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Todos os egressos relataram suas experiências com a prática do canto, uns fora da academia, outros só tiveram experiências por terem algumas disciplinas na grade curricular. Basicamente, todos os alunos formados pelo PPC de 2013 participaram da disciplina “Prática Coral I”, que posteriormente foi integrada à

“Prática Instrumental I”. Sobre essa última, os egressos relataram como foi difícil desenvolver conhecimentos e habilidades em uma disciplina que englobava todos os instrumentos ao mesmo tempo (violão, piano, flauta doce e canto) que segundo eles, era tido como algo conservatorial9, no qual o aluno tinha a partitura e o diapasão como referência para solfejos à primeira vista. Celso relata que,

Meu primeiro contato com o canto foi assim: uma partitura na minha frente, o diapasão no meu ouvido e ‘cante o que está escrito’, então foi bem complicado. Mas depois a prática foi se moldando e se organizando mais, de acordo com a realidade do estado (CELSO, 2019).

Ao fazer uma análise na ementa da extinta disciplina de “Prática Coral I” pode-se observar que o conteúdo oferecido era voltado apenas à performance. De acordo com a ementa a disciplina ofertava “Noções de fisiologia vocal, exercícios para correção da respiração, vocalizes, relaxamento muscular, técnica vocal e repertorio de dificuldades progressivas, formação de grupos corais” (UFRR, 2013, p. 1). Após a prática do canto ser integrada a disciplina “Prática Instrumental I”, ela continuou oferecendo ferramentas que auxiliavam na performance e no aprimoramento de técnicas, não somente para o canto, mas para todos os instrumentos oferecidos pelo curso, A ementa de “Prática Instrumental I” ofertava,

Processos de construção da realização músico instrumental-vocal; procedimentos analíticos de treinamento: análise prévia e planejamento, prática e avaliação de resultados; desenvolvimento das possibilidades técnico-interpretativas na realização músico-instrumental-vocal de repertório; relações entre consciência corporal e instrumento; ênfase: música brasileira (UFRR, 2013, p. 1).

Essas características: ênfase na performance, utilização de métodos de canto baseados em repertórios da música de concerto, pareceram permanecer nas práticas da disciplina, mesmo quando transformada em “Prática Instrumental I”, englobando a música brasileira. Isso parece corroborar com a ideia conservatorial de ensino. As principais características dessa prática são:

Ensino aos moldes do ofício medieval – o professor entendido, portanto, como mestre de ofício: exímio conhecedor de sua arte; o músico professor como objetivo final do

9 Esse termo, possivelmente, refere-se à teoria desenvolvida por Marcus Vinicius Medeiros Pereira, inspirada em Pierre Bourdieu sobre o habitus conservatorial, este sendo, “a incorporação de práticas tradicionais de ensino se música, institucionalizadas pelos conservatórios, e que estariam ainda hoje orquestrando percepções e ações de agentes dos campos artístico e educativo” (PEREIRA, 2013, p. 1).

processo educativo (artista que, por dominar a prática de sua arte, torna-se o mais indicado para ensiná-la); o individualismo no processo de ensino: princípio da aula individual com toda a progressão do conhecimento, técnica ou teórica, girando em torno da condição individual; a existência de um programa fixo de estudos, exercícios e peças (orientados do simples para o complexo) considerados de aprendizado obrigatório, estabelecido como meta a ser alcançada; o poder concentrado nas mãos do professor – apesar da distribuição dos conteúdos do programa se dar de acordo com o desenvolvimento individual do aluno, quem decide sobre este desenvolvimento individual é o professor; a música erudita ocidental como conhecimento oficial; a supremacia absoluta da música notada – abstração musical; a primazia da performance (prática instrumental/vocal); o desenvolvimento técnico voltado para o domínio instrumental/vocal com vistas ao virtuosismo; a subordinação das matérias teóricas em função da prática; o forte caráter seletivo dos estudantes, baseado no dogma do “talento inato” (PEREIRA, 2013 p. 5).

Apesar das dificuldades enfrentadas, houve reformulação curricular no PPC de 2014 e cada instrumento (flauta doce, violão, piano) e canto, apesar de obrigatório, teve sua disciplina de modo isolado em semestres alternados facilitando assim o estudo prático e mais específico, facilitando o aprendizado dos alunos. Após a reformulação, todos os alunos tiveram o primeiro semestre dedicado ao Canto Coral e a partir do segundo semestre puderam estudar o canto através das disciplinas eletivas de Canto I até Canto VII, onde as avaliações finais eram recitais nos quais o repertório ficava a critério de escolha do aluno. Vandresa destaca a pertinência desses recitais para a sua formação:

Uma atividade que foi muito marcante para mim, foram os recitais de canto. Aprendíamos muito na organização, espaço, tempo, que nem sempre tudo sai conforme o planejado e por isso sempre é importante deixarmos um plano B preparado, além de nos auxiliar ao lidar com o público, nos ajuda ter um controle de vocal apesar de todo o nervosismo (VANDRESA, 2019).

Apesar de não articular esse aprendizado à sua docência, as habilidades descritas quanto ao planejamento são fundamentais para a atuação na escola básica. Quanto à importância das práticas de canto ofertadas na licenciatura, Sconyi (1973, p. 15 apud MATEIRO; ILARI, 2012, p. 60) diz que “a participação ativa no fazer musical é a melhor forma de se conhecer música”, ou seja, a prática desenvolve habilidades, o que parece ser evidenciado na fala acima.

Ao analisar a ementa da disciplina de “Canto Coral”, ofertada no ano de 2014, observa- se um cuidado maior na questão didática, quando comparada às extintas disciplinas de “Prática Coral I” e “Prática Instrumental I”, no entanto, ainda tem como prioridade a performance. A ementa de “Canto Coral” apresentava

Anatomia e fisiologia do aparelho fonador: respiração, fonação, ressonância e articulação. Fundamentos do canto coletivo. Naipes, timbres e classificação vocal. Estilos e gêneros de música coral. A formação de coros como recurso didático para

Além dessa disciplina, as alunas Beatriz e Vandresa fizeram todas as disciplinas eletivas de canto e reconhecem a importância que essa prática trouxe em suas formações, no entanto, apenas Beatriz reconhece ter utilizado desse aprendizado na escola básica, enquanto Vandresa, afirmou não ter desenvolvido tantas atividades que envolviam a prática do canto na escola básica, uma vez que atuou por pouco tempo nesse contexto. Beatriz conta em sua entrevista um pouco sobre sua experiência em relação à prática do canto na universidade e afirma que ao atuar na escola básica sentiu dificuldades em trabalhar certos conhecimentos, uma vez que o canto os prepara, segundo sua percepção, para a performance. Ela explica que

Nas disciplinas de canto nós trabalhamos técnicas, estudo de repertório, fisiologia do canto, dentre outros aspectos [...] em relação à prática, com certeza é relevante, na sua formação como músico, porque precisamos ser bons músicos para sermos também um bom professor de música [...] porém para o nosso contexto e pelo PPC, eu percebo que não atende a necessidade local no quesito pedagógico, pois aqui no estado não temos muita demanda de aulas de canto específicas, não temos conservatórios, não temos esse tipo de formato de ensino, então pelo que eu percebo pela proposta curricular do curso, as aulas precisam ser mais voltadas à educação básica por exigir essa demanda, então nesse contexto eu acredito que não atende essa necessidade, tanto que, muito do que eu aprendi sobre a utilização do canto na educação básica, foi por conta própria, através de pesquisas e estudos porque no curso não tínhamos um momento voltado para nos prepararmos para a utilização do canto na escola regular (BEATRIZ, 2019).

De forma semelhante, Pâmela também sentiu dificuldades para adaptar os conteúdos aprendidos na universidade à sua prática docente. Apesar de não ter dado sequência à prática de canto durante a graduação, já possuía experiência informal por cantar na igreja e já ter participado de uma banda, onde era uma das vocalistas. Ela também deu aulas de canto antes de iniciar a graduação. Assim que iniciou a faculdade não seguiu adiante no aprendizado de canto por preferir priorizar o aprendizado de piano, no entanto, afirma que as disciplinas obrigatórias que continham canto contribuíram para o seu entendimento sobre divisão de vozes, educação vocal e conhecimento teórico sobre a fisiologia do canto. No entanto, afirma que sentiu dificuldades ao adaptar o que foi transmitido na graduação para o ensino regular. Ela conta que

Foi uma experiência muito boa, mas acho que deveria ter mais clareza de como aplicar isso em sala de aula, pois tem muita gente que domina a técnica mas tem dificuldade de transmitir esse conhecimento e isso frustra, principalmente por se tratar de uma licenciatura (PAMELA, 2019).

Pâmela também afirma que, apesar de ter se matriculado na disciplina eletiva de Canto I, não deu continuidade para que pudesse iniciar o estudo de piano, afirmando que as duas disciplinas exigiam muito tempo de estudo e que, por isso, decidiu optar por um instrumento que ela ainda não tinha conhecimento. O mesmo aconteceu com a aluna Raísa, que possuindo

um conhecimento prévio da prática de canto, optou pelo violão, justamente para acompanhar os alunos em sala de aula. Raísa diz que

O canto pra mim teve mais relevância antes da graduação. Quando eu entrei na faculdade, eu fui estudar o canto de outra forma, por outra perspectiva, no entanto, academicamente falando, eu fazia apenas por estar na minha grade, não que não seja relevante, mas eu decidi priorizar outro instrumento (RAÍSA, 2019).

Com Cleotilde foi ao contrário. Apesar de já ter atuado como regente de coros, ela afirma ter sentido dificuldade durante as disciplinas de canto ofertadas pelo curso e como já tocava piano há muitos anos, decidiu seguir no instrumento. “Eu fiz a disciplina de Canto Coral I, foi difícil. No meu primeiro teste, tive que fazê-lo só com o diapasão, pegar as músicas... Foi muito técnico, muito puxado pra mim, por isso decidi continuar com o piano” (CLEOTILDE, 2019).

Além das disciplinas de canto, os alunos tinham acesso às disciplinas de “Regência I” à “Regência III”, onde grande parte de seu conteúdo era voltado para a regência de corais, auxiliando o licenciado a entender divisão de vozes, chefiar naipe para sua futura atuação em corais da escola básica. Ao analisar a ementa da disciplina de “Regência I” que é voltada exclusivamente para a regência vocal, pode-se observar que seu conteúdo era mais voltado ao ensino, ao desenvolvimento de atividades práticas com o canto coral, a como liderar um grupo vocal, dentre outros aspectos. A disciplina de “Regência I” trabalha

Fundamentos teóricos da regência coral. Aspectos históricos da regência. As funções do regente. Naipes, timbres e classificação vocal. A organização física do coro. Gestos de marcação de compasso. Estilos e gêneros de música coral. A regência como

ferramenta para o educador musical. Regência aplicada ao repertório coral (UFRR,

2014, p. 1, grifo meu).

As alunas Vandresa e Pâmela contam que a prática da regência auxiliou em suas atuações para transmitir conteúdos que envolviam a prática do canto, até mais do que a disciplina de “Canto Coral”. Vandresa (2019) afirma que no “Canto Coral”, aprendeu pouca coisa referente à didática, no entanto, a disciplina de “Regência I” auxiliou a mesma a lidar com uma turma grande durante o período em que a mesma atuava na escola básica. No que se refere à participação nas disciplinas de regência e canto coral, Pâmela relata,

Quando eu cheguei na regência, fez mais sentido o canto coral. Fez mais sentido a questão do ensinar. Eu não quis continuar no canto coral, não por não achar essencial para meu aprendizado, a questão didática me deixou confusa, daí quando cheguei na regência, percebi que não era só reger, mas ela nos auxiliava a chefiar naipe, dividir vozes, a organizar um coro e a guiá-lo. Apesar de não usar todas as técnicas com as crianças, foi de grande valia pra mim (PAMELA, 2019).

Com base nos relatos dos egressos do Curso de Licenciatura em Música pela UFRR, analisando o PPC e levando em consideração a grade ofertada dos anos de 2013 a 2015, pode- se observar que o ensino de canto tinha uma característica conservatorial que não atendia a realidade do estado no que se refere aos impactos na pratica pedagógica do canto. Sobre esse fato, Pereira (2013, p. 7) enfatiza que é esperado que haja “uma crescente preocupação com a figura do professor de música, pois a universidade não está tão alienada das demandas da sociedade, embora a figura do músico professor ainda seja predominante”. Em relação às disciplinas de canto ofertadas entre 2013 e 2015, Beatriz afirma que,

Contribuiu muito na questão de técnica vocal, me ajudou bastante, amadureceu minha voz e no meu âmbito profissional como cantora, agora como professora de música, o que eu pude aprender no canto foi alguns processos de como ensinar o canto, mas na educação básica eu quase não tive reflexo, uma vez que atuar na educação básica é bem diferente do que se trabalhar no canto erudito (BEATRIZ, 2019).

Não podemos negar a importância das disciplinas ofertadas pelo Curso de Licenciatura em Música da UFRR quanto ao desenvolvimento performático e vocal. Vechi (2016, p. 10) mostra que devemos “considerar a importância do preparo na graduação para as práticas pedagógicas envolvendo técnica, saúde vocal e repertório, a fim de que os futuros professores se sintam seguros e flexíveis para o cantar na escola básica”. No entanto, apesar da importância da performance, os egressos não evidenciaram reflexos tão evidentes desta prática em suas práticas pedagógicas. Na visão de Beatriz,

No curso falta, não sei se uma disciplina, ou uma forma de abordagem, mas seria muito importante a haver um espaço para se trabalhar o diálogo entre essa prática acadêmica e a sala de aula de forma real, a sala da educação básica, pois aprendemos música de maneira conservatorial mas não vamos ensinar seguindo esse modelo, então, eu acredito que para a formação do Licenciado é importante haver esse diálogo (BEATRIZ, 2019).

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