• Nenhum resultado encontrado

2 AS OFICINAS

2.5 A ANIMAÇÃO

2.5.2 A atuação com sombras

No jogo de “Exposição” de Viola Spolin (2003, p. 47-48), o “foco”39 está em levar os atores a entenderem que, na cena, há algo para se fazer, realizar ou executar. “A partir desse algo para fazer (atuação), aparecem as técnicas de ensino, direção, representação e improvisação de cena.” (SPOLIN, 2003, p. 21). Adaptá-lo para as oficinas foi fundamental para estimular os participantes a perceberem o teatro de sombras como teatro, pois de acordo com o participante MM: “Em cena [na tela] sempre tem algo pra fazer, isso me faz lembrar que também tem gente me assistindo.” Esse “algo para se fazer” ou “energia focalizada” em executar uma ação ou realizar um trabalho em cena, é o que Spolin chama de “POC” ou “Ponto de Concentração. “Esta focalização no detalhe dentro da complexidade da forma artística, como num jogo, dá a todos alguma coisa para fazer no palco, cria a verdadeira atuação através da total absorção dos jogadores” (2003, p. 21). Ou seja, é o elemento em torno do qual “os atores se reúnem”, “resultando em relacionamento” e gerando a cena. O “POC” pode ser entendido no teatro de sombras como a forma pela qual o ator-animador “atua”, focalizando sua atenção para realizar uma ação, ou seja, animar da melhor forma a sombra na tela, estabelecendo assim relação com o público.

De acordo com Ferracini (2010, p. 328), “na atuação não importa qual elemento inicia o trabalho, mas, antes, a capacidade de dinamização de uma força que possibilite a criação de uma máquina poética que se autogera enquanto dinâmica relacional de seus elementos constituintes, sejam eles quais forem.” Considerando que o ator-animador anima uma silhueta ou um objeto, ele atua “no espaço-tempo entre elementos cênicos na busca de gerar um possível território poético.” (2010, p. 239). Assim, é possível considerar que o ator-

39 Na metodologia de Spolin é “Atenção dirigida e concentrada num pessoa, objeto ou acontecimento específico

animador40 também “Não mais interpreta, nem representa, ou ainda, interpreta e representa, mas, ao largo dessas relações atua, age para criar afetos em um espaço-tempo constantemente reelaborado.” (2010, p. 331).

A divisão entre palco e plateia, ou melhor, entre tela e espectador, serviu para projetar as sombras e também para levar os participantes a compreenderem que o ator- animador anima e assim, atua. A atuação é, para Ferracini (2010, p. 331),

sempre instável porque é gerada por aquilo que gera, deixa-se efetuar por aquilo que afeta ou ainda, recria-se através daquilo que cria. Na organicidade não existe relação de causa e feito, uma vez que o efeito atua sobre a causa e vice-versa. A organicidade, enquanto força, é ativa e passiva ao mesmo tempo. E é justamente nesse paradoxo que a atuação age.

No teatro de sombras o ator-animador age sobre os materiais e elementos (telas, focos, silhuetas, objetos) e deixa-se afetar através do que cria e recria. Essa complexa relação retroativa de “causa e efeito” entre animado e inanimado (ator e materiais) configuram o princípio de animação e atuação nessa arte.

No teatro de animação, o foco da atenção do espectador não está diretamente na presença do corpo do ator-animador na cena, mas no objeto animado por ele. O “atuador” (ator, dançarino ou performador), segundo Ferracini (2010, p. 329), “atua justamente nos espaços ‘entre’ elementos, fazendo-os se relacionar e gerar uma máquina poética que se faz e refaz num continuum fluxo espiralado.” Assim, no teatro de sombras os objetos-silhuetas- corpo adquirem sentido através do movimento, da ação, pois é exatamente a “animação” que age nos “espaços entre” o ator-animador e objeto-sulhueta, exigindo a sua atuação – diante do espectador. O ator-animador atrás da tela “atua” por meio dos materiais que ele anima na busca pela imagem animada, e assim, a relação com a plateia é justificada e estabelecida.

Nas oficinas, quando o participante estabeleceu a relação com a silhueta-objeto-corpo, desenvolveu suas habilidades como ator, pois estava “atuando”. A silhueta-objeto foi considerada como uma extensão do corpo do ator-animador projetado na tela. No entanto, foi preciso estudo e prática para se compreender e desenvolver essa habilidade.

Foi importante orientar os participantes sobre essa possibilidade do ator-animador atuar no teatro de sombras. Os participantes mais “inibidos” investiram na ideia de atuar

40 De acordo com Luís Otávio Burnier (2001, p. 21), sobre o trabalho do ator no teatro, apresenta a ideia de que

“interpretar quer dizer traduzir, e representar significa ‘estar no lugar de’ [...], mas também pode significar o encontro de um equivalente.” Assim, quando um ator interpreta um personagem, ele está realizando a tradução de uma linguagem literária para a cênica; quando ele representa, está encontrando um equivalente.”

através da silhueta. Outros buscaram atuar através da sombra corporal na tela. Mesmo com a “ausência” do ator-animador visível na cena, foi possível levar os participantes a compreenderem outras formas do ator fazer teatro. A “atuação” do ator-animador, tradicionalmente oculto na cena, revelou por meio das imagens animadas a sua “presença”.

Foi interessante observar no processo de animação das silhuetas, a necessidade de alguns participantes experimentarem com o corpo as características do personagem, para em seguida animar a silhueta. “Atuar no teatro de sombras é bem diferente. Para fazer uma personagem com a sombra corporal é preciso aprender outras técnicas, como trabalhar com o movimento dos focos e da tela. (YL). Para fazer com que a silhueta da vendedora caminhasse de um lado para o outro, representando que estava triste, foi preciso antes experimentar com a sombra corporal na tela como seria tal efeito. Dessa forma foi possível constatar que ombros para frente, um andar mais lento e um olhar cabisbaixo demonstravam através da sombra a tristeza do personagem. O mesmo princípio foi observado com a silhueta articulada, confeccionada de corpo inteiro, pois foi preciso explorar determinadas ações, gestos, posturas e movimentos na sua animação, com base na movimentação da sombra corporal.

A interação entre atores-animadores e silhuetas-objetos na tela se deu através da “atuação”. “Assim, o ator pode funcionar como uma espécie de referência do animado em meio ao inanimado no devaneio do espectador, na poetização operada no espaço mental do espectador.” (SOBRINHO, 2005, p. 93). O ator-animador, como elemento do espetáculo, reforça a ideia de Montecchi (2007) de que este não é um mero “mostrador de imagens” ou ilustrador de um texto teatral. É preciso que este atue e domine uma dramaturgia específica.

Neste teatro, o ator é apenas mais um dos suportes, e como tal, tem uma nobre missão: a de oficiante. É ele o veículo intermediário, o médium entre o universo das imagens e o espectador. Seu corpo, vibrando respostas sensoriais e energéticas, por conta de suas relações com o mundo cênico imagético, comunica-se com o corpo do espectador, fazendo-se de portal à experiência sensorial da platéia.. (SOBRINHO, 2005, p. 101).

Mesmo que Sobrinho (2005) considere diversos materiais e elementos como suporte do espetáculo, não nega a importância da atuação do ator-animador nessa arte – ou seja, é ele quem articula todos os materiais e elementos cênicos. Nesse caso, é indispensável compreender suas práticas,41 o que não significa centrar o espetáculo na figura do ator na cena, negligenciando o propósito maior que é a sombra. O ator-animador é responsável por

41 Em O Ator e Seus Duplos Ana Maria Amaral apresenta uma série de exercícios relativos à percepção do ator

articular todos os materiais e elementos cênicos – assim, ele atua e anima e faz com que aconteça o espetáculo.

De acordo com Sobrinho (2005, p. 90-91), enquanto no teatro de tradição textocêntrica há um forte nível de representação na função do ator, já que ele tem de “estar no lugar” de uma personagem, no teatro de imagem, o ator não é o intérprete privilegiado do espetáculo e principalmente não “representa” e nem “apresenta” algo ao espectador, mas realiza ações – ou seja, atua. Portanto, “atuar é um fluxo de sentidos-sensações contínuas e dinâmicas que criam dramaturgia corpórea orgânicas. A atuação não interpreta nada, não representa nada, simplesmente age.” (FERRACINI, 2010, p. 331). Atuar, no teatro de sombras, pode ser compreendido na relação do ator inserido num “jogo cênico para cumprir determinadas tarefas.” (SOBRINHO, 2005, p. 87).

Os estudos realizados sobre essas questões ajudaram a compreender e a destacar a importância do papel do ator-animador no trabalho com as sombras. Para a participante ES, “é muito importante conhecer as possibilidades do corpo no teatro de sombras, pois se ele não estiver preparado nada acontece”.