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1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

2.2 Os direitos da personalidade

2.2.3 Atributos dos direitos de personalidade

Os direitos da personalidade apresentam os seguintes traços caracterísicos que os diferenciam dos demais direitos patrimoniais, deixando em evidência seu caráter pessoal. Nesta via, é comum menção às seguintes características: a) grau absoluto; b) generalidade; c) extrapatrimonialidade; d) indisponibilidade; e) imprescritibilidade; f) impenhorabilidade; g) vitaliciedade.

Diz-se que os direitos de personalidade são absolutos pelo fato de serem oponíveis

erga omens, deitando seus efeitos para todos os campos de relações jurídicas, inclusive, com o

dever geral de respeito aos seus ditames, no que vincula toda a coletividade.340 Cuida-se de uma relação que se estabelece entre os direitos de personalidade e a generalidade das pessoas341 de forma que todos apresentam-se vinculados por eles.

Trata-se, como se vê, de uma modalidade de direito que é exigível contra quaisquer pessoas, eis que provocam uma obrigação de caráter universal e abstencionista no sentido de respeito aos direitos de outrem.342

Já o traço da generalidade implica que os direitos de personalidade sejam outorgados a todas as pessoas indistintamente343, inclusive as pessoas jurídicas, consoante a precisa dicção do art. 52 do Código Civil Brasileiro ao prescrever que é aplicável às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção que o código assegura aos direitos de personalidade.

Pela combinação do traço absoluto com a generalidade vislumbra-se a dúplice relação de vinculação estabelecida pelos direitos de personalidade. Trata-se de uma relação de ida e volta. É que os direitos de personalidade vinculam a generalidade na mesma medida em que, também, são conferidos à mesma generalidade344, estabelecendo uma vinculação vice-e-versa. Explica-se. Ao mesmo tempo em que uma pessoa é titular dos direitos da personalidade e tem, em seu favor, o dever dos demais de respeitar tais direitos, também se

340 GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 145 341 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. p. 30

342 CAPELO DE SOUSA, Rabindranath V. A. Op. cit, p. 401

343 GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 146 344 CUPIS, Adriano de. Op. cit, p. 30

coloca na condição de obrigada a respeitar os direitos de personalidades que detém as outras pessoas.

Por sua vez, a característica da extrapatrimonialidade leva ao entendimento pela inexistência de caráter monetário nos direitos de personalidade.345 É que tais direitos situam- se no chamado âmbito pessoal do sujeito, ligando-se ao ser e não ao ter346, o que afasta as questões de posse e, portanto, de patrimonialidade.

Entretanto, isto em nada impede que tais direitos acarretem repercussão econômica. É o que ocorre com o dano moral pela violação da honra. A honra é direito de personalidade e é impossível sua apreciação econômica. Quando ocorre, portanto, a fixação de uma indenização por dano moral, isto se dá pelo fato de que o julgador infere que houve um dano na honra que equivale a um determinado valor em reais.

O dano é apreciado, a honra não. Trata-se de uma equivalência indireta entre o dano, o direito à indenização e o direito de personalidade lesado.347 Tanto que se fala em reparação e não em ressarcimento, que é vocabulário típico para danos materiais em que se pretende a reposição plena ao status quo ante.

Assim é possível dizer que o objeto dos direitos de personalidade cinge-se a um modo de ser físico ou moral que não traz consigo qualquer utilidade imediata de ordem econômica.348

No mesmo diapasão, a indisponibilidade é traço dos direitos da personalidade que implica tanto a intransmissibilidade quanto a irrenunciabilidade desses direitos.349

A instransmissibilidade implica impossibilidade de que tais direitos sejam passados hereditariamente ou mesmo por ato de transmissão entre vivos. Por evidente é impossível ceder parte da honra de uma pessoa para a outra. Ou mesmo os filhos “herdarem” a honra do pai.

Tal intransmissibilidade justifica-se pelo objeto diferenciado dos direitos de personalidade, o qual recai sobre os bens mais preciosos da pessoa, os quais, por isso mesmo, ligam-se ao ser humano de forma orgânica350, impedindo, neste sentido, seu destaque para transmissibilidade a outrem.351

345 GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 146 346 CAPELO DE SOUSA, Rabindranath V. A. Op. cit, p. 415

347 CUPIS, Adriano de. Op. cit, p. 30 348 Ibid, p. 29

349 GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 146 350 CUPIS, Adriano de. Op. cit, p. 48

Nem mesmo o ordenamento jurídico tem força suficiente para gerar o rompimento de um vínculo tal, de natureza orgânica, tão forte entre o titular do direito e os bens sobre o qual recai tal proteção.352 E isso, justamente, em virtude de se tratar dos bens mais elevados da pessoa.

A irrenunciabilidade justifica-se pela impossibilidade de abandono do direito, de modo que, mesmo por vontade própria, a pessoa não tem poderes para abrir mão dos direitos de personalidade.353

Trata-se da idéia de que o titular dos direitos de personalidade não seja detentor de poderes suficientes para despojar-se de tais direitos.354 A ninguém é dado, portanto, dispor da própria vida, da própria honra e daí por diante.

Atente-se, entretanto, para o fato de que irrenunciabilidade não se confunde com consentimento do titular para lesão de um determinado direito. Consentir com a lesão significa permitir que uma ou mais pessoas produzam a lesão a um determinado direito sem que isso acarrete a extinção do direito lesado.355

Assim, quando uma pessoa opta por não demandar em defesa de um determinado direito de personalidade não se está renunciando a ele, mas consentindo com sua lesão, o que, de per si, não se confunde e, muito menos, leva à idéia de renúncia de direito de personalidade.

O dano continua existindo muito embora o titular do bem lesado opte pela sua não indenização. Nestes termos, embora ocorra sem punição, não é admissível contratos de prestação de trabalho que exponham a pessoa ao ridículo, negócios jurídicos que violem a honra da pessoa, de forma contínua ou não, bem como qualquer tipo de relação jurídica constituída e que venha a lesar qualquer direito de personalidade.356

Muito embora estas situações ocorram no mundo físico, isto em nada infirma a teoria dos direitos da personalidade. E, muito menos, afasta a efetiva existência da lesão. No máximo, a conduta do lesado em admitir, permitir e não buscar repreensão dos atos lesivos contribui para que continuem ocorrendo. Mas, em qualquer hipótese, tal conduta do lesado, de não se defender, jamais gera extinção do dano ou renunciabilidade do direito lesado.

352 CUPIS, Adriano de. Op. cit, p. 48

353 GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 147 354 CUPIS, Adriano de. Op. cit, p. 51

355 Ibid, p. 53

Nessa direção posiciona-se Capelo de Souza ao dizer que a ilicitude não resta excluída quando haja lesão a bens da personalidade, sobretudo quando se tratar de lesões graves, com elevada extensão do dano e tempo de duração.357

Por sua vez, a característica da imprescritibilidade acarreta o entendimento de que não há prazo para o exercício dos direitos de personalidade358, ou seja, não se trata de direitos que podem extinguir-se pelo seu não uso.359 Neste sentido, volvendo ao exemplo do dano moral, é possível dizer que a defesa da honra com pedido de retração pública é imprescritível.

Já a indenização, que é a repercurssão econômica da lesão à honra, é plenamente prescritível, tanto que o Código Civil em seu art. 206, § 3°, V, elencou o prazo de 3 anos para o exercício deste direito material.

A característica da impenhorabilidade representa o reforço das características da indisponibilidade e da extrapatrimonialidade. Significa que um direito de personalidade não pode ser expropriado da pessoa para satisfação de obrigações devidas a outras pessoas.360 Por evidente, que embora a honra esteja incluída nesta impenhorabilidade, é possível a penhora de direito creditório à indenização por dano moral, haja vista sua natureza econômica de direito material.

Por fim, a característica da vitalicidade implica em dizer que os direitos de personalidade perduram por toda a vida da pessoa, desde o nascimento até a morte, havendo, entretanto, direitos de personalidade que se projetam para além da morte como no caso do direito à honra de pessoas falecidas.361