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Ato de mística da festa de entrega dos lotes Foto capturada pela autora, ano 2006.

No ato de entrega dos lotes para as famílias, os relatos que ouvimos no processo de entrevista, apontam para um ponto alto configurado no momento da mística, a qual envolveu muitas pessoas, especialmente as crianças, revivendo as histórias do período de acampamento, as lutas e as esperanças na nova terra conquistada. Para o MST, o assentamento parece ter

sido uma construção histórica, disputada cotidianamente com os valores da contracultura capitalista, na qual a vida e a política estão no mesmo lado da moeda. Neste contexto, “o assentamento é um território que permite ampla resistência das famílias contra a exploração do capital, pois apresenta espaço para a ação política organizada nas diferentes esferas da vida humana” (MST, 2008, p. 115).

Outro acontecimento daquele período, e que se fez presente nos relatos das entrevistas, indicando que está arquivado em suas memórias, foi o processo, desencadeado pela Polícia Federal, de investigação de compra e venda considerado irregular para lotes da reforma agrária, inicialmente no município de Itaquiraí, na chamada “Operação Tellus”. Foi uma investigação iniciada naquele município, no Assentamento Santa Rosa, no sul do Estado, e após isso, envolveu todo o estado de MS, atingindo também o Complexo Santa Mônica. O jornal Correio do Estado17, na ocasião, denunciou que a suspeita era de que o valor de comercialização da terra nua, na época da desapropriação, valia cerca de 40 milhões, mas a mesma havia sido adquirida pelo Incra, por R$ 72.723.795,87. Essa situação também apareceu em outros assentamentos da reforma agrária, como no caso da Fazenda Eldorado,18 em Sidrolândia. Isso fez com que no período, vários funcionários do Incra fossem afastados, bem como um dos superintendentes chegou a ser preso, mas o fato é que nesse processo todo, os assentados foram os mais prejudicados, pois ficaram paralisados durante anos os benefícios sociais, como créditos para habitação e produção.

Atualmente o Assentamento Émerson Rodrigues, a exemplo da lógica do acampamento, organiza-se por comunidades, sendo divididas coletivamente por três, que seguem no seguinte formato: Comunidade 1, com o nome de Jacob Franciosi, composta por 64 famílias; Comunidade 2, com o nome de Eldorado dos Carajás, composta por 49 famílias; Comunidade 3, com o nome de Francisco Rosa, composta por 53 famílias. Cada comunidade possui cerca de um hectare destinado à área social, reservado para futuras obras de

17 Jornal Correio do Estado, do dia 31 de agosto de 2010. Matéria: “PF prende 20 suspeitos com envolvimento com fraude em reforma agrária”.

18 Folha de São Paulo, matéria de 29/4/2005: “Incra compra terras produtivas em MS. Em vez de buscar áreas improdutivas, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) virou o principal comprador de fazendas produtivas em Mato Grosso do Sul. O órgão ainda reduziu o tamanho dos lotes de 23 para 12 hectares por família e incentivou o aluguel de pastos nos assentamentos recém-criados. Desde maio de 2004, o Incra-MS gastou R$ 273,4 milhões na compra de quatro fazendas. Neste ano, aprovou em audiências públicas a aquisição de outras três por R$ 95,6 milhões e negocia ao menos duas áreas que devem custar R$ 190 milhões. ‘Eu acho que a reforma agrária no país está errada’, afirma o superintendente do Incra no Estado, Luiz Carlos Bonelli, que defende como novo modelo a compra de fazendas e a produção coletiva (feita em sociedade pelas famílias) nos assentamentos”. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2904200523.htm>.

infraestrutura coletiva como área de lazer, agroindústria, escolas, salão comunitário, ou outro, de acordo com os interesses das comunidades. Nelas, existe cerca de cinco hectares destinados à área social coletiva do assentamento, interligando com a área de reserva, atualmente sem utilização. Esta organização ocorre para encaminhamento das ações diversas no cotidiano, mas em relação à área que cada unidade familiar ou lote ocupa, essa é, em média, de sete hectares, além de dois hectares para cada família, acrescida à área de reserva permanente, formando uma reserva particular, porém, coletiva.

Quanto aos fomentos acessados pelas famílias, no início do ano de 2007, elas acessaram o chamado “crédito de apoio inicial”, do Incra, no valor de R$ 2.400,00, que foi utilizado para compra de alimentação e instalação da rede de água. Com parte deste crédito, cerca de R$ 1.200,00 por família, foi perfurado um poço artesiano (média de 90 metros) em cada comunidade, e a água canalizada e distribuída nas residências, tendo cada família o direito de utilizar até dois mil litros de água por dia. Atualmente as comunidades enfrentam problemas alternados em relação ao fornecimento de água como: peças que precisam ser compradas para reposição das bombas, pagamento da energia que atrasa, descontrole no uso de água chegando acima do permitido por família. Nas entrevistas apareceram depoimentos de descontentamentos com a forma de contratação da empresa responsável pela perfuração dos poços artesianos nas comunidades, evidenciando projetos que nem sempre representam os desejos de todos os envolvidos.

Outro fomento acessado pelas famílias na fase inicial foi o chamado “crédito fomento”, também no valor de R$ 2.400,00, utilizado para compra de calcário, sementes e mudas frutíferas e produtos da cesta básica.

1.3 Estratégias de organização coletiva no assentamento

Em 2008, por iniciativa de pequeno grupo de assentados, junto com o Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST/MS, organizaram-se algumas atividades como dias de campo e cursos de formação, com a participação dos estudantes do MST que estavam vinculados ao Curso de Agronomia, um curso fomentado pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e pela Universidade Estadual de Mato Grosso

(Unemat)19, instalada no município de Cáceres/MT. Houve discussões sobre modos de organização da produção, sobre o sistema agroecológico para produção agrícola e produção animal, associativismo e cooperativismo. Naquele período, começaram as discussões em torno da necessidade da criação de uma associação composta por pessoas das três comunidades e assim o debate continuou, e após dois anos, teve como resultado a criação da associação, não por representação oficial das três comunidades do Assentamento Émerson Rodrigues, mas por adesão ao grupo interessado na produção e comercialização de forma coletiva. Os depoimentos trazem relatos de um período de tensão entre a orientação do Setor de Produção Cooperação e o setor Meio Ambiente do MST, em nível estadual, associado à direção da área do assentamento, com relação ao encaminhamento sobre o tema da associação. Segundo os assentados, quando se chega aos lotes, um dos maiores desafios é ter conhecimento e orientação para saber os passos na direção da produção de alimentos. Esse desafio é amenizado superando as formas individuais e organizando-se em coletividades por interesses de produção. Um dos problemas encontrados na forma coletiva é que uma parte dos dirigentes não consegue compreender e encaminhar o debate em que se respeite a autonomia dos assentados na organização da produção de alimentos, diálogo que pode fortalecer o próprio movimento social, no caso, o MST. Alguns entendem esta questão e a tratam como se fosse uma articulação paralela e não dentro das instâncias da própria orientação do movimento social. Nesse assentamento, ocorreram conflitos desta natureza.

Um marco na trajetória da organização do assentamento, evidenciado nas entrevistas, ocorreu no ano de 2008, quando um clima hostil envolveu parte do grupo da coordenação do assentamento, contra o superintendente do Incra, à época, motivado pelo método utilizado pelo instituto para instalação da infraestrutura, especialmente em relação aos poços artesianos, o que resultou numa divisão no grupo do MST. Como resultado disso, foi formada outra associação, chamada Associação dos Produtores Rurais da Santa Mônica (Aprasmo), agregando 26 famílias que se desvincularam do MST e cerca de 40 vinculados à Fetagri, com a promessa, por parte de agentes externos, de que cada família teria apoio financeiro para construção de um tanque de piscicultura e construção de galinheiro para criação de frango semicaipira com abatedouro na região. Essa fala, repetida por todos da associação, foi perdendo forças com o passar dos tempos, haja vista que o prometido não aconteceu e cerca de dois anos depois houve, dentro deste grupo, um rompimento com a pessoa que dirigia esse

processo junto à associação. Com isso, a associação continuou por mais um tempo tentando se organizar, mas acabou se fragmentando.

O MST, como movimento social, já tinha sua associação oficial, a Aesca, criada nos anos de 1990 com objetivo de prestar assessoria técnica, organizar os processos de associativismo e cooperativismo dentro dos assentamentos do MST, no Estado de MS. Desta forma, os assentamentos vinculados a este movimento social, contam com a sua associação estadual para alguns tipos de assessoria e acompanhamento. Em 2009, a Associação Estadual de Cooperação Agrícola (AESCA)20 coordenou a elaboração do Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), uma etapa prevista nos assentamento de reforma agrária, que é um documento que teve como objetivo fazer um diagnóstico geral do assentamento, levantando vários aspectos como: contexto socioeconômico e ambiental (flora, fauna, aspectos geológicos, topográficos, cobertura vegetal), aspectos sociais (educação, saúde, cultura e lazer) e possibilidades de viabilidade de geração de trabalho e renda. Estes serviços são geralmente demandados pelo Incra que acompanha as ações, como por exemplo, no final, quando o plano é entregue com indicativos de ações de desenvolvimento do assentamento e que sirvam para orientar assistência técnica.

Em nossas pesquisas encontramos documentos do ano de 2009 que registram as primeiras discussões sobre a possibilidade de criação de uma associação, os quais tratavam da criação da Assol, intentando viabilizar meios para fortalecer o grupo pela via do coletivo:

[...] ‘a gente se sente sozinho’; ‘precisa disso, mas bem organizado’; ’e não se organizar, não vamos sair do lugar’; ‘nós que saímos daqui pra cidade, somos humilhados mesmo. Oferecem valor vergonhoso pelos nossos produtos porque não temos onde vender’; ‘se nós tivéssemos organizados, estaríamos em outro estágio’; ‘a cooperação é o caminho certo. Se desprende do individualismo’; ‘a parte da comercialização é a parte mais complicada. A cooperação nos empurra para planejar a produção. É difícil dominar a produção. Precisamos dominar a porteira para fora’; ‘a terra aqui é muito boa. O grande gargalo é o atravessador’; ‘outro aspecto é que pra gente vender tem que ficar o tempo todo na rua’; ‘a saída é coletiva. A comercialização e a compra tem que ser coletiva’; ‘o problema só vai ser resolvido por nós mesmos’ (Cadernos de registro das reuniões que antecederam a criação da Assol, ano 2010).

A Associação de Produtores em Economia Solidária do Assentamento Santa Mônica (Assol), foi criada em assembleia com 39 sócios e sócias, no dia 5 de fevereiro de 2011,

conforme foto a seguir, no lote 76, reunião na casa do assentado Francisco, da Comunidade Eldorado dos Carajás. A Associação foi identificada dessa forma, no artigo quarto da ata de criação:

[...] a associação terá como objetivos aglutinar trabalhadores, camponeses, agricultores familiares, assentados, para promover o desenvolvimento econômico e solidário, social e cultural da comunidade em geral, estimulando o desenvolvimento de tecnologias alternativas, estimulando a preservação e educação ambiental, apoiando as diversas formas de cooperação agrícola, incentivando a agroecologia, promovendo processos de educação popular (Ata de fundação da Assol).

Foto 12: Reunião das famílias para estudo sobre cultivo de bananas e organização da Assol. Foto