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3 SOLUÇÃO CONSENSUAL DE CONFLITOS

3.1 Formas de composição de conflitos

Em que pese o exercício da jurisdição pelo Poder Judiciário na composição das lides, cada vez mais cresce a importância e, consequentemente, a necessidade de soluções alternativas àquelas impostas por magistrados. Isso porque a solução do caso concreto não se

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SILVA, Irapuã Santana do Nascimento da. Existe possibilidade de acordo no novo CPC? Revista de Direito

Mackenzie, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 111-126, jan/jun 2016.

72 “(..) a sociedade precisa ter consciência de que deve buscar solucionar, por si própria, seus conflitos e, nos

casos em que tal resultado não seja obtido, existirá uma alternativa: o Poder Judiciário. Este, sim, deve ser visto como o meio alternativo de resolução de conflitos, aquele que será usado nos casos em que a sociedade falhe e os litigantes não sejam capazes de encerrar seu litígio sem a participação da máquina judiciária” CÂMARA, Alexandre Freitas. Mediação e conciliação na res. 125 do CNJ e no projeto de código de processo civil. ln: O

processo em perspectiva: jornadas brasileiras de direito processual. São Paulo: RT, 2013, p. 40.

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CÂMARA, Alexandre Freitas. Mediação e conciliação na res. 125 do CNJ e no projeto de código de processo civil. ln: o processo em perspectiva: jornadas brasileiras de direito processual. São Paulo: RT, 2013, p. 40.

limita tão somente ao entendimento prolatado por um terceiro imparcial, podendo perfeitamente ser construída pelas próprias partes, em um verdadeiro procedimento de autocomposição.

Percebe-se que a revolução do entendimento tradicional, qual seja, de utilização do Estado-juiz para composição de lides, para outro mais adequado e afinado ao diálogo e ao acordo dele decorrente, já é notado no artigo 3º do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, levando-se ainda em consideração que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

De antemão, tem-se que os métodos adequados voltados à solução consensual dos conflitos partem da premissa de que a obtenção de um acordo entre pessoas que se antagonizam (ainda que não ideal, ou seja, eivado de concessões de ambas as partes) é muito mais eficiente e desejável do que a solução neutral imposta por um magistrado. Conciliar é harmonizar, pacificar, acalmar os ânimos74, não sendo esse o propósito de uma decisão

judicial, que é o de dizer, de forma heterônoma, o direito no caso concreto, podendo desagradar até mesmo ambas as partes envolvidas no litígio, como no caso, por exemplo, de sucumbência recíproca75.

Por sua vez, a remoção do ritualismo e do formalismo exagerados, bem como do procedimentalismo estéril e da burocracia ínsita ao sistema judiciário, oferecem o ambiente de coloquialismo em que as partes chegam mais facilmente a fazer concessões e a assumir compromissos, mantida - daí um traço significativo a encorajar o manejo de soluções adequadas consensuais - a qualidade de relacionamento entre elas, pois não se pode desconsiderar o fato de se manter uma convivência saudável entre os envolvidos após a resolução da pendência que os levou a litígio76.

74 “É preciso lembrar, contudo, que, no complexo tecido social em que nos encontramos, existem

relacionamentos de diversos graus, alguns bastante tênues, decorrentes de um convívio episódico, e outros bastante intensos, em que há um convívio constante e, por vezes, cotidiano (caso dos conflitos no meio familiar, no local de trabalho ou no ambiente escolar). Assim, nem todo conflito surge no seio de um relacionamento estável”. SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos

e a mediação de conflitos coletivos. Disponível em

https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/94327/292011.pdf?sequence=1&isAllowed=y, p. 123.

Acesso em: 16 out. 2018.

75 NALINI, José Renato. É urgente construir alternativas à justiça. In: Fredie Didier Jr (Org.). Coleção Grandes

Temas do Novo CPC — Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução

adequada para conflitos. Salvador: Juspodivm, v. 9, p. 27-34, 2016, p. 28.

Sendo diferentes as premissas da solução consensual de conflitos e da decisão judicial, consequentemente, o devido processo legal e o exercício do contraditório manifestam-se de maneira peculiar naquela77.

Em outras palavras, a vontade do Estado sobrepõe-se à vontade dos interessados, haja vista o Estado-juiz ostentar soberania e autoridade, tarifando e ponderando o sofrimento, a honra, a liberdade e o patrimônio dos envolvidos no conflito, sendo uma manifestação completamente externa ao que as partes pensam do problema, e, portanto, uma invasão na esfera de autonomia que deveria caracterizar protagonistas conscientes de suas responsabilidades, diferentemente da solução autônoma buscada pela conciliação e mediação, eis que reflete a capacidade de cada qual escolher o que é melhor para si78.

Logo, o acesso à justiça não pode ser resumido a uma mera prolação de uma decisão judicial apta a transitar em julgado, proferida em juízo de heterocomposição por terceiro imparcial constitucionalmente investido de jurisdição.

Destarte, surge a necessidade de se trabalhar com um sistema “multiportas” de acesso à justiça. A expressão “multiportas” decorre de uma metáfora: seria como se houvesse, no átrio do fórum, uma série de opções; a depender do problema apresentado, as partes seriam encaminhadas para a porta da mediação, ou da conciliação, ou da arbitragem, ou da própria justiça estatal79.

A par da arbitragem (solução heterocompositiva), a adoção de soluções consensuais de conflitos, como a mediação e conciliação (soluções autocompositivas) também devem ser objeto de aprofundado estudo no escopo de serem correta e efetivamente utilizadas80.

77 Nas palavras de José Renato Nalini: “Na conciliação exerce-se outra modalidade de contraditório. Para o

processo, ele é um princípio também sofisticado, com explicações técnicas e científicas nem sempre inteligíveis pelo leigo. Já o contraditório da conciliação é procurar entender o que vai na consciência do outro. Se existe um início de agressividade reforçada pelo ressentimento, aos poucos a conversa desarma os contendores. Quando se obtém uma solução, eles se sentiram partícipes. Sua vontade prevaleceu. Não foi uma imposição. Este o aspecto ético a realçar a mais valia dos métodos suasórios em que a parte protagoniza o encaminhamento do acordo”. NALINI, 2016, pp. 28-29.

78 “Afinal, o Direito é ferramenta para resolver questões concretas, não para institucionalizá-las. A ineficiência

sistêmica do equipamento estatal tendente a um crescimento vegetativo rumo ao infinito descredencia a Justiça e a converte em refúgio predileto dos violadores da lei. É ali o ambiente em que conseguem o tempo que o mercado não concede, as instituições financeiras não permitem e os credores não podem suportar”. NALINI, 2016, p. 34.

79 CABRAL, Antonio do Passo; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Negociação Direta ou Resolução

Colaborativa de Disputas (Collaborative Law): “Mediação sem Mediador”. In: Fredie Didier Jr (Org.). Coleção

Grandes Temas do Novo CPC — Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de

solução adequada para conflitos. Salvador: Juspodivm, v. 9, p. 709-726, 2016, p. 710.

80 “Trata-se de mudança de cultura e de concepção e, por consequência, de mudança efetivamente estrutural:

necessidade de formatação do método de ensino nas faculdades de direito, formando advogados, juízes e promotores aptos à atuação perante a nova realidade; de formação de profissionais técnicos capacitados e cadastrados junto aos Tribunais; de criação de espaço físico etc.” MARCATO, Ana Cândida Menezes. A

No que diz respeito ao estímulo deferido pelo Legislador na adoção de soluções autocompositivas, Fredie Didier Júnior81 elenca as mudanças positivadas com o advento do Novo Código de Processo Civil:

O Poder Legislativo tem reiteradamente incentivado a autocomposição, com a edição de diversas leis neste sentido. O CPC ratifica e reforça essa tendência: a) dedica um capítulo inteiro para regular a mediação e a conciliação (arts. 165-175); b) estrutura o procedimento de modo a pôr a tentativa de autocomposição como ato anterior ao oferecimento da defesa pelo réu (arts. 334 e 695); c) permite a homologação judicial de acordo extrajudicial de qualquer natureza (art. 515, III; art. 725, VIII); d) permite que, no acordo judicial, seja incluída matéria estranha ao objeto litigioso do processo (art. 515, §2°); e) permite acordos processuais (sobre o processo, não sobre o objeto do litígio) atípicos (art. 190).

O sistema do direito processual civil brasileiro é, enfim, estruturado no sentido de estimular a autocomposição. Não por acaso, no rol das normas fundamentais do processo civil, estão os §§2° e 3° do art. 3° do CPC: “§ 2° O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. §3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

Além disso, ainda que não houvesse tratamento legislativo expresso, não se mostraria razoável inadmitir a resolução colaborativa de um conflito apenas por falta de expressa discriminação legal, como se o sistema de meios autocompositivos comportasse um rol taxativo. Portanto, todo e qualquer instrumento ou técnica de resolução de controvérsias que possa culminar no resultado consensual pelas partes deve ser estimulado, pois “o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”, consoante artigo 3º, §2º, do CPC82.

Uma vez definida a mudança de paradigma outrora centrada na heterocomposição da jurisdição estatal, ganhando espaço as soluções autocompositivas, cumpre agora tecer considerações a respeito dos dois principais modelos consensuais de soluções de conflitos, quais sejam, a mediação e a conciliação.

Audiência do art. 334 do Código de Processo Civil: da Afronta à Voluntariedade às Primeiras Experiências Práticas. In: Fredie Didier Jr (Org.). Coleção Grandes Temas do Novo CPC — Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: Juspodivm, v. 9, p. 129- 140, 2016, p. 133

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DIDIER JR, Fredie. Curso de processo civil. Vol. 1, 17ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 272-273.

82 “Na verdade, resolução colaborativa, como já afirmado, é uma ‘mediação sem mediador’. Ora, se o sistema

brasileiro incentiva a mediação, a ponto de haver, a partir da Resolução n° 125/2010 do CNJ, a instauração de uma política pública para estímulo, aperfeiçoamento e aparelhamento da mediação e da conciliação, é evidente que a resolução colaborativa insere-se nesse contexto, despontando como mais uma técnica adequada para a solução de disputas no Brasil”. CABRAL, Antonio do Passo; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Negociação Direta ou Resolução Colaborativa de Disputas (Collaborative Law): “Mediação sem Mediador”. In: Fredie Didier Jr (Org.). Coleção Grandes Temas do Novo CPC — Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: Juspodivm, v. 9, p. 709-726, 2016, p. 722.