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3 O TRABALHO FINAL

3.1 O ROTEIRO

Diante dos desafios de se registrar os resultados obtidos com as sombras projetadas na tela, passou-se a trabalhar com roteiro.

O roteiro, conforme imagem acima, pode ser entendido como um registro escrito, onde são esquematizadas as cenas através de indicações e desenhos, ou também um roteiro de imagens, elaborado através de fotos ou vídeos como forma de registrar as cenas criadas.

Os materiais utilizados em cada cena precisaram ser separados e anotados, de forma que pudessem ser retomados sempre que necessário. Esse processo também compreendeu o que chamamos de partiturização das ações, o que envolveu organizar os materiais e o uso a ser feito com cada um.

Por meio de pequenos textos indicativos e imagens registradas pelos participantes com as máquinas fotográficas digitais e celulares, várias cenas foram registradas em forma de roteiro, sugerindo ideias para o trabalho final. Esse procedimento evitou que se perdessem os trabalhos realizados.

Figura 33 – Cenas fotografadas e organizadas em forma de roteiro (de imagens).

As diversas imagens registradas, como as apresentadas acima, foram agrupadas de acordo com os materiais e elementos explorados, com o objetivo de compor a encenação – antes mesmo da escolha de uma história ou texto a ser encenado.

A ausência de um ou outro participante não impediu a retomada de cenas realizadas em encontros anteriores, já que o processo de registrá-las possibilitou que outros dessem continuidade ao trabalho.

Durante a etapa de elaboração do roteiro, os participantes foram incentivados a registrarem e agruparem as cenas de acordo com os materiais e o tema de cada cena, conforme imagens apresentadas abaixo.

Figura 34 – Cenas agrupadas no grupo 2 de acordo com os materiais.

No grupo 2, as cenas e materiais foram organizados em torno de um mesmo tema, ou seja, priorizaram elementos relacionados à vida no campo. Foram separadas silhuetas de casas, cavalo, árvores, gato, pássaros e também silhuetas de outros personagens como uma velhinha, uma menina e um homem de chapéu. As cenas realizadas apresentavam a venda de um cavalo para um homem misterioso, dono de um gato preto.

Já no grupo 1, os materiais e elementos organizados foram reunidos em torno do tema “a vida nas grandes cidades”, conforme imagens destacadas abaixo:

Figura 36 – Cenas e materiais agrupados no grupo 1.

Analisando as cenas apresentadas, percebemos que, em ambos os grupos, havia elementos que poderiam ser relacionados ao conto A pequena vendedora de fósforos de Hans Christian Andersen, explorado na etapa de (re)descoberta da sombra (com os jogos65 de exploração de histórias e criação de cenas). Foi sugerido que os grupos adaptassem as cenas já apresentadas e criassem outras inspiradas no conto.

O conto foi retomado e explorado em pequenos grupos com os materiais e elementos já explorados. Os resultados foram apresentados e assim foi possível compreender melhor o trabalho final a ser criado. Os participantes criaram várias cenas tendo o conto como referência, reforçando a ideia de Pimpaneau (1995, p. 81), de que no “teatro de sombras as criações têm por limite apenas a imaginação.”

Observamos durante o processo de adaptação do conto, que os grupos se preocuparam inicialmente em montar a A pequena vendedora de fósforos exatamente como se apresentava na história original, sem se aprofundarem nas diversas possibilidades da linguagem do teatro de sombras. Foi importante deixar os grupos se familiarizarem mais com o conto, pois dessa forma passaram a conhecer melhor a história. Os próprios participantes perceberam que era difícil montar um espetáculo de teatro de sombras exatamente como no conto original. Por isso, foi importante discutir que tal dificuldade também é encontrada no teatro de atores e, que é preciso procurar e experimentar meios de superar esses desafios. Sendo assim, optou-se por construir coletivamente o roteiro para facilitar o processo de criação das cenas e, refinamento das já criadas.

Figura 37 – Processo de estudo do conto e criação coletiva do roteiro.

Segundo Ana Maria Amaral, “Todo texto, literário ou dramático, é em si a condensação de uma idéia. É só ter clara essa idéia e partir, então, na busca dos seus equivalentes cênicos para expressá-la por meio de símbolos e metáforas” (AMARAL, 2002, p. 142). Com base nessa premissa, foi possível elaborar o roteiro, reunindo sugestões de todos os participantes. Este foi o esboço do primeiro roteiro inspirado no conto de Hans Christian Andersen, utilizado pelos grupos para a organização dos materiais, criação das cenas e montagem do trabalho final:

• Abertura: apresentar os personagens livremente na tela – uma dança de luz, cores, sombra e sons.

• A Pequena Vendedora (a atriz com a silhueta da Pequena Vendedora) entra em cena e logo se transforma em sombra;

• A Pequena Vendedora chega à sua casa e a mãe a manda sair para vender fósforos; • A Pequena Vendedora com frio na cidade;

• A pequena Vendedora oferece fósforos para as pessoas que passam na rua; • Aparecem algumas pessoas que se recusam a comprar os fósforos;

• Pessoas passam na rua de um lado para outro com bolsas e malas no meio da rua – dança frenética na cidade grande;

• A Vendedora observa as pessoas pelas ruas;

• A vendedora se encolhe de frio no meio da cidade (não volta para casa); • Para se aquecer ela ascende os fósforos que projetam imagens (lembranças); • 1ª imagem (aperto de mão que logo se apaga);

• 2ª imagem (abraço que logo se apaga também); • 3ª imagem (vê a avó em forma de anjo no céu);

• Repete a cena inicial – uma dança de luz, cores, sombras e sons com todos os personagens e também anjos.

O roteiro foi dividido em pequenas cenas, isso facilitou a divisão do trabalho e indicou caminhos para a organização e criação das cenas. Foi interessante observar que uma cena apresentada por um grupo pode ser complementada por outros participantes. A prática de apresentar as cenas criadas estimulou os participantes a montarem o trabalho e facilitou o desenvolvimento das oficinas. Em três encontros, com a definição do roteiro, foi possível estruturar o trabalho final.

Com o roteiro definido foram retomadas e ensaiadas cenas já criadas, relacionando-as mais precisamente ao conto selecionado. Outras cenas também foram criadas aproveitando as já estruturadas anteriormente. Esse processo demonstrou que o trabalho não surgiu somente do texto de Andersen, seu conto foi mais um elemento que serviu para reunir e articular as ideias da encenação.

O roteiro ajudou a estabelecer uma sequência narrativa com o uso das imagens, servindo também como estímulo para a criação das cenas. Isso levou os participantes a superar outro desafio – o que montar no teatro de sombras? De acordo com o participante CR, “É mais fácil explorar esses objetos agora que se tem um roteiro mais claro, se não eu ficaria horas aqui experimentando”. O roteiro contribuiu para não deixar o trabalho limitado apenas ao processo de experimentação, já que encaminhou os esforços para as cenas a serem apresentadas ao público no final das oficinas.

Analisamos os trabalhos nos grupos 1 e grupo 2 percebemos que as cenas criadas sobre o conto se complementavam. Sugeri que os grupos trabalhassem em conjunto, ou seja, que formassem um único grupo de trabalho e espetáculo a ser apresentado. Essa iniciativa ajudou a resolver o problema da falta constante de alguns participantes. Os grupos concordaram com a ideia motivados pelo desejo de realizar e apresentar publicamente o trabalho final.

A cada encontro, os participantes retomaram os elementos já explorados e também descobriram outras possibilidades com a sombra. O roteiro apresentou desafios, que exigiu o envolvimento dos participantes na sua superação.

Durante a etapa de elaboração do roteiro foi possível discutir que mesmo que se construa um roteiro com sequências claras e objetivas, as cenas resultantes não possibilitariam um só entendimento para o espectador. Conforme Sobrinho (2005, p. 83), “Este, tendo acesso apenas ao resultado cênico, presencia um jogo de imagens que compactam e sintetizam

poeticamente as questões levantadas no processo, tendo delas somente sensações e ideias genéricas, porém intrigantes e contundentes.” Mesmo que as cenas no “teatro de imagens” ou no teatro de sombras sigam metodicamente uma sequência narrativa apontada por um roteiro linear, no qual as ideias contidas sejam objetivas, nada garante que as mesmas sejam entendidas de um só modo pelo público. Ou seja, a montagem possibilita diversas leituras por parte do espectador, porque no teatro de sombras a apresentação de cenas em uma sequência mesmo que aparentemente linear possibilitam diferentes leituras, principalmente quando se usa imagens figurativas e abstratas, como se deu nessa montagem.

Durante a criação do roteiro e das cenas foi possível perceber que é “Difícil descrever roteiros de um teatro baseado em imagens, sons, movimento, luz, cujo desfecho não chega a conclusões racionais, despertando apenas emoções estéticas” (AMARAL, 2002, p. 147). Para se criar um roteiro ou montar um espetáculo de teatro de sombras é necessário compreender as possibilidades e significados decorrentes de cada material, ações e movimentos. Consequentemente, os diversos recursos tecnológicos atualmente disponíveis, como máquinas fotográficas digitais, celulares com dispositivo de captura de imagens, gravadores de voz, filmadoras, computadores portáteis e os tradicionais “papel e caneta”, facilitaram a elaboração do roteiro escrito e visual.

Essa etapa do processo ajudou na compreensão da ampla e complexa ideia de dramaturgia no teatro, ou seja, dos diversos caminhos e escolhas que devem ser feitos em um processo de encenação. Portanto, o trabalho rompeu o princípio de dramaturgia textual para dar espaço a uma dramaturgia da cena ou de materiais, envolvendo os diversos elementos materiais e visuais contidos na criação e apresentação das cenas finais.