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Atuações interativas compartilhadas

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

8.1 Atuações interativas compartilhadas

Dentre as principais ações desenvolvidas pelos estudantes indígenas na UFSCar campus Araras pode-se destacar a realização do 1o Simpósio de Interculturalidade, a criação do Núcleo de Estudos

Indígenas (NEI) e a realização do Ciclo de Ações e Luta Indígena (CALI).

O 1o Simpósio de Interculturalidade foi uma atividade de extensão

realizada entre os dias 22 e 23 Maio de 2015, cujo tema foi “diversidade cultural indígena”. O objetivo desta atividade foi reconhecer a diversidade da comunidade estudantil e debater sobre a acolhida e permanência dos estudantes indígenas na Universidade Federal de São Carlos. Este evento foi organizado por estudantes indígenas, estudantes não indígenas e outros segmentos da comunidade universitária, interessados na temática (SEBASTIANI et al., 2018).

A proposição da programação do evento iniciou-se com uma Roda de Conversa em Dezembro de 2014 no campus de São Carlos, em que estiveram presentes cerca de 50 estudantes indígenas de diversas etnias dos campi da UFSCar. Neste momento, indicou-se a participação de duas lideranças das comunidades como palestrantes (uma liderança da etnia Paratiponé e outra da etnia Xavante), bem como a participação dos estudantes indígenas considerados lideranças em suas respectivas comunidades, que atuaram como mediadores e palestrantes do evento (SEBASTIANI et al., 2018).

Este Simpósio contou com um total de 98 participantes, dos quais 28 eram estudantes indígenas, pertencentes às etnias Dessana, Tukano, Xavante, Atikum, Kambeba, Terena, Pankararú, Wassú-Cocal, Hunihui e Paratiponé. Quanto aos participantes não indígenas, 33 eram estudantes não indígenas da UFSCar e os 37 participantes restantes, público externo da universidade (SEBASTIANI et al., 2018).

O evento contou com palestras, mesas redondas, apresentações culturais e uma plenária de encerramento, marcado pela discussão das demarcações de terras indígenas, a tradição cultura indígena e ingresso e permanência de estudantes indígenas na universidade.

Segundo Sebastiani et al. (2018), a vinda das lideranças para falar da cultura indígena e da importância do ingresso e permanência dos indígenas na universidade, contribuíram para a valorização desses estudantes e para reconhecer o conservadorismo da universidade. Ao mesmo tempo em que os estudantes indígenas reconheceram as dificuldades enfrentadas por eles e elas na universidade, também ressaltaram a importância de estarem no ensino superior e de se apropriarem de certos conhecimentos para levá-los até sua aldeia.

Como encaminhamentos oriundos do I Simpósio de Interculturalidade destacam-se: a integração entre estudantes indígenas e não indígenas, a implantação do Núcleo de Estudos Indígenas (NEI) e a promoção do Ciclo de Ações e Luta Indígena (CALI). O NEI foi implantado na UFSCar-Araras em parceria com o Programa de Educação Tutorial (PET) Saberes Indígenas em 2016 e tem como principais objetivos divulgar a cultura indígena e fortalecer o grupo de estudantes indígenas do campus. Dentre as principais ações destacam-se a visitação em instituições de ensino de Araras, elaboração de trabalhos para apresentação em eventos, reuniões periódicas para discussão de temas relevantes para a permanência dos estudantes indígenas no campus e a organização do CALI.

O CALI foi concebido pelos integrantes do NEI como uma ação a partir do Simpósio e permite discutir as dificuldades enfrentadas na permanência dos estudantes indígenas e a divulgação de sua diversidade cultural, a fim de favorecer a tolerância de diferentes culturas e valorizar sua presença na universidade. O CALI é um evento anual com exposições, palestras, rodas de conversa e outras atividades culturais, tendo como público alvo principal a comunidade do campus. No 1º CALI (2016), discutiu-se a importância do Dia do Índio

e as origens das etnias representadas no campus. No 2o CALI (2017),

foram oferecidos para degustação os principais pratos típicos das etnias representadas no campus. O 3o CALI (2018) manteve a discussão

sobre a cultura indígena por meio da pintura corporal. Por fim, no 4o

CALI (2019), foi realizada a Semana Indígena, em parceria com a Biblioteca do campus, com exposições, mostra de vídeos, apresentações de dança e música e pinturas corporais.

Apesar dessas ações serem essenciais na divulgação da diversidade cultural indígena, ainda há muitos desafios para melhorar a acolhida e permanência de estudantes indígenas na universidade.

Estes desafios e conquistas podem ser conhecidas a partir das narrativas interpretativas de suas memórias históricas, apresentadas a seguir.

8.2 Memórias em narrativas da realidade de estudantes indígenas Camila Seabra – a primeira estudante indígena mulher a se formar

Uma menina criando asas aos 18 anos em busca do seu sonho, longe da família, aprendendo a conviver com pessoas diferentes, com culturas diferentes. Esse relato é de uma pessoa que transformou a sua vida, a vida da sua família e comunidade, através dos estudos e apoio que a UFSCar lhe proporcionou.

Chegar a um ambiente totalmente diferente do seu cotidiano, com níveis acadêmicos e tecnológicos diferentes da sua realidade foi um desafio do começo ao fim da graduação. Formar-me em Engenharia Agronômica, aos 24 anos, em uma universidade federal foi a melhor conquista da minha vida até hoje. Porém, não foi fácil chegar até aqui, dias e noites sem dormir, sentir como se estivesse correndo atrás do tempo desde os primeiros dias de aulas, até a apresentação do Trabalho Final de Graduação. Tudo foi um grande desafio.

A base acadêmica que eu possuía não estava no alcance da dos alunos da minha turma, nem do material didático dos professores. Eu me senti perdida, deslocada, quase desistindo de ser engenheira. Mesmo com tantas reprovações e lágrimas de decepções, vieram as aprovações e, naquele exato momento, eu percebi que conseguiria. Dentro da sala de aula nós, indígenas, somos tratados com indiferença acadêmica, somos avaliados igualmente aos alunos não-indígenas. Sobre a minha opinião em relação a esse fato, não sei o que dizer ao certo. Tive professores que me orientaram cuidadosamente, respeitando a minha cultura. Também tive professores que me assustaram no começo, mas com esforço consegui a aprovação nas disciplinas. No final, percebi que nós indígenas podemos ser o que quisermos: engenheiros, médicos, biólogos, professores.

Nós, povos Kambebas que residem no Alto Solimões, interior do Amazonas, vivemos décadas fugindo da violência e discriminação das pessoas não-indígenas que tinham interesses nos bens e na terra do nosso povo. Por conta disso, é considerado escasso o estudo e acesso

a materiais que contam a nossa história e cultura tradicional. Aos poucos, os povos Kambebas foram desaparecendo e levando consigo os conhecimentos tradicionais da etnia. Além disso, são poucos Kambebas estudando em uma universidade pública. Por isso, o meu papel como aluna indígena do povo Kambeba foi expor novamente o meu povo, os conhecimentos tradicionais, culturais, e dizer para a sociedade que nós resistimos e estamos aqui, multiplicando conhecimento e compartilhando histórias. Hoje, eu volto com satisfação e me apresento ao meu povo como engenheira agrônoma, graduada na Universidade Federal de São Carlos, indígena do povo Kambeba.

O fato de eu ser mulher, indígena, cursando engenharia na área de agricultura, foi de extrema importância para ajudar a quebrar paradigmas impostos pela sociedade. Acredito que a minha presença como a primeira aluna indígena formada na área de Ciências Agrárias, do campus de Araras, abrirá portas para outras mulheres acreditarem e irem atrás dos seus sonhos também. Além disso, a minha presença na universidade mostrou para as pessoas que o índio não é formado por um biotipo único: eu não sou mais índia, ou menos índia por ter a pele clara. Eu sou indígena por ter uma cultura tradicional e ser descendente do povo Kambeba. Existem indígenas de cabelos crespos, peles negras, aldeados ou não. Somos todos parentes lutando pelos nossos direitos.

O sistema de cotas indígenas na UFSCar favoreceu a troca de conhecimentos não apenas para os alunos que tem o direito a esse sistema, mas para toda a universidade. A presença de um aluno indígena no cotidiano das pessoas não-indígenas é essencial para a interculturalidade, aprendizado e trocas de conhecimento. Conviver diariamente com indígenas ajuda a quebrar barreiras de preconceito e a proximidade das pessoas torna-as melhores. Particularmente, a convivência com diferentes povos indígenas e com pessoas não- indígenas agregou a mim uma enorme bagagem de conhecimentos. Construí laços de amizade que levarei para a vida; a força e união dos alunos indígenas me mostraram o que é ter uma segunda família, me ensinaram um pouco sobre a cultura deles e ouviram a história do meu povo.

O cuidado e o apoio dos tutores e professores do campus e das Ações Afirmativas me deram forças para não desistir. As dificuldades