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3 O PRODUTOR, O MERCADO E O CONSUMIDOR

3.3 Atuação dos críticos

A crítica literária foi, durante muito tempo, principalmente nos séculos XVIII e XIX, vista como aliada dos poderes políticos, econômicos e, por conseguinte, sociais, pois fazia a apreciação dos textos literários a partir de tais óticas.

Com a ascensão da burguesia, no século XVIII, a literatura adquiriu o papel de orientadora, ajudando a consolidar a sociedade que se formava através de normas políticas, religiosas e de comportamento moral, expressas nas obras literárias que favoreciam o movimento de emancipação do Estado absolutista, instigando os poucos leitores, à aquisição do amor- próprio e da liberdade. Para tanto, eram utilizados os periódicos, que foram elementos fundamentais para influenciar a sociedade, favorecendo a formação da opinião pública.

Estando a literatura voltada para a consolidação de uma sociedade, a crítica não podia agir diferentemente. Acompanhando o caminho das obras literárias, tornou-se não uma crítica literária, mas cultural, uma vez que estava diretamente ligada à reflexão moral, cultural e religiosa. Nesse contexto, o crítico adquiriu, a partir de um pacto social com seus leitores, a função de porta-voz que vigia as relações sociais, guardião e instrutor do

gosto público, um informante que possibilita ao público estabelecer uma uniformidade imaginária mais profunda consigo e, portanto, com a sociedade. Tornando-se aliada do texto social esquece, porém, dos métodos especializados que a crítica deveria utilizar para interpretar as obras literárias.

De todo o modo, essa preocupação com a consolidação social constitui na verdade uma função política e, de certa forma, econômica, pois o crítico já não mais escrevia pela literatura e pelo intelecto, mas pelo dinheiro. A força mercantil determinava o destino dos produtos literários e tanto o escritor quanto o crítico eram escravos do sistema capitalista, se eles não seguissem produzindo de acordo com as exigências do mercado, não sobreviveriam.

Através dos jornais, os escritores e os críticos mantinham o contato com toda a espécie de público leitor, instruindo-o e explicando as complexidades da transformação econômica, social e religiosa, assim ajudando-o a refletir. O leitor passava a ser moldado através do dogmatismo intelectual do crítico.

Conforme Carlos Baumgarten, o século XIX era de luta pela independência política, social, cultural149. Dessa forma, os críticos que

estavam iniciando a circulação de ensaios no Rio Grande do Sul queriam eleger a originalidade como condição indispensável para consolidação de uma expressão literária nacional e autônoma. Partindo dessa idéia, estabeleceram objetivos para a atividade crítica. São eles: adaptação da literatura à natureza brasileira, afastamento dos modelos literários europeus, tematização dos aspectos referentes à realidade sociopolítica brasileira e a produção de uma literatura que fosse expressão do clima e dos costumes brasileiros.

Paula Pires publicou um ensaio no qual trata da permanência do debate em torno da nacionalidade da literatura brasileira e sua autonomia em relação à portuguesa, atestando que o fato de nossa cultura estar

149 BAUMGARTEN, Carlos A. A crítica literária no Rio Grande do Sul - do Romantismo ao Modernismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.p.73.

pautada nas bases lingüísticas de Portugal não configura uma prova eficaz de que a nossa literatura não possa ser considerada autóctone. Para comprovar a nossa originalidade ele afirma:

Quem, como nós, possui o Guarani, As Minas de Prata, Alfarrábios, Garatujas, Lucíola, Senhora, Iracema, Confederação dos Tamoios, poesias de Gonçalves Dias e tantas outras obras, puramente brasileiras; quem como nós, possui escritores como Rio Grande, Macedo, Porto Alegre, Silvio Romero, Tobias Barreto, etc., etc., não pode deixar de ter uma literatura, senão, esplêndida, ao menos que prove exuberantemente sua existência. [...] Para nós está reservado o mais risonho porvir: esta terra das maravilhas, rica pelas suas minas, pela opulência das suas florestas pela uberdade de seu solo, há de ser rica também em produzir filhos que atestem toda a sua grandeza.”150

Nos ensaios de crítica literária, Francisco de Paula Pires procurava, como afirma Carlos Baumgarten, “atestar a permanência do debate em torno da nacionalidade da literatura brasileira e sua autonomia em relação à portuguesa.”151 Nessa época, a crítica literária sul-rio-grandense estava

ainda na primeira fase, mas a sua divulgação, pela Província do Rio Grande do Sul, estava crescendo por meio da literatura de imprensa.

O português José Gomes Corrêa, que vivia em Pelotas, também escreveu alguns ensaios de crítica direcionados à literatura propriamente dita. O mais importante foi intitulado “O Comércio e as letras”, no qual o autor propõe a reação contra o capitalismo que rege as análises críticas, pois nessa época, como já foi exposto anteriormente, o papel da crítica é guiado não pela arte literária em si, mas pelas relações sociais. Dessa forma, a função da crítica desvia-se do literário como arte, voltando-se a uma ideologia dogmática que visa à educação moralizante da sociedade pelotense que está em processo de consolidação.

150 PIRES, Paula. A literatura nacional. Tribuna Literária. Pelotas, 29 jan. 1882. n. 5, p.3. 151 BAUMGARTEN, Carlos A. Op. cit. nota n. 30, p. 73.

Gomes Corrêa quer a independência da crítica em relação à sociedade, que envolve diretamente a política e a economia, e a aceitação pública da crítica e da literatura voltadas apenas para a cultura. Em um de seus artigos, ele ataca os comerciantes dizendo que,

Entre muitos prejuízos até hoje alimentados pelos rotineirismo absurdo na vida comercial, destaca-se um que, primando pelas irrisórias teorias em que se baseia, é, não obstante, sustentado com aferro pela teimosia dos comerciantes em geral, ainda mesmo por aqueles que mais de perto acompanham as evoluções saciais, fatalmente predispostas a desenvolver e equilibrar o aperfeiçoamento em todas as classes.

Referimo-nos à maneira por que entre nós é encarado no comércio aquele de seus membros que, dotado de uma inteligência esclarecida, procura amadurecer- lhe os frutos expondo-os à benéfica luz da publicidade.

Ai daqueles que, tendo empregado suas horas desocupadas em traçar no papel os seus pensamentos, comete o arrojo de dá-los á publicidade com a sua assinatura!

O que assim proceder, embora em seus escritos revele muito critério e talento, não mais será considerado por seus colegas como um negociante sensato.

E, mais pronunciadamente se manifesta este grave prejuízo se o cultor das letras for um simples empregado. [...] será sempre de grande utilidade para quem escreve, entregar suas produções à publicidade, porque, lidas por todos, sejam depuradas no cadinho da análise criteriosa e profícua. 152

Esse ensaio confirma a busca incessante da crítica por um espaço que seja só seu, no qual ela possa agir de forma independente. Historicamente sabe-se que, mais tarde, somou-se à idéia expressa por Gomes Corrêa a necessidade de a crítica possuir uma teoria própria em que estivessem estabelecidos os métodos de análise que facilitariam a interpretação das obras através de uma ótica literária, voltando-se para a

152 GOMES CORRÊA. O comércio e as letras. Tribuna Literária. Pelotas, 2 abr. 1882. n. 14. Editorial. p. 1.

cultura da sociedade e não mais para os problemas sócio-econômicos e políticos.

A partir dessa autonomia, tanto a crítica literária quanto a literatura em si poderiam estabelecer as relações intradisciplinares que lhes fossem mais importantes, a fim de atingir a pluralidade de significados contidos nos textos.

Com base na apreciação dos textos literários do jornal Tribuna Literária e dos ensaios críticos mais significativos, é possível constatar, já no final do século XIX, mesmo sendo o período do surgimento da crítica literária sul-rio-grandense, que alguns críticos e escritores, apesar de diretamente relacionados com a sociedade, deram início, talvez sem ter muita consciência da dimensão das suas reivindicações, ao que foi afirmado, mais de um século depois, pelo historiador Lloyd Kramer: “A literatura sugere formas alternativas de conhecer e descrever o mundo e usa a linguagem imaginativa para representar as ambíguas e imbricantes categorias da vida, do pensamento, das palavras e da experiência.” 153

Partindo dessa afirmação, observa-se que a prática da crítica, realizada na época pelo jornal Tribuna Literária, admitia apenas a sua visão sociológica Gomes Corrêa, porém, ao reagir a favor das produções literárias que tivessem por objetivo a arte pela arte, desligando-se do sentido comercial, abria caminho à plurisignificação dos textos literários. Com isso, expressando o desejo de uma crítica literária que não constitua um sistema fechado, estanque e isolado das outras áreas de conhecimento. Adquirindo, portanto, a função de libertar os possíveis sentidos por meio dos seus métodos específicos.

Os intelectuais avaliavam a qualidade dos textos publicados e também a capacidade dos autores das produções literárias. O jornal A Ventarola publicou a crítica intitulada “Pelo ar...” a qual registra o posicionamento do autor frente “aos literatos que se julgam apreciadores

153 KRAMER, Lloyd. Literatura, crítica e imaginação histórica: o desafio literário de Hyden White e Dominick LaCapra. In: HUNT, Lyn. A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p.131-173.

literários”. Referindo-se à organização de seus textos e sua sintaxe “mal apresentada”, o autor comenta que observa as “rabiscadelas” em prosa e verso, a qual mais falha inspiração e senso comum.154

O jornal A Ventarola comenta, ainda, sobre o escritor fluminense Alfredo Pujol, que fez uma crítica à obra A carne, de Julio Ribeiro, muito aclamada na corte. A crítica de Pujol foi, na verdade, uma contra-resposta à crítica do pelotense Germano Hasslocher, que declarou que o livro não tem grande valor literário155.

Outra crítica veiculada no periódico foi sobre a “mania” de versejar que tomou conta da população intelectual de Pelotas156. Nessa publicação, o

autor compara “a aluvião de poetas” à praga de ratos que de trinta em trinta anos assolava a cidade. O próprio colunista diz que, contagiado pela febre do Parnaso, arrisca uns versos consagrados aos “poetas da enchente”,

Deu-se o caso da câmara no cenário: Um deputado irroga acre censura À vergonha e pífia formatura

De Francisco Manoel Joaquim Macário. – É mero charlatão! receituário

Formulado por ele, em vez de cura, Vai ao doente abrir a sepultura, Pois não sabe se quer o silabário! – Sou e sempre serei conservador, Replica o doutorado, dando um murro No bom senso – em artigo esmagador. – Há muito tempo a petulância surro, O deputado torna e diz: - senhor,

O burro em toda parte é sempre burro.”

Em tom irônico e sarcástico, o crítico registra a sua opinião a respeito da falta de qualificação literária dos escritores pelotenses que tinham a pretensão de publicar textos e fazer parte de antologias locais.

154 Pelo ar... A Ventarola. Pelotas, 8 abr. 1888, p. 6. 155 A ventarola. Pelotas, 21 out. 1888.p.2.

Critica também, por meio de metáforas, os leitores que mal sabem ler, mas não sabem apreciar se tem valor do que lêem.