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A PRESENÇA INDÍGENA NO ENSINO DE GRADUAÇÃO NA UFSCAR Emília Freitas de Lima

4.1 Indígenas no ensino de graduação: elementos históricos

4.1.1 Panorama nacional

A presença indígena no ensino de graduação das universidades brasileiras se insere no conjunto das políticas públicas educacionais voltadas às Ações Afirmativas, assim denominadas por preverem não apenas o reconhecimento da dívida da sociedade para com grupos

historicamente subalternizados, mas, ao mesmo tempo, formas de reparação de tais dívidas. Isso implica o tratamento diferenciado desses grupos, por meio de práticas de variados formatos, dos quais o mais conhecido é o sistema de cotas, ou seja, o estabelecimento de um percentual de vagas a ser ocupado por determinado(s) grupo(s) em uma área específica.

De acordo com Bergmann (1996, p. 7):

Ações Afirmativas é planejar e atuar no sentido de promover a representação de certos tipos de pessoas - aquelas pertencentes a grupos que têm sido subordinados ou excluídos - em determinados empregos ou escolas. É uma companhia de seguros tomando decisões para romper com sua tradição de promover a posições executivas unicamente homens brancos. É a comissão de admissão da Universidade da Califórnia em Berkeley buscando elevar o número de negros nas classes iniciais [...]. Ações Afirmativas podem ser um programa formal e escrito, um plano envolvendo múltiplas partes e com funcionários dele encarregados, ou pode ser a atividade de um empresário que consultou sua consciência e decidiu fazer as coisas de uma maneira diferente.

Não se trata, pois, de políticas compensatórias, mas de “afirmação e valorização da diversidade cultural, centrada numa política de compromisso com a justiça social, idéia extremamente relevante aos Estados multiétnicos democráticos como o Brasil” (VALENTIM, 2005, p. 40).

Entre os grupos que têm direito a ações afirmativas destacam-se, no caso brasileiro, os que se inserem na categoria etnicorracial – negros (pretos e pardos, segundo o IBGE) e indígenas. A estes últimos nos dedicamos especificamente no presente capítulo.

No Brasil, os indígenas começam a ser valorizados na Constituição Federal vigente (BRASIL, 1988), quando passam a ter seu direito à diferença cultural assegurado. Há, inclusive, todo um capítulo dedicado a eles (VIII - Dos Índios), cujo artigo 231 reconhece explicitamente “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. E o artigo 232 reza que “suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em

juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”.

Este reconhecimento e valorização atingem diretamente a educação e a cultura, estando expresso nos artigos 210 e 215. O primeiro, em seu § 2º, assegura às comunidades indígenas, além da língua portuguesa, “a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”, em nome do “respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (caput do art. 210). Já o § 1º do art. 215 garante a proteção do Estado às “manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.

Em consonância com a CF (BRASIL, 1988), a LDB (BRASIL, 1996) aborda explicitamente a educação escolar para indígenas em seus artigos 32 § 3º, 78 e 79 e respectivos parágrafos e incisos. O § 3º do Art. 32 reitera a garantia de utilização das línguas maternas e dos processos próprios de aprendizagem às comunidades indígenas. Já os artigos 78 e 79 dispõem sobre o desenvolvimento de programas integrados de ensino e pesquisa para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas e sobre o apoio técnico e financeiro da União aos sistemas de ensino no provimento da educação intercultural às comunidades indígenas.

Com base nessas determinações legais, são fixadas pela Resolução CNE/CEB nº 3/99 as diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas criando a categoria de escola indígena e garantindo a formação para os professores indígenas.

Elas são estabelecidas na mesma década – anos 1990 – em que são definidas políticas públicas das quais se originaram vários programas de implantação de escolas indígenas e projetos de formação de professores indígenas para atuarem nas escolas de suas aldeias (LEITE, 2010). Assim, os Magistérios Indígenas e, em seguida, as Licenciaturas Indígenas foram as primeiras iniciativas diretamente voltadas às populações indígenas no ensino superior (no caso das licenciaturas). Importante iniciativa governamental foi a criação, no início dos anos 2000, do PROLIND (Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas – PROLIND), com o objetivo de

apoiar projetos de cursos de licenciaturas específicas para a formação de professores indígenas para o exercício da docência nas escolas indígenas, que integrem ensino, pesquisa e extensão e promovam a

valorização do estudo em temas como línguas maternas, gestão e sustentabilidade das terras e culturas dos povos indígenas. (BRASIL, 2008).

A partir dos anos 2000, são instituídas outras modalidades de ações afirmativas nas IES públicas e privadas, com a inclusão de indígenas nos cursos de graduação dessas instituições. Dentre estas, as iniciativas pioneiras, de acordo com Bergamaschi; Doebber; Brito (2018) foram:

• Universidade do Estado do Paraná (Unespar) – em 2002, em atendimento à Lei Estadual nº. 13.134/2001, passa a reservar 3 vagas em todos os processos seletivos para cada universidade do Estado do Paraná, vagas estas ampliadas para 6, por força da Lei nº 14.995/2006;

• Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) institui, a partir de 2004, a reserva de 10% de vagas para indígenas, atendendo à Lei Estadual nº 2.589 de 26/12/2002;

• Universidade Federal do Tocantins (UFT) – em 2005 estabelece a reserva de 5% do total das vagas em todos os seus cursos e campi, atendendo à Resolução do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão n° 3A/2004;

• Universidade do Estado do Amazonas (UEA) – em 2005, por força da Lei Estadual nº 2894, de 31 de maio de 2004, define que haja um percentual de vagas exclusivas para estudantes indígenas, distribuídas por curso, no mínimo equivalentes ao percentual da população indígena na composição da população geral do estado do Amazonas;

• Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – em 2008 cria, por determinação da Portaria GR nº 695, de 6 de junho de 2007, uma vaga suplementar anual em cada curso de graduação presencial, bem como na educação a distância.

4.1.2 Indígenas na UFSCar: implantação da política institucional