• Nenhum resultado encontrado

2 AS OFICINAS

2.4 A (RE)DESCOBERTA DA SOMBRA

2.4.1 Explorando as telas

De acordo com Montecchi, “O espectador e o animador encontram-se através da sombra” (2007, p. 74), e é exatamente na tela que seus olhares se cruzam.

Figura 18 – Telas portáteis de papel vegetal (ou “caça-sombras”) e tela de tecido.

Para as oficinas foram disponibilizadas telas de 40cm x 35cm (de papel vegetal) e telas de 1.20m x 90cm (de tecido branco e suporte de madeira), conforme imagem acima. Também foram utilizadas telas de 2m x 2m (de jornal, papel Kraft e lençol), porém, houve preferência pelas telas de tecido branco por proporcionar maior definição e qualidade na projeção das imagens e cores. Alguns tecidos e materiais dificultaram a definição das cores e formas na projeção das sombras. Assim, as telas precisaram ser translúcidas para comunicarem o efeito da sombra para o espectador.

Exploramos telas fixas, móveis, de diferentes formatos (circulares, triangulares e retangulares) e com diferentes dimensões (de 30 cm até 4m x 3m). O participante MS, observou que: “Gosto da tela grande, pois descobri o meu corpo de outro jeito. É preciso saber se movimentar, para conseguir se criar o efeito desejado. Fica tudo tão grande que até parece uma tela de cinema”. A sombra corporal foi projetada nas paredes da sala e na tela grande de tecido (3m x 2m), estimulando a criatividade e o envolvimento dos participantes.

Figura 19 – Atores-animadores explorando a tela grande.

A tela grande e as fontes luminosas (fixas e móveis) criaram diversos efeitos visuais. Realizar os trabalhos na tela de 3m x 2m, conforme imagem apresentada acima, aumentou a curiosidade dos participantes sobre o teatro de sombras porque foi se aprofundando a compreensão sobre essa arte.

A tela grande possibilitou a realização de evoluções com o corpo inteiro, criando o efeito de deformação e sobreposição de imagens, porém, exigiu agilidade no trabalho corporal para a criação das cenas.

Figura 20 – Tela grande e as possibilidades de deformação da sombra corporal.

O recurso de aproximar certas partes do corpo da tela e outras mais próximas do foco de luz foram amplamente explorados, o que possibilitou a criação de diferentes imagens, conforme a imagem apresentada acima. Tais procedimentos colaboraram para produzir a deformação da sombra dos corpos e objetos suscitando diversas leituras e associações.

A sombra de partes do corpo também foi explorada, como a sombra das mãos, que segundo Limbos (1992, p. 24), é uma técnica muito antiga que “consiste em projetar sobre uma tela, sombras produzidas pelas mãos e dedos” (livres ou entrelaçados).

Figura 21 – A sombra de uma mão segurando um grampeador.

A imagem acima apresenta uma mão segurando um grampeador, no entanto, na cena, foi possível associar a imagem à ideia de um jacaré descansando sob a luz do sol. A técnica de criar sombras só com as mãos não interessou muito aos participantes. Foi preciso acrescentar outros acessórios às mãos, como: tecidos, formas recortadas em papelão, objetos e outros elementos – com a função de definir a sombra dos personagens – o que tornou o trabalho mais interessante.

O trabalho com a sombra dos objetos também se revelou na tela como outra forma de expressão. Para a participante YL, trabalhar com os objetos foi importante porque revelou que, “É interessante ver como a caixa de lâmpada vazia, sem o menor valor, se transformou em um túnel, em uma janela e também em um prédio”. Com a experimentação de diversos objetos, observando as transformações das sombras projetadas na tela, foi possível ampliar as possibilidades de criação das cenas.

Os experimentos efetuados com as silhuetas, os objetos, as mãos e o corpo, nas pequenas telas, também foram realizados nas telas maiores. Nas telas pequenas apenas silhuetas, objetos e algumas partes do corpo foram projetadas, como as mãos, os pés e a cabeça. Já na tela grande foi possível ampliar as possibilidades de criação envolvendo todos esses elementos e outros materiais (cadeiras, carteiras, galhos de árvore).

As paredes e o chão também foram explorados como telas e serviram para destacar que o ator está sempre presente. Mesmo que seu corpo e sua presença sejam velados pela tela ou pela escuridão, ele imprescindível nessa arte.

As sombras projetadas na tela fixa provocaram efeitos diferentes das sombras projetadas sobre a tela móvel: “é estranho, mas mover a tela bem rápido, fazendo ondas no tecido, dá à impressão de que a sombra da silhueta parada está se movendo, nadando”. (FP). No teatro de sombras é possível conferir movimento a uma silhueta ou objeto mesmo com ele inerte diante da tela.

Uma tela de papel kraft pode remeter, de acordo com os participantes, a um “ambiente árido”, e uma tela confeccionada com jornal pode representar, por exemplo, o “mundo contemporâneo repleto de informações” (IG). A escolha do material requer experimentação para se dominar a sua forma e descobrir os seus possíveis significados. Nesse sentido, no teatro de sombras, a matéria também é dramaturgia. A tela, de jornal, papel ou tecido, porta sentido, é discurso na cena.

Conforme as experimentações com diversos materiais foram sendo realizadas nas telas, outras impressões foram surgindo. Para a participante VP, “sempre quis fazer teatro, mas sou muita tímida e só hoje, depois de tantos anos, vim participar de uma oficina de teatro e acabei me sentido protegida atrás da tela, porque assim posso me expressar sem os outros ficarem olhando diretamente pra mim – não pensei que isso fosse possível no teatro”. Esse depoimento confirma a ideia de Éduard Limbos (1992, p. 2) quando afirma que o teatro de sombras pode estimular uma pessoa mais “tímida” que “não ousaria nunca exprimir-se em público”, a “encontrar todos os seus meios ao abrigo da tela”, ou seja, o ator se “esconde” atrás da tela para se revelar ao público, através das sombras.

Foi possível observar que os participantes mais tímidos expressaram opiniões atrás destas, que talvez não demonstrassem se estivessem diretamente na cena diante do espectador. A princípio, era a silhueta, ou seja, a personagem quem estava “falando”, se expressando, quando na verdade era o ator quem estava “atuando”. Dessa forma, o ator que está aparentemente36 escondido atrás da tela se revela claramente.

No decorrer das oficinas evidenciou-se o interesse dos participantes mais inibidos pela possibilidade de não “aparecerem” diretamente na cena: “nesse teatro vi que tem a possibilidade da gente não aparecer, foi por isso que quis participar” (IP).

O trabalho, nessa etapa, demonstrou que a tela, além de um elemento técnico indispensável para a realização do teatro de sombras, conforme observou a participante AS, também “é o lugar onde se realizam os sonhos”. Essa ideia corresponde a de Luc Amoros (1986,

36 “Aparentemente” porque durante todo o tempo da representação é sabido que atrás da tela há o ator – diferente

p. 4), ao se referir à tela não como uma fronteira e sim como uma “ponte” entre espectador e animador, ou seja, o “lugar de confronto de nossas próprias projeções”.