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CAPÍTULO II – A ABORDAGEM DE AGLOMERAÇÕES PRODUTIVAS PARA O SETOR

2.1 Teorias da aglomeração: breve revisão

As vantagens da aglomeração de produtores foram inicialmente apontadas por Marshall (1982), a partir da experiência dos distritos industriais da Inglaterra no século XIX. O autor procurou compreender como a concentração de firmas em uma mesma região poderia prover, para o conjunto de produtores, vantagens comparativas que não seriam verificadas se eles estivessem atuando isoladamente.

Utilizando o conceito de retornos crescentes de escala, Marshall (1982) afirmou que as firmas são capazes de se apropriar de economias externas geradas pela aglomeração de produtores. Elas podem ser traduzidas pelas diversas vantagens advindas da concentração geográfica e setorial em si, tais como: concentração de mão-de-obra especializada, endogenização de habilidades e conhecimentos, instituições de ensino, ganhos de infraestrutura, fortalecimento do setor de serviços, consumidores, provisão de bens coletivos, conhecimento tácito criado em torno do setor e ganhos de informação sobre outras firmas do aglomerado. Em função da existência dessas externalidades positivas, os produtores localizados (“indústrias localizadas”) tenderiam a apresentar um desempenho competitivo superior (MARSHALL, 1982). Para Marshall (1982), as possibilidades de geração e apropriação de retornos crescentes de escala, pela presença de firmas geográfica e setorialmente concentradas, estão vinculadas ao estímulo à presença de produtores especializados nessas aglomerações.21

As vantagens derivadas da concentração geográfica estão associadas não apenas ao aumento do volume da produção, mas também aos ganhos de organização e desenvolvimento decorrentes da maior integração entre os agentes. A

21Marshall considerava a existência de duas possibilidades genéricas de organização industrial: uma

divisão do trabalho no interior de uma empresa de grande porte e uma divisão social do trabalho desintegrada, envolvendo um conjunto de pequenas empresas em uma determinada área, num

importância das aglomerações produtivas foi obliterada pela crescente verticalização das grandes corporações multinacionais após a Segunda Grande Guerra. Todavia, mais recentemente, o tema das aglomerações produtivas vem reaparecendo com vigor renovado, impulsionado pelos resultados das experiências na Terceira Itália (VASCONCELOS et al., 2005).

Partindo da matriz histórica marshalliana, mas incorporando olhares de diferentes disciplinas e abordagens existentes, há uma ampla literatura sobre aglomerações produtivas atualmente. Observam-se também abordagens que não adotam a matriz marshalliana, como aquelas vinculadas a Schumpeter. A bibliografia é extensa, e não cabe, no escopo desta tese, revisão detalhada dos diversos enfoques. Painel sumário das principais correntes, com base em tipologia elaborada por Suzigan (1999), apresenta-se a seguir:

1. Correntes relacionadas ao enfoque da Nova Geografia Econômica. Consideram que as aglomerações produtivas resultam da combinação entre processos de mercado que operam através de forças de atração e repulsão. A principal força de atração das aglomerações é a existência dos retornos crescentes de escala, que permitem à firma a apropriação de economias externas. No caso das aglomerações industriais, as forças de atração são predominantes, promovendo um processo de concentração de produtores, atraídos pelas possibilidades de apropriação de externalidades positivas. Todavia, as economias externas locais podem ser compensadas, a partir de certo momento, por deseconomias externas, decorrentes de limites físicos (terra, recursos naturais), restrições institucionais, congestionamento e poluição. A dinâmica do processo de aglomeração vai depender do balanço resultante entre forças de atração e de repulsão presentes no local (FUJITA et al, 1999).

2. Correntes que focalizam as estratégias das empresas na busca por vantagens competitivas geograficamente restritas. Enfatizam a importância de economias externas geograficamente restritas (concentrações de habilidades e conhecimentos altamente especializados, instituições rivais, atividades correlatas e consumidores sofisticados) na competição internacional. Segundo

Porter (1990), isso proporciona vantagens diferenciais no processo de concorrência capitalista, que são apropriadas pelos agentes locais, mesmo que de modo assimétrico. Sintetizando, tais aglomerações (clusters) permitem a obtenção de vantagens competitivas como consequência da rivalidade e da rede de relações das empresas locais. Três impactos relacionados com a formação dos clusters são destacados pelo autor na alavancagem da competitividade, quais sejam: na produtividade e escala, na inovação e na formação de novos negócios. Estudos desenvolvidos com base no conceito de Creative Clusters associam-se a essas correntes, sobretudo aquela mais vinculada a Michael Porter.

3. Correntes que se fundamentam nas pequenas empresas e distritos industriais. Avaliam que, além das economias externas locais incidentais ou espontâneas, existe também uma força deliberada em ação, aquela decorrente de cooperação conscientemente buscada entre agentes privados, e do apoio do setor público. O conceito de eficiência coletiva combina os efeitos espontâneos (ou não- planejados) e aqueles conscientemente buscados (ou planejados), sendo definido como a vantagem competitiva derivada das economias externas locais e da ação conjunta (SCHIMITZ, 1997). 4. Correntes que se fundamentam na economia regional. Analisam

prioritariamente aspectos relativos aos “fatores locacionais” que influenciam a implantação de uma indústria em determinada área geográfica e os seus desdobramentos na reprodução e na transformação de regiões geoeconômicas específicas. A região é vista como um nexo de interdependências que não são “comercializáveis”, ou seja, onde é possível diversificar e articular atividades utilizando seus recursos (naturais, humanos e econômicos). Cabe destacar que essa corrente reconhece a importância das economias externas geradas espontaneamente pela aglomeração de produtores. Contudo, o desenvolvimento da aglomeração estaria também associado com vantagens competitivas que são criadas social e politicamente, e não apenas pelas

vantagens naturais da região (MARKUSEN, 1995). O enfoque de vantagens competitivas presente nessas correntes é consistente com premissa sobre a natureza dos mercados, registrada nesta tese ao final do capítulo anterior.

5. Correntes que baseiam na natureza localizada da inovação tecnológica na dinâmica industrial. Têm os neo-schumpeterianos como principais representantes, e consideram que a explicação do sucesso de aglomerações regionais repousa no caráter inovador das firmas. Duas são as maneiras pelas quais inovações locais são responsáveis por tal sucesso. Inicialmente, sugerem que padrões localizados de desenvolvimento facilitam processos coletivos de aprendizado de tal maneira, que informação e conhecimento rapidamente se difundem no ambiente local, aumentando a capacidade criativa das firmas e instituições. Em segundo lugar, um sistema produtivo localizado auxilia a reduzir os elementos de “incerteza dinâmica”, o que também facilita a inovação local, pois permite um melhor entendimento dos possíveis resultados das decisões da firma. Assim, ganham relevância as economias e o aprendizado por interação para a constituição de sistemas de inovação nos âmbitos nacional, regional e local, aos quais os neo- schumpeterianos denominam de learning region (GARCIA, 2001). Os dois primeiros enfoques aqui apresentados avaliam que os aglomerados são resultados das forças de mercado. As abordagens conhecidas como Economia Regional, e das Pequenas Empresas e Distritos Industriais enfatizam o apoio do setor público por meio de medidas específicas de políticas e de cooperação entre as empresas do agrupamento. A última abordagem aqui discutida considera que as atividades econômicas baseadas em novo conhecimento têm grande propensão a se aglomerarem dentro de uma região geográfica.

Vale (2006, 2007), a partir de uma detalhada investigação, apresenta outra sistematização das principais correntes que discorrem sobre aglomerações produtivas, agrupando-as em três grandes blocos de construção teórica (VALE, 2007, p. 169):

Vertentes mais associadas às concepções neoclássicas. São originadas da “economia regional”, que resgatou produções pontuais passadas – advindas, sobretudo da geografia econômica –, o que gerou uma série de reflexões e concepções que evoluíram e atingiram seu pico na década de 1970. Estudos sobre Creative Cluster analisados nesta tese aproximam-se de tais vertentes.

Vertentes herdeiras diretamente de Marshall. Nelas se destaca a literatura sobre os distritos industriais, com ênfase no papel das aglomerações na geração de externalidades e de ativos relacionais. Ativos relacionais estão no coração de estudos revisados nesta tese com base em redes e constituem pilar central de premissas consignadas ao final de o capítulo I.

Vertente da economia institucional. Possui duas linhas: a primeira, representada por Williamson, com a teoria dos custos de transação, e a segunda, a economia institucional evolucionaria, com forte influência de Schumpeter, em que se incluem as abordagens dos sistemas produtivos e inovativos locais. Estudos sobre Arranjos Produtivos Locais que são revisados neste trabalho filiam-se a essa vertente.

Vale (2007), com o objetivo de organizar os conteúdos dessas vertentes teóricas, propõe uma tipologia que utiliza a regras de polo morfológico. Considerando que a tipologia possui três elementos fundamentais – exposição, causação e objetivação –, a autora desdobra os três grandes blocos teóricos anteriormente mencionados sobre aglomerações produtivas em sete correntes teóricas (Quadro 3).

Quadro 3 - Tipologia de análises sobre Aglomerações Produtivas segundo as regras do Polo Morfológico

Exposição Causação Objetivação

1. Inspiração neoclássica Racionalidade ilimitada,

homo economicus, papel

do mercado, a empresa como função de produção, especialização

territorial.

Economias regionais: concentração produtiva, escala e especialização, inserção internacional, vantagens

comparadas. 2. Inspiração institucional

e influência neoclássica homo economicus, papel Racionalidade limitada

das instituições e dos contratos, empresa como estrutura de governança.

Redes empresariais, territoriais e cadeias de suprimentos: teoria dos

custos de transação, formas de governança: firma, mercado, formas híbridas (redes), eficiência produtiva. 3. Inspiração institucional

e influência evolucionária Racionalidade limitada, papel das instituições, inovação e evolução, empresa como lócus de interação e aprendizado,

fatores intangíveis.

Sistemas produtivos e inovativos locais: conhecimento tácito, inovação como processo coletivo de construção social.

4. Inspiração schumpeteriana e influências da organização industrial Territórios inovadores como lócus de interações, aprendizados, externalidades e sinergias.

Milieux innovateur: dinâmicas e

externalidades de natureza tecnológica derivadas de interações e

interdependências. 5. Inspiração da

organização industrial Externalidades positivas derivadas de aglomerações, empresa como lócus de interação,

especialização, cooperação e

aprendizado.

Distritos industriais: especialização e complementaridade, economias de aglomeração, sistemas de produção

flexível.

6. Inspiração da organização industrial

com reflexões sobre estratégias corporativas Externalidades positivas derivadas de aglomerações, importância do ambiente, setor industrial, a empresa, a região competitiva, o papel das

estratégias.

Cluster: competição e cooperação na cadeia produtiva, posicionamento e

competitividade, vantagens comparativas sustentáveis.

7. Inspiração da economia industrial e

influências variadas

Regiões como sistemas de ativos físicos dotados

de sinergia, como unidades fundamentais

da vida social do capitalismo contemporâneo.

Territórios produtivos (escola californiana): as interações entre condições naturais, tecnológicas, sistemas econômicos, estruturas sociais

e demográficas.

Fonte: Vale (2007)

Esse foco em aglomerações produtivas, mesmo não se constituindo em corpo unificado de investigação, está associado à compreensão de que a dimensão puramente setorial é insuficiente para o entendimento de determinados arranjos produtivos atuais. Nos últimos anos, tem crescido a tendência de pensar as relações entre as unidades produtivas e entre elas e as instituições que interagem

com elas em determinados espaços geográficos. Essa nova visão tem possibilitado a reorientação das formas de intervenção do poder público na promoção das políticas setoriais e regionais.

A tendência mundial de analisar o desenvolvimento regional a partir de agrupamentos empresariais locacionais especializados tem ganhado força, igualmente, no Brasil. Não obstante as influências dos modelos formatados nos países desenvolvidos, a compreensão de que o ambiente nacional possui singularidades, como a presença significativa de negócios informais, levou pesquisadores e formuladores de políticas a desenvolverem um modelo específico, adaptado à realidade brasileira. Uma das abordagens mais proeminentes no Brasil é a de Arranjo Produtivo Local (APL), cujo desenvolvimento coube pioneiramente ao grupo de pesquisa Redesist do Instituto de Economia da UFRJ.

Apesar dos aspectos consensuais entre as mais diversas abordagens sobre aglomerações produtivas, mapeadas neste capítulo com base em revisão de literatura, as terminologias utilizadas para denominar os tipos de arranjos produtivos localizados são muito variadas, e uma análise mais acurada de seus conceitos evidencia muitas de suas diferenças. Essas questões vão ser ressaltadas em seção própria, em que se discutem, particularmente, as noções de Creative Clusters e APLs em áreas culturais. Antes de focalizar os dois tipos mencionados de aglomerações de produtores de bens culturais, no item seguinte, discute-se a tendência à aglomeração das atividades culturais.