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CAPÍTULO II – A ABORDAGEM DE AGLOMERAÇÕES PRODUTIVAS PARA O SETOR

2.2 Atividades culturais e suas tendências à aglomeração

No atual paradigma tecnoeconômico, a geração de conhecimento é fator decisivo para a acumulação. A criação, a aquisição e o uso de conhecimentos possuem características específicas em cada contexto social, cultural, institucional e político, significando que são localmente determinados. Diante disso, pode-se inferir que a proximidade geográfica favoreceria o estabelecimento de relações que aumentariam a interação, a cooperação e, especialmente, os processos de aprendizagem, em regra.

O recorte analítico de aglomerações passou a ser um importante referencial de análise para os setores intensivos em conhecimento. Essa perspectiva permitiria uma melhor compreensão de atividades cujos agentes compartilham os mesmos

contextos sociais, culturais e institucionais, pois forneceria pistas de como são organizadas as cadeias produtivas e engendradas as redes de criação, segundo muitos dos estudos desenvolvidos dentro das abordagens discutidas na seção anterior deste capítulo.

Os referenciais sobre aglomeração produtiva são apresentados como especialmente relevantes para a análise de atividades produtivas de base cultural. O conceito de aglomeração tem sido uma das ferramentas através da qual formuladores de política e estudiosos têm procurado entender a dinâmica do setor cultural. A ênfase no território é, no caso do setor cultural, considerada até mesmo mais importante que nos demais setores. Isso se deve ao fato de as atividades culturais terem uma forte identidade territorial, enraizadas espacialmente em torno de heranças históricas, sendo, portanto, fortemente condicionadas pelas especificidades locais.

Bassett et al. (2002) argumentam ainda que as seguintes características tecnológicas e organizacionais do setor cultural e seus subsetores com fortes interconexões e poderosas economias externas, reforçam as tendências à aglomeração:

a. Processos de trabalho requerem mão-de-obra com alto grau de especialização flexível, o que foi intensificado com a introdução de tecnologias digitais.

b. Demandam a existência de mão-de-obra local, com variadas habilidades, cuja concentração gera externalidades positivas. c. Vantagens competitivas de peso associam-se a economias de

escopo, que tendem a ser geradas, no segmento cultural, pela proximidade espacial dos produtores22.

22 Economias de escala ocorrem quando a expansão da capacidade de produção de uma empresa

provoca um aumento na quantidade total produzida sem um aumento proporcional no custo de produção. Como resultado, o custo médio do produto tende a ser menor, com o aumento da produção. Já as economias de escopo ocorrem quando é mais barato produzir dois produtos juntos (produção conjunta) do que produzi-los separadamente. Fator de importância particular para explicar economias de escopo é a presença de matérias-primas comuns na fabricação de dois ou mais produtos, assim como as complementaridades na sua produção (KUPFER; HASENCLEVER, 2002).

d. Uso de infraestrutura física e de comunicação comuns, o que estimularia a difusão de conhecimentos tácitos através de redes de interação, formais e informais.

e. Estímulos a outras tantas atividades produtivas por meio de recriação de hábitos de consumo e de modas, por exemplo. O conceito de “burburinho”, desenvolvido por Storper e Venables (2005), também explicaria a tendência a aglomerações produtivas na área de cultura. Os autores mencionados afirmam que as relações face a face (burburinho) atuariam minimizando incertezas quando determinados processos ainda não são codificados e passíveis de transmissão a longas distâncias. Para a produção cultural, que se realiza muitas vezes por projetos e de forma temporária, esse contato mais próximo é um elemento fundamental como meio de gerar confiança entre atores, individuais ou coletivos, envolvidos na geração de produtos culturais.

Outra característica do setor cultural, especialmente de seus subsetores também incluídos na classificação de indústrias culturais, é a de se organizarem como um conjunto de pequenos produtores, complementados por um número reduzido de grandes estabelecimentos (majors). Esse tipo de organização é denominado de oligopólio com “franja”, porque, junto às grandes empresas, estão os estabelecimentos menores, como ”franjas” dos conglomerados. Os segmentos de música, cinema, publicação e jogos eletrônicos são especialmente propensos a esse tipo de organização (TOLILA, 2007).

As atividades de produção cultural no oligopólio com franja acontecem dentro de redes de empresas especializadas, mas complementares. A rede assume formas diferentes, destacando-se aquelas desdobradas em teias hierárquicas de pequenos estabelecimentos em que os trabalhos de grupos de agentes são coordenados por uma unidade central dominante. As “franjas” operam, normalmente, nos ramos de edição e de produção, enquanto as majors dominam os setores considerados estratégicos de reprodução industrial e de difusão dos produtos (TOLILA, 2007).

Nessa forma de organização, as pequenas empresas exercem papel fundamental na renovação da criatividade e assumem riscos que as grandes empresas não estão dispostas a assumir. As majors, como controlam a distribuição, têm acesso privilegiado às novas tendências. Em síntese, os pequenos produtores

cumprem o papel de descobrir e desenvolver novos talentos e estilos, proporcionando às grandes empresas condições de realizar escolhas mais seguras no momento em que decidem investir.

Considerando principalmente a distribuição, Scott (2004a) argumenta que as redes locais de pequenos produtores são inseridas em redes de distribuição globais, as quais tendem a ser dominadas por conglomerados culturais. Como consequência, subsetores do setor cultural são caracterizados por relações globais e locais em que a produção é cada vez mais localizada em aglomerações locais e a distribuição realiza-se através de amplas redes (SCOTT, 2004a).

Com base na discussão anterior, depreende-se que a globalização não necessariamente leva à dispersão locacional da produção cultural. As relevâncias da diversidade cultural e de suas manifestações regionais e locais tornam-se especialmente importantes em um período marcado pela homogeneização crescente de padrões de consumo. Nesse sentido, a cultura é fonte de diferenciação de territórios, acentuando suas identidades e marcando seu lugar no panorama mundial.

A diferenciação através da identidade local, ancorada na cultura, torna-se um trunfo para a competitividade das aglomerações produtivas. De acordo com Harvey (2004), as empresas que se diferenciam no mercado com base em elementos culturais distintos, não facilmente replicáveis, auferem rendimentos monopólicos.

A tendência atual é acentuar o processo de aglomeração das atividades culturais, verificando-se o crescimento da exportação combinada com a expansão da produção localizada. Em resumo, a aglomeração locacional e as relações globalizadas são frequentemente processos complementares, em se tratando da produção de bens culturais.

O resultado das tensões de espaços competitivos na moderna economia cultural é a expansão global dos centros de produção cultural. Essa lógica de aglomeração crescente gera efeitos e sugere a manutenção da hegemonia de centros tradicionais, mas também a possibilidade de emergência de novos centros de produção. Inclusive, as pequenas empresas independentes continuariam a ocupar um lugar importante em quase todas as aglomerações de produtores de bens e serviços simbólico-culturais e seus correlatos. Verifica-se, portanto, uma

estreita articulação em atividades de base cultural, entre a esfera global e a local, bem como entre grandes e pequenos empreendimentos (SCOTT, 2004a).

Na literatura, consideradas essas tendências, podem ser identificadas diversas vertentes de análise para avaliar as configurações e a organização de agrupamentos culturais. Esses modelos, na maioria das vezes, partem de experiências internacionais para analisar o desenvolvimento das aglomerações na área de cultura. No próximo item, serão discutidas as abordagens de Creative Cluster e Arranjo Produtivo Local.