• Nenhum resultado encontrado

Atuação na terra do meio: o destacamento irregular em Altamira

5. A POLÍCIA MILITAR CONSEGUE APRENDER COM OS CONFLITOS?

5.2. Atuação na terra do meio: o destacamento irregular em Altamira

Em inquérito policial militar (IPM), a Corregedoria da Polícia Militar investigou em fevereiro de 2005 denúncias de envolvimento de policiais militares em operações policiais em propriedades rurais no município de Altamira, em que estariam havendo apreensões de veículos e outros objetos e a detenção de pessoas, tudo sem a anuência do Poder Judiciário, posto que não haveria a expedição dos pertinentes mandados, mas sim com a interveniência de terceiros interessados, isto é, de particulares que, financiando a atividade policial, teriam as ações ao encontro de seus interesses.

O terceiro interessado nesse caso era o grupo CR Almeida, o qual se intitulava proprietário de inúmeras áreas naquela região e que tinha a seu serviço, inúmeros agentes públicos de diversos órgãos, em nível federal e estadual.202

Há relatos de abusos no sentido de expulsões ilegais de determinadas terras, com a utilização de táticas que foram desde a prática de tiro ao alvo por policiais militares, em tambores e carotes plásticos de propriedade dos lavradores que estavam tendo sua saída forçada, até situações em que policiais e empregados de empresas ligadas ao grupo retro mencionado atearam fogo nos barracos dos agricultores, queimando todos os seus pertences.

Todas as intervenções policiais eram realizadas sob a justificativa da proteção ambiental e também era esse o discurso dos funcionários da CR Almeida,

202 Autos de Inquérito Policial Militar de Portaria n. 005/2005/IPM-CorCPR-II, de 25 de fevereiro de 2005, exarada pelo Corregedor Geral da PMPA, com 586 fls.

que defendiam a expulsão de trabalhadores da área, porque os mesmos estariam desmatando e cometendo outros atentados ao meio ambiente na região.

Em relatório de 26 folhas, o encarregado do IPM descreve que o fato se deu com o envolvimento de policiais militares em operações na “Terra do Meio”, no município de Altamira, no período entre maio de 2004 e março de 2005, os quais “estariam recebendo subvenção da empresa CR ALMEIDA, para impedir o acesso de pessoas a uma área às margens do Rio Xingu, próximo a embocadura do Rio Pardo”, bem como se refere à permanência de policiais no local, vedando o acesso de pessoas que possuíam algum tipo de interesse agropecuário naquelas terras, sempre sob a justificativa de serem operações de repressão a crimes ambientais.203

Foram ouvidas vinte e nove (29) pessoas, dentre policiais, agricultores e pessoas ligadas às empresas que demonstraram interesse na região, além de terem sido juntados aos autos sessenta e oito (68) documentos de toda espécie.

Consta que as operações se iniciaram a partir da acusação por parte de representantes da empresa Amazônia Projetos Ecológicos LTDA., que se dizia proprietária de terras na margem esquerda do Rio Xingu, em documento de abril de 2004, de que estavam havendo ataques aos bens ambientais no local, em afronta grave à natureza, pelo que a Polícia Civil montou operação, recrutando apoio junto ao quartel da PMPA, que também mandou efetivo. Essa operação resultou em várias pessoas presas e inúmeros materiais apreendidos, os quais ficaram armazenados na empresa INCENXIL (Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu LTDA.), pertencente ao grupo CR Almeida, à disposição da Justiça.

Em outubro de 2004, mais uma operação da mesma natureza ocorreu, desta feita havendo algumas prisões, por porte ilegal de armas. Ressalte-se que tais

203

empreitadas foram intercaladas com operações clandestinas, as quais foram denunciadas nos autos, como por exemplo, a acusação de destruição de uma casa pertencente ao indígena José Ricardo Kuruaya, na localidade conhecida por Morro do Severo, na margem direita do Rio Xingu, em 11 de agosto de 2004, em que seis policiais militares, em companhia de dois funcionários a serviço da empresa INCENXIL teriam colocado fogo na residência.204

Essa primeira operação ocorreu através da fixação de efetivo policial militar em uma localidade denominada de Base Humaitá, em que os policiais mantiveram- se precariamente instalados por meses, em regime de revezamento, dadas as condições inóspitas da região. Ou seja, a operação tinha ânimo de permanência e não era do conhecimento do Comando Regional ao qual o Batalhão responsável era subordinado, isto é, o Comando de Policiamento Regional I (CPR-I), com sede em Santarém-PA. Nesse sentido, verificou-se que alguns policiais de baixa patente poderiam estar sendo utilizados sem que tivessem o conhecimento de que aquela missão não tinha o respaldo de ordens judiciais ou mesmo administrativas. Também é provável que muitas intervenções tenham ocorrido sem que se verificasse as condições exigíveis em um Estado de Direito, como um mandado judicial para a realização de reintegrações de posse. A desocupação da região teria sido feita para o benefício das empresas do grupo CR Almeida e sem o alicerce da ordem judicial:

Os indícios apontam para a possibilidade de ter havido a desocupação da região objeto de lide possessória, sem o competente Mandado Judicial, paralelamente a atuação legal de força policial na repressão e combate crimes ambientais restando fortes indícios de que houvera ardilosamente da parte dos envolvidos na lide, o emprego de seguranças particulares para dar cumprimento as ações de retirada de invasores ou detentores de posse ou mesmo de reais proprietários.205

E continua o relatório do IPM:

204 Ibid., fl. n. 95. 205

Assim, advogados representando os interesses de empresas subsidiárias do grupo CR Almeida, em uma ação orquestrada, primeiramente registraram denúncias nos Órgãos do Sistema de Segurança Pública do Estado, mais especificamente na Divisão de Polícia Especializada de Meio Ambiente, dando conta de crimes ambientais em andamento em extensas áreas sob litígio fundiário na Terra do Meio. Isso tudo para ensejar o deslocamento de aparato policial estatal e desencadear um rosário de ações arbitrárias, desvestidas de qualquer amparo legal.206

O inquérito demonstrou, conforme textuais do próprio encarregado, de forma inconteste que “policiais civis e militares estiveram atuando conjuntamente em defesa de interesses particulares”207. Interessante que outro IPM já tinha sido instaurado antes, sob a Portaria nº 008-IPM/CorCPR-I, para apurar fatos citados novamente no IPM em análise, entretanto aquele não chegou a conclusão de indiciamento de qualquer policial, dizendo que não havia indícios de crime ou de transgressão da disciplina por parte dos militares envolvidos. No IPM em epígrafe, o encarregado diz que a primeira apuração não foi condizente com a verdade real, que estava eivado de vícios, que poderiam ser sanados com as diligências que certamente seriam requisitadas pelo Ministério Público.

O fato, portanto, diz respeito a um destacamento policial militar inexistente, fantasma, na medida em que não consta oficialmente da estrutura do Batalhão em tela, mas que faz com que os policiais militares permaneçam na sua suposta área de operação por meses a fio e que o Tenente que esteve à frente das ações no local se auto-denomine comandante do Destacamento Policial de Humaitá208, a revelia de seu comandante imediato no batalhão, que afirmou não existir tal destacamento.

Essa, então, é uma demonstração real da prática de instrumentalização de policiais militares pelo poder econômico na Região Amazônica, com a descrição de inúmeras violências perpetradas por agente públicos contra pessoas que estão na

206 Ibid., fl. n. 490. 207 Ibid., fl. n. 491. 208

região há pelo menos três gerações209, manifestando a realidade da falta de controle institucional na Polícia Militar, posto que nem o Comando Regional sabia da instalação irregular desse destacamento, muito menos para o que ele estava se prestando.

Tais situações podem estar se repetindo em outras áreas do Estado, sem que se tome conhecimento, na medida em que as dimensões do Pará são consideráveis e a capacidade de monitoramento dos diversos centros de controle institucionais são altamente questionáveis, o que foi comprovado nesse episódio.