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3 O PRODUTOR, O MERCADO E O CONSUMIDOR

3.2 Atuação dos livreiros e editores

Segundo os anúncios dos jornais, publicados em Pelotas, na segunda metade do século XIX, a cidade contava apenas com duas livrarias: a Americana e a Universal que, além de vender livros, proporcionavam um ambiente de socialização entre os freqüentadores.

Das duas livrarias, o nome que obteve maior destaque no mercado editorial literário do extremo Sul rio-grandense foi o de Guilherme Echenique, um dos donos da Livraria Universal. A função do editor compreendia também a de ser crítico literário local, uma vez que era ele quem escolhia os livros que seriam publicados, encomendados e vendidos no seu estabelecimento. No entanto, os autores tinham a opção de mandarem imprimir seus livros em tipografias de jornais ou em outras cidades do País ou do Exterior. Isso ficava a cargo do poder aquisitivo do escritor e da finalidade do que publicava, pois muitas antologias, por exemplo, não foram impressas pelas editoras locais.

Echenique ocupava cargo político e militar. Isso reafirma que a regulamentação da literatura pelotense dava-se por parte de intelectuais politicamente engajados. A situação pelotense diferia do que ocorria no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde a literatura recebia incentivo de professores e escritores que apoiavam as letras pela educação e pela arte. Em Pelotas, o apoio à cultura em geral era oriundo das charqueadas e da exploração escravocrata, semelhante ao que assevera Roberto Zular com relação ao surgimento da escrita no Brasil, ocorrendo pela marca das iniciais do dono no escravo. No Peru, Cornejo Polar registra que a escrita nasceu pela dominação e pela violência141. O surgimento e o desenvolvimento das letras

em Pelotas seguiu um caminho similar ao do resto do País e de outros povos latino-americanos, sendo financiado pela elite do charque.

Diferente dos estados do Norte do País, onde o comércio de livros ocorria tanto por livreiros que se ocupavam exclusivamente dos impressos

141 ZULAR, Roberto; PINO, Claudia Amigo. Escrever sobre escrever. Uma introdução crítica à crítica genética. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 31.

como por estabelecimentos que se dedicavam à venda de diversos artigos, reservando um espaço ao mercado de livros142, Pelotas comercializava

seus livros somente por meio das editoras/livrarias143 e dos jornais,

conforme se lê em anúncio publicado no jornal A Idéia:

Vai entrar no prelo um livro de costumes desta província: Urros de Monstro, romance escrito por Nuno Rangel. Acha-se aberta a assinatura no escritório da redação deste jornal e na Biblioteca Pública Pelotense. Preço de cada volume: 2$000.144

Esse é um dos raros exemplos de autores locais coletados nos anúncios das livrarias Americana e Universal publicados nos jornais pelotenses. A presença de gaúchos é rara, restringindo-se à oferta apenas do Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul, organizado por Alfredo Ferreira Rodrigues e, até mesmo, do Hino ao Estado do Rio Grande do Sul, poesia e música de Fernando Luiz Osorio. Esses registros marcam, pelo menos nos periódicos que fazem parte do corpus desta tese, a ausência de oferta de livros de autores membros do Partenon Literário.

A maioria dos livros à venda são de autores portugueses e franceses, como Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Zola e Maupassant, vendidos no idioma original, e de textos franceses traduzidos por portugueses, como A honra de artista, de O. Feuillet, traduzido por Pinheiro Chagas. Os tradutores eram explicitados nos anúncios como argumento de autoridade, dando credibilidade ao texto anunciado.

Outros nomes considerados menores, como Georges Ohnet, Ponson de Tergail, Victor Cherboulier, Adolfo d`Ennery e Y. F. Elslander, todos autores de romances vendidos pela livraria Americana, são parte importante da consolidação da literatura regional, influenciando a produção de outros

142 Essa informação está registrada no artigo intitulado A atuação dos livreiros e a circulação de romances em Fortaleza no século XIX, escrito pela mestranda em Teoria e História Literária, Rozângela de Arruda Silva, publicado no site da UNICAMP.

143 Ver, em anexo, a listagem dos livros anunciados pelas livrarias Universal e Americana. 144 Lembretes. A Idéia. Pelotas, 15 dez. 1878. n. 7, ano I , p. 4.

textos em Pelotas, pois “textos ignorados ou superficialmente examinados às vezes têm parte preponderante nesse jogo [literário].”145

Embora representando o papel de divulgadores da literatura local, os editores acabavam por restringir a leitura da sociedade, uma vez que indicavam apenas o que consideravam apropriado. Segundo Even-Zohar, “un mercado restringido limita naturalmente las posibilidades de la literatura de desarrollarse como actividade sócio-cultural. De ese modo, hacer que el mercado florezca está en el interés mismo del sistema literario”.146

Corroborando a idéia do teórico, surge a constatação de que os escritores agiam no mercado editorial, pois geralmente tinham relação direta com os editores e com os tipógrafos, isso quando não eram eles mesmos os donos dos jornais onde os livros eram editados e divulgados. Além disso, esses homens desenvolviam a tarefa de críticos de suas próprias obras literárias, ratificando a importância que Zohar atribui ao papel da literatura para uma sociedade que, por um lado “sirve para proporcionar modelos de explicación del mundo, de la realidade y por outro, funciona para proporcionar modelos de actuación”.147 Para o teórico, os textos literários

propõem modelos de comportamento em casos particulares e de organização da vida.

No sentido de organização literária, encontram-se, no final do século XIX em Pelotas, várias antologias e coletâneas organizadas por Francisco de Paula Pires148. Com diferentes funções, umas beneficentes e

outras para o simples fim de ordenação e registro, as antologias como, por

145 ABREU, Márcia. O caminho do livro. Campinas: Mercado de Letras/ALB; São Paulo FAPESP, 2003. p. 137.

146 EVEN-ZOHAR, Itamar. El sistema literario. Tradução de Ricardo Bermudez Otero. Disponível em: http://www.tau.ac.il/~itamarez/ps_esp/sistm_s.htm. Acesso em: 27maio 2004. p. 14.

147 EVEN-ZOHAR, Itamar. La literatura como bienes y como herramientas. In: VILLANUEVA, Darío, MONEGAL, Antonio, BOU, Enric. Sin fronteras. Ensayos de literatura comparada em homenaje a Claudio Guillén. Madrid: Castalia, 1999. p. 26.

148 Pindo Rio-Grandense, antologia de autores rio-grandenses, Pelotas, 188?; Cáritas, antologia poética, organizada em benefício de Lobo da Costa, Pelotas, 1887; Rimas, versos, Rio Grande, Livraria Americana, 1888; Sonoras, antologia de poetas brasileiros, Pelotas, Livraria Universal, 1891.

exemplo, o Pindo Rio-grandense arrolavam nomes de destaque na sociedade gaúcha, incluindo os importantes membros do Partenon Literário.

Os escritores locais que tinham seus nomes registrados nas coletâneas eram os que divulgavam ideais políticos libertários, lutavam pela instrução social e pelo desenvolvimento literário, cultural e social da cidade de Pelotas. Os autores de outras localidades brasileiras, tanto de Porto Alegre, quanto do centro do País, representavam a influência desse pensamento para o grupo de intelectuais da região. Sendo assim, agiam como modelo de atuação social, fornecendo ferramentas para que os cidadãos pudessem compreender o contexto social e apoiar a necessidade de desenvolvimento.