• Nenhum resultado encontrado

5 TUTELA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELA ADVOCACIA

5.2 Políticas públicas

5.2.1 Ativismo judicial

Não se desconhece que as políticas públicas não ostentam características estritamente jurídicas. Brotam, em verdade, de análises técnicas, com a necessária expertise de estudiosos do ramo (engenheiros, médicos, professores, assistentes sociais etc.). O estudo deverá ser feito de acordo com as necessidades e finalidades almejadas pela política pública a ser elaborada, possuindo a Administração Pública, de fato, verdadeira discricionariedade técnica no seu processo de elaboração226.

225NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 2. ed., São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 23. 226 Em que pese o papel conferido constitucionalmente ao Poder Executivo no processo de implementação de

políticas públicas, não se pode perder de vista o completo descaso que não raro toma conta de diversas gestões governamentais, completamente dissociadas de seu papel institucional, provocando o ativismo judicial como medida extrema a ser tomada para remediar o efeito nocivo dos desmandos antirrepublicanos. Nesse sentido: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com

Há de se perceber que a legitimidade deferida pelo sufrágio popular garante ao Poder Executivo e ao Legislativo a prerrogativa, observadas as competências constitucionais nos respectivos níveis federativos, da definição das políticas públicas a serem implementadas pela Administração, conforme venham a ser fixadas em lei ou outros atos normativos válidos no sistema constitucional brasileiro. Estes, por sua vez, quando editados, informam ao administrador o interesse público que deve ser por ele perseguido na implantação das ações sob sua atribuição227.

O ativismo judicial pode ser apontado como um dos fatores responsáveis pela proliferação de ações judiciais com as mais diversas teses contrárias ao ente público, pois, em uma verdadeira jurisprudência lotérica, tais “aventuras” judiciais têm o condão de render frutos, contribuindo para uma maior massificação das demandas. Nada obstante, esse é apenas o aspecto pernicioso de um ativismo desmedido, não se negando que o Estado seja muitas vezes considerado violador de direitos fundamentais e, desse modo, necessite de uma intervenção judicial228.

Há sempre o receio de um ativismo judicial desmedido, conferindo ao Judiciário ingerência sobre as atribuições constitucionalmente asseguradas a outros poderes:

De um lado, colocam-se como desvantagens institucionais do Poder Judiciário a sua falta de legitimidade democrática (seus integrantes não chegam ao poder por escolha popular), a ausência de responsabilidade política (seus membros não são avaliados por suas escolhas, ao final de seu mandato, porque são vitalícios), a falta de conhecimentos técnicos necessários para a efetivação dos direitos envolvidos, bem como a falta de visão do todo (acesso ao Judiciário é relativamente restrito, de modo que as informações são sempre incompletas), necessária para a eleição de prioridades e, ainda, a impossibilidade de calcular o impacto (especialmente financeiro) de suas decisões, até por conta da formação dos magistrados, que é tradicionalmente voltada para a solução do caso individual e para a avaliação do passado, apenas229.

apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 410715 AgR- Relator: Min. Celso de Mello. Segunda Turma. Julgamento: 22/11/2005. Disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=354801>. Acesso em: 12 set. 2018.

227FREITAS. Marcelo de Siqueira. A Procuradoria-Geral Federal e a defesa das políticas e do interesse públicos

a cargo da Administração indireta. Revista da AGU. Brasília, v. 7, n. 17, p. 9–24, jul./set., 2008, p. 14.

228

CASTELO BRANCO, Janaína Soares Noleto. A adoção de práticas cooperativas pela Advocacia Pública:

fundamentos e pressupostos. Disponível em: <

http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/29712/1/2018_tese_jsncbranco.pdf>, p. 66 Acesso em: 19 ago. 2018.

229

SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos e a

Em verdade, o ativismo judicial desenfreado carrega em seu bojo o déficit democrático sobre escolhas que deveriam ser políticas, carecendo, portanto, de legitimidade. Logo, “ao Poder Judiciário não caberá dar soluções prontas, mas deverá promover e construir as soluções juntamente com as partes, ou seja, juntamente com os poderes públicos e os representantes da sociedade e tornar obrigatória a efetivação da solução construída230.”

Ademais, há de se respeitar, como limites à intervenção judicial, a demonstrada reserva do possível fática (ausência de recursos financeiros) e jurídica (autorização orçamentária legalmente definida). Diz-se “demonstrada” pois, consoante afirma Sandoval Alves da Silva, o ônus da prova da insuficiência dos recursos orçamentários é do Poder Público, não podendo a alegação da teoria da reserva do possível (ou de impossibilidade de cumprimento da decisão judicial) ser formulada de forma infundada ou temerária, “cabendo ao Poder Público a comprovação efetiva da indisponibilidade total ou parcial de recursos e do não desperdício dos recursos existentes, além de respeitar os limites do mínimo existencial231”.