• Nenhum resultado encontrado

1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

3.1 Os poderes do empregador

3.1.2 Fundamento do poder empregatício

Questão bastante intrincada é a de se saber qual o fundamento do poder empregatício. O que o justifica. Nesse sentido, após compulsar, epistemologicamente, um determinado número de obras doutrinárias pode-se dizer que discussão acerca do fundamento do poder

439 Dicionário informal.

440 BARROS, Alice Monteiro. Op. cit, p. 582

441 HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio. Op. cit, p. 62 442 Op. cit, p. 597

443 Direito disciplinar do trabalho. p. 48

empregatício gira, atualmente, em torno de seis correntes teóricas. São elas: a) corrente da livre iniciativa econômica; b) corrente privatística; c) corrente institucionalista; d) corrente do interesse; e) corrente da delegação do poder público; f) corrente contratual.

Para a corrente da livre iniciativa, o poder do empregador estaria fundamentado na livre iniciativa, eis que ao arregimentar os fatores da produção, o empresário teria legitimidade para organizá-los, bem como exercer os poderes daí resultantes para o escorreito desenvolvimento de uma atividade econômica.445

Tratar-se-ia, portanto, de um poder prévio ao contrato de trabalho e que se estabelece como conseqüência do livre exercício de atividade econômica, de modo que sua incidência se dá em qualquer atividade tida como econômica, ainda que exercida por não empresários.446

A problemática de tal corrente teórica reside justamente na justificação do poder com base na livre iniciativa econômica. É que ao fazê-lo, afasta-se a fundamentação do poder nas relações de emprego em que não haja efetivo exercício de atividade econômica. Basta se cogitar das relações empregatícias domésticas. Ali não há atividade econômica do empregador a justificar o poder empregatício. Sendo assim, deixa de existir o poder empregatício em tais relações de emprego? Por evidente que não.

Ademais, tal corrente teórica defende um poder de organização ligado diretamente à liberdade de iniciativa econômica e um poder diretivo nascido com o contrato de trabalho e ligado a ele imediatamente e mediatamente à atividade econômica livre.447

Nestes termos, parte, ainda, de uma distinção não corrente e, para além desta constatação, apenas problematiza a questão do fundamento do poder empregatício para, ao fim, retomar o fundamento no contrato de trabalho.

Pela corrente privatística o poder empresarial estaria fundamentado na propriedade privada dos meios de produção, eis que a propriedade, nestes casos, está destinada ao atendimento de sua função social448: a produção. Eis o motivo que justificaria o poder empregatício: a necessidade de proteção de uma propriedade que está cumprindo sua função social.

Nestes termos, o empregador deteria o poder de dirigir a prestação pessoal de serviços, regulamentar a atividade dos empregados, fiscalizar a produtividade e a integridade do

445 BARACAT, Eduardo Miléo. Poder de direção do empregador: fundamentos, natureza jurídica e

manifestações. p. 30

446 Ibid, p. 30 447 Ibid, p. 30

patrimônio empresarial, bem como disciplinar empregados faltosos, tudo baseado no fato de ser o titular da propriedade: o dono dos meios de produção.449

No entanto, é preciso estar atento para o fato de que tal corrente teórica não leva em consideração os casos em que o detentor do empreendimento não seja titular de direito de propriedade, como nos casos em que a sede do estabelecimento seja alugada.450

Também demonstra a insuficiência da tese a figura do empregado ocupante de cargo de confiança (art. 62 da CLT), o qual atua com elevados poderes de mando e em posição de chefia. Trata-se de pessoa não proprietária dos meios de produção e que atua com poderes de empregador.

Outrossim, como se justificar que o direito de propriedade seja fundamento do poder empregatício para os casos em que a empregada doméstica trabalha para empregador doméstico que reside em imóvel locado? Qual seria a propriedade a fundamentar o poder do empregador sobre o empregado? Não haveria. Isto leva a crer que, em que pese opiniões divergentes, a propriedade não é fundamento do poder empregatício. Afastado, portanto, o fundamento do poder empregatício com base na propriedade privada.451

Pela corrente institucionalista toda a atividade produtiva deve estar orientada ao bem- estar da empresa, ao seu interesse social452, razão pela qual o fundamento do poder residiria, justamente, no direito do empregador de exercer autoridade e governo para atendimento do interesse da instituição.453

Tal teoria entende o empregado como parte integrante do aglomerado empresarial, vendo-o, apenas, como uma pequena parte de toda a instituição empresarial. Nesse sentido, parte do suposto de que para a sobrevivência da instituição os seres menores devem ceder espaço. Só o que importa é a instituição empresária. O poder empregatício estaria fundado, portanto, na necessidade de se garantir os interesses da instituição.

Entretanto, essa vertente “nega o caráter dialético do poder nessa relação, reduzindo-o a um instrumento de direção e manipulação uniformes”.454 Por outro lado, se o poder empregatício estivesse fundado em torno da instituição empresarial, como se justificaria o exercício do mesmo poder nas relações de trabalho doméstico em que os empregados são contratados para trabalhar em âmbito familiar e em benefício da família? Como justificar o exercício do poder com relação a eles, já que ausente a noção de empresa? Mais ainda, como

449 HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio. Op. cit, p. 69 450 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit, p. 607 451 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit, p. 225 452 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit, p. 607 453 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit, p. 225 454 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit, p. 608

justificá-lo, também, nos casos de empregados de associações e fundações, cujo objeto, por expressa vedação legal dos arts. 53 e 62 do CCB não pode ser empresarial?

Por sua vez, a corrente teórica do interesse, capitaneada por Amauri Mascaro do Nascimento, parte da idealização de que o poder se justificaria na necessidade de garantir os interesses do empregador em controlar, organizar e disciplinar o trabalho das pessoas que remunera.455

A teoria, entretanto, descamba num certo subjetivismo acerca de definição do que poderia ser considerado como “interesses do empregador”, além de deslocar a discussão do plano tradicional direitos x obrigações e poderes x deveres para o plano dos interesses, quando, em verdade, sabe-se que o Direito não consegue tutelar toda ordem de interesses das pessoas.

Restaria complicado definir quais interesses do empregador poderiam realmente ser defendidos e garantidos pelo exercício do poder empregatício, eis que, não é qualquer interesse empresarial que deve prevalecer sobre os interesses obreiros. A discussão adicional sobre os interesses considerados legítimos para fundamentar o poder empregatício retira toda a cientificidade de tal posição teórica.

Outra teoria que buscou dar fundamento ao poder empregatício foi a da delegação de poder público. Segundo esta tese “[...] o poder disciplinar teria título e fundamentação jurídicos em uma delegação do poder público”.456 Todavia, a concepção falha pelo unilateralismo. É que continua, como suas antecessoras, não dando espaço “[...] à emergência e afirmação da vontade obreira no interior da relação de poder empregatícia”.457

Ademais, se é uma delegação de poder estatal que fundamenta o poder empregatício, por quanto tempo teria sido conferida? Indefinidamente? Seria possível alguma transferência, indefinida, de exercício de poder público a particular?

Aquele que intenta se tornar empregador deveria, então, protocolizar requerimento junto ao Estado, objetivando dita delegação? A tese, além de pecar pela unilateralidade não justifica o poder do empregador.

A teoria que prevalece é a do contrato. Para ela o fundamento do poder do empregador é a relação contratual de emprego, através da qual o empregado se submete espontaneamente ao empregador acatando seus comandos.458 É que “[...] o pacto de vontades que dá origem à

455 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit, p. 225 456 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit, p. 608 457 Ibid, p. 608

relação de emprego, importa em um conjunto complexo de direitos e deveres integrantes de ambas as partes, em que se integra o poder empresarial interno”.459

Esse pacto de vontades (contrato de trabalho) apresenta traço singular que o distingue dos contratos de direito civil, eis que é comum, na relação de emprego, a presença marcante, dentre outros mecanismos, da negociação coletiva, trazendo, com isso, participação da vontade coletiva obreira, o que torna democrático o exercício do poder em tal relação de trabalho.460