arquivo de pesquisa, 2017.

O “cantinho da leitura”, como indicado nas palavras montadas com grandes letras recortadas em E.V.A. e afixadas na parede em altura bem acima do tamanho das crianças, é composto por uma exposição de livros literários pendurados em um cordão, como um varal. Embora se apresente de acesso fácil às crianças, não é utilizado por elas de modo autônomo. Nos meses em que decorreram as observações, registramos que as crianças somente se aproximavam desse espaço no horário previsto no decorrer da rotina e segundo a permissão ou o encaminhamento das professoras.

Assim, o fato de os livros estarem acessíveis e de, presumivelmente, estimularem a curiosidade das crianças para o seu manuseio fazia com que as professoras não os sugerissem de modo espontâneo e autônomo, o que revela que a organização do espaço e a disposição de materiais, por si sós, não deveriam descartar as intervenções-ações docentes junto às crianças. Isso posto, Zabalza (2007, p. 237) explicita que “a forma de organização do espaço e a dinâmica que for gerada da relação entre os seus diversos componentes irão definir o cenário das aprendizagens”.

Ao lado desse cantinho, está o quadro branco, afixado na parede central da sala, junto de pequenos quadros de registro da contagem diária das crianças e do “tempo” do dia. Próximo a estes últimos quadros, realiza-se, diariamente, a “roda de conversa”, após o acolhimento e o desjejum, no início de cada manhã.

Em outra parede, encontram-se, lado a lado, o “cantinho da matemática”, o “varal de atividades” e uma estante com livros didáticos e jogos, como podemos ver nas imagens abaixo:

Foto 8: Canto da Matemática Foto 9: Varal de atividades Foto 10: Estante de livros/jogos

Fonte: Arquivo de pesquisa, 2017.

O “cantinho da matemática”, assim como os demais, é sinalizado com letras e números grandes e coloridos, fabricados em E.V.A. Estava organizado em uma pequena estante, em cujas prateleiras estavam dispostos quatro jogos – duas caixas com jogo de damas, duas caixas com blocos lógicos (formas geométricas), uma caixa com jogo de trilha, duas colunas de madeira com rodelas coloridas para ordenação por quantidade e quatro vasos com lápis de cor. Percebemos que, embora esses jogos estivessem dispostos em altura acessível às crianças, não pareciam despertar seu interesse. Alguns aparentavam estar intactos, indicando pouco uso.

Durante o período de observação – um semestre inteiro –, registramos pouquíssimas ocasiões em que as crianças se aproximaram da estante e pegaram um ou outro jogo. Consideramos que isso se devia tanto à sua não apresentação-exploração pelas professoras, o que seria exigido, dada a dificuldade de suas regras para as crianças, quanto pelo fato de a utilização de todos os materiais estar condicionada à autorização das docentes, em tempos definidos por elas. No que se refere aos jogos, algumas vezes, as professoras os dispunham sobre as mesas, no início ou no final do dia. Nesses momentos, as crianças os utilizavam como peças para construir casas, carros, cavalos, porcos, entre outros, reinventando jeitos de utilizar os materiais e de reproduzir seus contextos de vida.

O “varal de atividades”, também identificado com letras enormes, consiste em um cordão afixado na parede. Nele, são penduradas-expostas atividades realizadas em papel, a cada dia.

Por fim, localizada ao lado do varal de atividades, há uma estante alta com livros, potes de lápis e outros jogos. Nas prateleiras mais baixas, estão os livros – livros didáticos de turmas do Ensino Fundamental utilizados para atividades de recortes. Nas prateleiras mais

altas, inalcançáveis às crianças, estão caixas com jogos e com os lápis utilizados no dia a dia, somente quando são disponibilizados pelas professoras, em dias e momentos por elas definidos. Mesmo assim, registramos que as crianças, em algumas ocasiões, pegavam alguns desses materiais sem que as professoras percebessem.