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Durante a entrevista, perguntei aos egressos sobre as atividades que eles costumavam desenvolver com seus alunos em classe, quais os cuidados que eles tinham em relação ao repertório, tonalidades e se sentem-se aptos a desenvolverem atividades que utilizam a prática do canto no âmbito escolar.

A aluna Pâmela, por possuir mais tempo de experiência em sala de aula, trouxe uma série de atividades que envolvem a prática do canto e afirma que “a criança muda muito em um ano”. Para cada ano, ela tem uma maneira de desenvolver suas atividades:

Para as crianças bem pequenas as atividades são mais espontâneas, por exemplo, músicas folclóricas e midiáticas, que eles ouvem em casa como Mundo Bita, Bob Zoom, MPBaby... Além delas eu toco algumas músicas no violão com eles, algum repertório que explore os sons corporais, fazer sons com a boca, imitação, chuva, beijinho, pipoca, enfim, a gente trabalha timbres e canta as musiquinhas que eles gostam, justamente por eles estarem começando a falar, isso para 1 ano. Aos 2 anos eles estão aprendendo a falar e aos 3 anos já são tagarelas e cantam muito bem, com essa faixa etária eu já trabalho com história cantada, sonorizada, eu mostro imagens, objetos numa caixinha e coloco bichinhos, objetos para que eles tirarem um objeto e cantar a música que remete aquele objeto. Os alunos de 4 anos já gostam de músicas não infantis, tipo rock, músicas midiáticas, eles identificam a música “triste”, música “feliz”, para eles existe essa divisão. Já com 5 anos há uma expansão no repertório, as vezes trabalho cânones, mas utilizo com mais frequência com as crianças de 6 anos. A partir dos 7 anos dá pra fazer um coral muito bom e isso estende-se até os 9 anos. A partir dos 10 anos eles começam a sentir vergonha de cantar, mas eles gostam muito de um desafio. Adoram percussão corporal, tocar, ou tocar e cantar junto. Em minhas atividades são eles que levam o coral, mas preferem não aparecer porque é ‘coisa de criança’ (PAMELA, 2019).

Levando em consideração as propostas de atividades realizadas por Pâmela em sala de aula, pode-se perceber que a mesma busca direcionar atividades de acordo com a faixa etária de cada turma, trazendo repertórios que estão incluídos em suas vivências musicais a fim de “considerar o contexto social, os significados e os espaços em que as manifestações musicais estão inseridas” (ANDRADE, 2014, p. 20). Ela utiliza atividades voltadas a percussão corporal, dança e exploração dos instrumentos para incentivar seus alunos mais velhos a serem mais participativos nas aulas. Pâmela afirma que eles gostam da dinâmica dessas atividades e que trabalhar com o corpo, improviso, instrumentos e dança auxiliam na performance corporal dos alunos. Seguindo a afirmação de Pâmela, Schmeling e Teixeira dizem que,

Vivenciar o canto por meio do corpo – através de gestos, de encenações, da dança – é fundamental para a percepção do que acontece com nossa voz, com a música, com o gênero musical proposto. Cantar com o corpo leva a uma interpretação músico vocal, em geral, mais descontraída, podendo auxiliar na expressividade do canto (SCHMELING; TEXEIRA, 2010 p. 86).

Além das atividades citadas, ela partilhou de uma experiência bem atual, na qual ela ensaiou com todos os alunos para uma apresentação de dia dos professores e que apesar de poucos ensaios, conseguiu fazer um bom trabalho vocal inclusive com uma simples divisão de vozes. Ela enfatiza a importância da prática do canto coral, no entanto diz que ainda é muito difícil desenvolver projetos na escola em que trabalha atualmente, por não haver incentivo para isso:

Eu até penso em escrever sobre isso, fazer um projeto de canto coral, porque na escola onde estou atuando não tem essa prática do canto coral, nem incentivo. No entanto, eu acredito que o canto tem um resultado mais rápido para aprendizado quando comparado ao instrumento específico, principalmente por se tratar de um instrumento acessível a todos (PAMELA, 2019).

O relato acima condiz com a afirmação de Schmeling e Teixeira (2010, p. 76) de que “a voz é um recurso acessível ao fazer musical porque todos a levam consigo”, sendo o meio mais eficiente de se trabalhar música dentro do contexto escolar, uma vez que segundo Andrade (2014) a prática do canto pode apresentar muitas possibilidades sem apresentar custos ou exigir um espaço físico adequado.

Seguindo essa mesma linha, Beatriz conta que durante seu período de atuação em sala de aula, buscava envolver a prática de canto em todas as atividades que ela ministrava por acreditar que o canto é o instrumento mais próximo do aluno, no entanto, ela afirma que quando haviam apresentações, ela apenas gerenciava e auxiliava os professores titulares de cada turma, pois os mesmos eram os responsáveis pelos ensaios. Ela conta que,

Na sala de aula, dependendo da faixa etária de primeiro ao quinto ano, eu utilizava o canto coral, trabalhávamos com cânones, pergunta e reposta, criação, jogos, cantigas de roda, brincadeiras... o canto sempre estava presente, mesmo que não fosse direcionado a determinado repertório, eles sempre estavam presente e sempre quando tinha apresentações, eu fazia um gerenciamento, porque quem cuidava dos ensaios eram os professores titulares de cada turma, então eu estava presente para auxiliá-los (BEATRIZ, 2019).

Vandresa, por sua vez, conta que se sentiu presa ao cronograma da escola onde atuava e não desenvolveu muitas atividades que envolviam a prática do canto. Ela também afirma que se sente mais hábil para desenvolver atividades que envolvam a prática do canto em aulas particulares, afirmando que consegue desenvolver conteúdos e técnicas de maneira mais eficiente dando aulas particulares do que na escola regular.

O canto mesmo nas escolas que eu trabalhei foram limitados, uma vez que a escola já tinha um cronograma específico do que a gente tinha que dar em sala de aula, então o canto era mais para datas comemorativas, ensinar uma música, enfim... Agora na escola onde dou aulas particulares, foi muito útil, mas dando aulas individuais, em grupo já é mais complicado. Com apenas um aluno, nós conseguimos aplicar muitas coisas que é trabalhado na graduação, mas é também de acordo com a escolha do aluno, qual repertório ele quer aprender, enfim, depende muito de cada aluno (VANDRESA, 2019).

Ao analisar a fala de Vandresa, percebe-se a herança do habitus conservatorial onde a mesma se sente mais à vontade com o ensino individual, uma vez que foi ensinada dessa maneira, sendo reflexo de um ensino mais tradicional incluído no Curso. Sobre a prática de canto coletivo e canto individual citado por Vandresa, percebem-se algumas diferenças no modo de ensino dessas práticas e até em sua nomenclatura. No artigo de Guizado e Moreira (2016) o termo “canto coral” consiste em uma prática utilizada como possibilidade de expressão, sendo executada de forma simples para a atuação do licenciado e o “canto individual” como ação do performer, com um ensino mais tradicional.

Por sua vez, atuando na escola básica, Raísa contou na entrevista que trabalha com um pouco de tudo. Diz que sempre procura inovar com seus alunos e suas atividades sempre envolvem o ritmo, o corpo e a improvisação. No que se refere às atividades voltadas ao uso da voz e as práticas de canto, ela afirma que,

Eu uso de técnica, basicamente a respiração, eu não trabalho de maneira aprofundada, no entanto eu tenho cuidado na escolha do repertório dos meus alunos, pois sei que nem todas as tonalidades estão adequadas, eles podem ter dificuldades em músicas com intervalos espaçados, então eu busco melodias mais simples, e o repertório folclórico é ideal para atividades cantadas (RAISA, 2019).

Celso (2019) compartilhou que no pouco tempo que atuou na escola básica, gostava de desenvolver atividades práticas de canto, uma vez que “a voz é um instrumento que todo mundo já leva consigo” e é muito importante que o professor desenvolva uma boa técnica e utilize esse instrumento dentro da escola regular, uma vez que é uma ferramenta prática comparada à realidade da sala de aula, onde muitas vezes não se tem instrumentos disponíveis para todos os alunos. Atualmente ele dá aula de violão e afirmou que costuma estimular seus alunos a solfejarem e desenvolverem a percepção melódica. Quanto ao seu trabalho, ele disse que, “até hoje utilizo bastante técnica de canto com meus alunos de violão. Por exemplo, todos meus alunos de violão precisam solfejar. Então eu ensino respiração, aquecimento, relaxamento, tudo isso para poder solfejar determinadas alturas” (CELSO, 2019).

Quanto à formação para práticas de canto, as licenciadas Pâmela e Beatriz afirmam que se sentem preparadas para desenvolverem atividades que envolvam a prática do canto em sala de aula, uma vez que antes da graduação já possuíam um conhecimento, e no decorrer do curso, foram adquirindo experiências, tanto em questão técnica nas disciplinas de canto coral e canto quanto nas questões pedagógicas nas disciplinas de regência. Vandresa, por sua vez, apesar de ter tido acesso às mesmas disciplinas e possuir contato com o canto desde pequena, contou que não se sente preparada para atuar na escola básica por não ter se identificado com a sala de aula. No entanto ela afirmou que ao atuar dando aulas particulares, sente-se apta a desempenhar um bom trabalho de maneira mais aprofundada.

Possivelmente a facilidade que as egressas Pâmela e Beatriz possuem em transmitir conhecimentos para uma considerável quantidade de alunos dentro do âmbito escolar, se dá ao fato de ambas já estarem inseridas na educação básica desde o período da graduação, conseguindo atuar paralelamente com a teoria vista na licenciatura. Essa realidade que, pode ser identificada como prática reflexiva, possibilitou que as mesmas experimentassem maneiras de aplicar o que estava sendo aprendido nas disciplinas com o contexto acadêmico no qual estavam inseridas.

Na visão de Schön (1987) a formação profissional deve ser baseada através da construção de conhecimentos através da reflexão, análise e prática. Aplicando ao segmento da atuação do professor, a “prática reflexiva tem como pontos principais o aprender fazendo, facilitar a aprendizagem ao invés de ensinar e o diálogo recíproco de reflexão-na-ação entre facilitador e aluno” (SCHÖN apud BARBOSA; FERNANDES, 2018 p. 9), ou seja, a prática reflexiva, paralela aos conteúdos ministrados no Curso de Licenciatura em Música, trouxe às egressasBeatriz e Pâmela diversos caminhos e experiênciaspara atuar após suas formações.

Vandresa, em outra direção, atuou por pouco tempo no ensino regular, sentindo assim dificuldades no período em que esteve à frente de uma sala de aula. Ela afirma que utiliza muito dos conhecimentos adquiridos na graduação em suas aulas particulares, atuando no ensino específico e preparando seu aluno para a performance. Nesse contexto, pode-se observar que a mesma se identificou com a forma conservatorial de ensino ofertado pelo curso, na preparação do futuro músico-professor.

No que se refere a essa realidade, Pereira (2013) afirma que,

Ainda que os conhecimentos pedagógicos musicais se refiram, em grande parte, às formas de como ensinar o conhecimento musical legitimado [...] pode-se esperar uma crescente preocupação com a figura do professor de música, pois a universidade não está tão alienada das demandas da sociedade, embora a figura do músico professor ainda seja predominante (PEREIRA, 2013 p.7)

Os licenciados Celso e Raísa afirmam que se sentem aptos a desenvolverem atividades que envolvam o uso do canto, mas de forma básica, sem muitos aprofundamentos. Celso diz que “para formar um cantor, não [me sinto preparado]. Mas para dar uma base para o que uso na sala de aula”, ele se sente preparado. Já Cleotilde conta que já atuou dando aula em corais e por haver referência do piano, não possuía dificuldade ao desenvolver atividades, no entanto afirma que no repertório erudito ela sente insegurança, deixando clara sua preferência em trabalhar com o repertório popular.

Eu já havia trabalhado com coral, com crianças, no entanto, se for um repertório erudito, não me sinto apta, na questão da técnica vocal, mas se for música popular, eu me sinto preparada uma vez que a universidade me cobrou muito nos primeiros semestre, a questão de afinação dicção, afinação, articulação, tessitura a técnica de cada período (CLEOTILDE, 2019).

Ao realizar as entrevistas, percebo que todos os entrevistados sentiram certa dificuldade em aplicar seus conhecimentos na escola básica. Beatriz (2019) contou que “conhecer a questão e tessitura, qual nota cada um alcança, desenvolver a percepção de qual é a tonalidade ideal, são detalhes que aprendi empiricamente e não nas disciplinas de educação musical ou canto”. No que se refere a essa realidade, Guizado e Moreira (2016, p. 10) afirmam que “muitas vezes

o canto é praticado nas salas de aula de maneira intuitiva e essa falta de conhecimento pode levar a distorções no aprendizado musical”. Considerando essa afirmação pode-se observar que a prática do canto é importante na licenciatura, no entanto é necessário entender como esse conhecimento pode ser transmitido através das práticas pedagógicas ofertadas na Licenciatura.

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