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3. BASILÉIA 2 E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

3.3. Prociclicidade

3.3.1. Ativos ponderados pelo risco

O cálculo dos ativos ponderados pelo risco depende basicamente das modalidades de exposição (se corporativo, interbancário, soberano, varejo ou patrimonial) e do método de cálculo adotado. Na opção padronizada, a variável fundamental é a avaliação fornecida por ECAIs. Na alternativa IRB, para dada modalidade de crédito, a ponderação dos ativos depende dos componentes de risco (PD, LGD, EAD e M) e do fator de correlação de cada atividade com o restante da economia109 (R).

Na forma padronizada, é dado um papel relevante para as agências de classificação de risco. Parte-se do pressuposto de que estas se constituem como sinalizadores das condições de mercado para as tomadas de decisão entre os diversos agentes (Elkhoury, 2008). Como discutido

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De acordo com o expresso em Basiléia 2, o capital é composto pelos tiers 1, 2 e 3 (este último exclusivamente para a cobertura do risco de mercado), considerando outros itens além dos estritamente contábeis, como por exemplo reservas de reavaliação, provisões genéricas e dívidas subordinadas. Para efeito de simplificação e sem prejuízo da análise, pode-se considerar que os ativos e passivos bancários podem ser considerados como adicionados destes componentes. Ou seja, ativos líquidos de quaisquer provisões e adicionados de eventuais reavaliações, passivos descontados de dívidas subordinadas elegíveis a capital, e assim por diante.

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Conforme apresentado no capítulo 2, no IRB, para cada modalidade de crédito, é atribuído um único fator de correlação para as exposições, que é entendido como a correlação do ativo com a economia. Não são incorporadas outras formas de correlação dentro da mesma modalidade ou entre modalidades, com exceção das pequenas e médias empresas, que possuem tratamento preferencial, pelo entendimento de que estas dependem mais de características intrínsecas a cada operação que de fatores sistêmicos. Não há, desta forma, tratamentos específicos com relação a setores econômicos ou regiões geográficas nas quais se localizam os devedores.

por Amato e Furfine (2002) e Claessens e Embrecths (2003), uma justificativa para sua utilização como critério de determinação de riscos é o fato de que estas produzem avaliações baseadas num horizonte cíclico maior que, por exemplo, a forma como os bancos determinam o nível de provisões, estando menos sujeitas a variações pontuais abruptas. Enquanto as primeiras se caracterizariam por avaliar aspectos estruturais, numa visão through-the-cycle, os últimos utilizariam um critério point-in-time110.

A análise empírica sobre o comportamento das notas fornecidas por estas empresas ao longo do tempo evidencia que em geral, estas tendem a variar menos que as avaliações bancárias, embora quando isto aconteça seja de maneira procíclica111 (Amato e Furfine, 2002). Adicionalmente, os downgrades tendem a ser mais drásticos que os upgrades, por meio de reações exageradas e atrasadas (Amato e Furfine, 2001; Claessens e Embrecths, 2003; Elkhoury, 2008). Elkhoury (2008), por exemplo, aborda como este tipo de reação contribuiu para acentuar a retração dos principais países afetados pela crise asiática, fato também mencionado por Cornford (2008).

Este tipo de comportamento contribui para questionamentos sobre até que ponto estas avaliações são influenciadas pelo estado de opinião corrente, quando a lógica causal deveria ser inversa. Se isto ocorrer, estas avaliações acentuam a prociclicidade dos ciclos econômicos, numa dinâmica reflexiva, ao mesmo tempo influenciando os participantes do mercado e respondendo a suas mudanças de humor (ainda que de forma atrasada) (Elkhoury, 2008; Claessens e Embrechts, 2003).

A acurácia de suas avaliações também é ponto de controvérsia. Neste sentido, são fartos os exemplos sobre falhas de previsão. Guttmann (2006) ilustra a incapacidade destas instituições em antecipar os problemas que resultaram na falência da Enron, em 2001. Mais recentemente, este fato esteve presente também na crise no mercado de hipotecas subprime dos

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As avaliações point-in-time correspondem à utilização de informações correntes como base para a realização de estimativas ou tomada de decisões. Na análise de crédito, este tipo de perspectiva está sujeita a variações cíclicas, conforme a situação financeira dos tomadores se altere nos diferentes contextos econômicos. Já a abordagem through-the-cycle tende a focar em como os devedores se comportam em várias etapas diferentes do ciclo, e se importa mais com variáveis estruturais que conjunturais. Enquanto a primeira forma possui a vantagem de ser mais acurada em cada momento, a segunda apresenta maior resilência a mudanças cíclicas.

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EUA, quando não se detectou a deterioração da qualidade das classificações de risco dos instrumentos securitizados112 (Stiglitz, 2008; Loyola, 2008).

Elkhoury (2008) ressalta a possibilidade de haver conflitos de interesse relacionados ao papel destas agências. O autor aborda a divergência entre as avaliações solicitadas, contratadas pelos tomadores avaliados, e as avaliações não solicitadas, cujas avaliações tendem a ser mais onerosas, o que pode resultar em pressões sobre os agentes para a contratação de seus serviços113. Adicionalmente, o autor discute a possibilidade de perda de independência que ocorre quando estas empresas ao mesmo tempo emitem opiniões e prestam serviços de assessoria para tomadores114. A falta de um mecanismo de regulação sobre seus serviços reforça o potencial de geração de conflitos. Adicionalmente, é de se ressaltar a forte concentração de mercado entre as agências115.

Considerando que os PEDs apresentam uma volatilidade macroeconômica mais acentuada, downgrades das avaliações de riscos destes países em situações de maior instabilidade (no que há a tendência de que bancos e empresas acompanhem o rating dos governos) podem ter efeito sobre-dimensionado, com o conseqüente aumento da ponderação de riscos de exposições com devedores locais.

Com relação ao método IRB, o principal componente de riscos sujeito a variações é PD. Isto é verdade, sobretudo no FIRB, cujas estimativas de EAD e de LGD são definidas pelas autoridades regulatórias116. A estimativa de PD se baseia na média de longo prazo de seu valor

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No caso em questão, foram utilizados mecanismos de estruturação de operações e o uso de derivativos como forma de aperfeiçoar as classificações de crédito de carteiras imobiliárias, contribuindo para a transformação de ativos de baixa qualidade em “triple-A” (Stiglitz, 2008; Cintra e Cagnin, 2007).

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Conforme abordado por Elkhoury (2008), o argumento das ECAIs para este fato é que, em tese, estas possuiriam maior acesso a informações de empresas clientes, tendo de recorrer a informações públicas das demais, fator que prejudicaria as avaliações.

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Conforme discutido por Loyola (2008), estes problemas estiveram presentes na ocasião da falência da Enron, embora tenha sido dado maior destaque na ocasião para os conflitos relacionados às empresas de auditoria. E novamente, estas características foram objeto de discussões com a crise do mercado de hipotecas subprime nos EUA, em que parte das receitas das agências de rating passou a ser associada com serviços de “assessoria” na estruturação de operações securitizadas. (Portes, 2008).

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De acordo com Elkhoury (2008), as duas maiores empresas (Standard & Poor’s e Moody’s) concentram 80% do mercado americano.

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Podem ser observados, contudo, aspectos nos componentes LGD e EAD que se alteram durante os ciclos. Conforme comentado por Segoviano e Lowe (2002), informações empíricas dão conta de que nos contextos de recessão há menores índices de recuperação de perdas que nas ocasiões de crescimento econômico. Entretanto, como o documento de Basiléia 2 recomenda que estes componentes vislumbrem situações de reversões cíclicas para suas estimativas, há uma atenuação de suas variações potenciais.

para um ano. Seu valor depende do histórico passado e das condições correntes de inadimplência. Em um cenário de crescimento econômico, diante de expectativas otimistas, há a tendência que seu valor se reduza conforme a evolução do ciclo. Em situações de retração econômica, é esperado o aumento de sua estimativa117, refletindo na maior ponderação de risco das exposições118.

Reforçando este argumento, Goodhart e Segoviano (2004) e Segoviano e Lowe (2002)119 realizaram simulações para diferentes períodos e países. A conclusão de ambos os trabalhos sinalizou que o capital regulatório tende a oscilar de forma procíclica e acentuada no método IRB.