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Detalhamento da implantação da reserva de vagas para estudantes indígenas na UFSCar

A PRESENÇA INDÍGENA NO ENSINO DE GRADUAÇÃO NA UFSCAR Emília Freitas de Lima

4.2 Detalhamento da implantação da reserva de vagas para estudantes indígenas na UFSCar

Esta seção compõe-se de três subseções, a primeira das quais é destinada a caracterizar o processo seletivo para candidatos indígenas, aí incluídos o vestibular especialmente destinado a estes candidatos e o aproveitamento de vagas restantes / remanescentes daquelas destinadas às pessoas em situação de refúgio; a segunda dedica-se a relatar ações realizadas pela ProGrad em decorrência da presença indígena na UFSCar; e a terceira analisa alguns aspectos da implantação desta política, no que concerne à instituição, aos docentes e aos estudantes indígenas.

4.2.1 Características do processo seletivo para candidatos indígenas O processo seletivo para candidatos indígenas, na modalidade “vestibular”, desde o seu início em 2008 até o ano de 2015, contava com uma avaliação específica a ser respondida em Língua Portuguesa sobre leitura e interpretação de textos, uma prova de múltipla escolha com os conteúdos do Ensino Médio, uma redação e uma prova oral para avaliar a capacidade de expressão na língua e versava sobre experiências escolares e não escolares. A princípio essa avaliação era elaborada por uma comissão da Universidade e posteriormente por especialistas da VUNESP. Entre os anos de 2008 e 2015 os candidatos oriundos de todo o país vinham à UFSCar realizar as provas do vestibular. Em 2015, a Pró- Reitoria de Graduação, recebeu a solicitação de descentralizar o vestibular para indígenas para quatro capitais do país: Cuiabá-MT,

Manaus-AM, Recife-PE e São Paulo-SP. Essa demanda partiu do Centro de Culturas Indígenas (CCI) da UFSCar, em diálogo com as coordenadorias de Ações Afirmativas e Políticas de Equidade (Caape) e de Ingresso na Graduação (CIG) da ProGrad. O objetivo da mudança era facilitar o deslocamento de candidatos de diferentes regiões do País onde há grande concentração de aldeias indígenas. Das 237 237 inscrições apenas 113 compareceram às provas, o que motivou a descentralização do processo seletivo. Implantada em 2016, compareceram às provas 275 candidatos de 16 Estados do País, dos quais 59 passaram a ser estudantes da UFSCar, totalizando 143 estudantes indígenas de 39 etnias na Instituição.

Outra solicitação feita pelo Centro de Cultura Indígena foi o aproveitamento de vagas ociosas do ingresso para pessoas em situação de refúgio. Embora a instituição oferecesse 65 opções de cursos para refugiados, apenas 2 ou 3 vagas eram preenchidas anualmente, restando aproximadamente 62 vagas sem serem ocupadas. A forma encontrada para o preenchimento dessas vagas restantes foi a utilização da nota de candidatos indígenas que tivessem feito o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e que desejassem concorrer a uma dessas vagas.

Os dados fornecidos pela Coordenadoria de Ingresso na Graduação (CIG) sobre o ingresso de estudantes indígenas demonstra uma verdadeira ampliação na busca pelos cursos dessa Universidade em suas doze edições (2008 -2019), destacando as alterações feitas em 2015 para acesso em 2016.

Essa ampliação do acesso ao Ensino Superior marcou uma transformação significativa na Universidade, não só numérica, mas em diversidade cultural, com a qual a instituição e todo seu entorno se viu diante de novos desafios. Um exemplo é a diversidade étnica e cultural que fez da UFSCar uma das Universidades brasileiras com maior número de indígenas falantes de línguas diferentes. Em 2016, a Pró- reitoria autorizou uma pesquisa sobre a diversidade de Línguas Indígenas presentes na UFSCar, que foi concluída em 2017. Essa investigação tinha como meta mapear a diversidade linguística dos estudantes indígenas da Universidade. Para isso o pesquisador realizou a coleta de dados junto à Coordenadoria de Ingresso na Graduação e ao Centro de Culturas Indígenas (CCI) analisando o Questionário Socioeducacional preenchido para inscrição no Vestibular para Indígenas. Após a análise de dados concluiu que os 131 estudantes ativos em 2016 (com ingresso entre 2010 e 2016), eram de 36 povos e 17 línguas diferentes, demonstrando a enorme diversidade dentro da universidade.

Outro dado relevante é o de que, em 2017, a Universidade recebeu 747 inscrições de 73 povos indígenas diferentes. Fica evidente que não se pode pensar no ingresso dos estudantes indígenas como algo uniforme, desprovido de uma riqueza imensa sobre a realidade nacional. Infelizmente predominava no âmbito dos diferentes cursos uma construção estereotipada de que coletivo de estudantes indígenas da Universidade era um bloco monolítico, logo não haveria especificidade étnica e cultural.

Desde o início da implantação da política em 2008, até 2012, o próprio coletivo de estudantes indígenas se organizou e fundou o Centro de Cultura Indígena (CCI) da UFSCar, que não só criou uma instância de acolhimento para toda a diversidade, mas também de questionamentos e ações para garantir seus direitos tanto para ampliação do acesso como para a permanência Institucional. O CCI, junto com a Coordenadoria de Ação Afirmativa e outras Políticas de Equidade (CAAPE-Prograd) passou a ser a referência para os estudantes indígenas tanto para o acesso, quanto para a permanência estudantil indígena.

4.2.2 Ações da ProGrad com relação à presença indígena na UFSCar Tanto o crescimento da reserva de vaga para a implantação do Programa de Ações Afirmativas de 30 para 50% até 2014, como a ampliação das vagas para os estudantes indígenas levaram a uma reestruturação da Pró-reitoria como um todo, bem como da Coordenadoria de Ações Afirmativas e outras Políticas de Equidade.

Até aquele momento o setor contava com uma pedagoga com função de Técnica em Assuntos Educacionais e uma coordenadora para o atendimento da demanda total do Programa de Ações Afirmativas, que com o auxílio do Grupo Gestor do Programa de Ações Afirmativas (GGPAA) faziam a gestão para a implantação do Programa. Embora o destaque desse capítulo seja a presença indígena, a demanda de trabalho incluía todos os estudantes ingressantes por reserva de vagas, por meio de processos seletivos diferenciados (indígenas e refugiados) e convênios (PEC-G, Pró-Haiti).

Institucionalmente parecia haver uma confusão sobre o papel da Coordenadoria Ações Afirmativas e Políticas de Equidade (CAAPE) da ProGrad que recebia solicitações de várias naturezas: regularização de vistos de estudantes estrangeiros da pós-graduação, busca de consultas médicas para estudantes indígenas, apoio a evento LGBT, denúncias de várias naturezas. Um investimento fundamental no período foi o reforço à equipe da Coordenadoria, com a contratação de um Assistente Administrativo e uma Pedagoga, que vieram se somar à Técnica em Assuntos Educacionais que já atuava na Ações Afirmativas.

Diferentes normativas nacionais e locais fundamentaram a argumentação da criação de uma Secretaria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade, vinculada à reitoria, de modo a atender um público que não se limitasse às demandas da graduação, por ser direito de todos: estudantes de graduação e pós-graduação, docentes e técnicos, bem como a população da cidade. São as seguintes as normativas legais:

a) Leis: nº 9.394/1996; n° 9.795/1999; nº 10.639/2003; nº 10.861/2004; nº 11.645/2008; n° 12.764/2012; nº 12.711/2012; nº 13.005/2014.

b) Decretos e Resoluções do CNE: n° 4.281/2002; nº 5.296/2004; nº 5.626/2005 ; nº 7.611/2011; Resolução n° 1, de junho/2004 ; Resolução CP/CNE n°2 de 15/06/2012.

c) Outras: Portaria nº 3.284/2003; Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (EDH) ; Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT (2009) ; Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI.

Com base nesse aparato legal foi composto o documento inicial para a elaboração da Proposta da Secretaria cuja finalidade era de estabelecer e implementar as Políticas de Ações Afirmativas, diversidade, equidade e avaliar as ações institucionais, que não eram possíveis de serem realizadas apenas no escopo do ensino de graduação. A ideia era que a Secretaria atendesse as demandas da Universidade como um todo no que diz respeito às Relações Étnico- raciais, aos Direitos Humanos e Inclusão, Diversidade e Gênero. Uma vez criada a Secretaria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade foi possível reestruturar as ações voltadas para os estudantes de graduação realizadas pela CAAPE:

- Acompanhamento pedagógico dos estudantes de graduação; - Assessoria a docentes e às coordenações de curso;

- Análise de dados relativos à permanência e ao desempenho de estudantes;

- Promoção de ações e projetos para a educação das relações étnico-raciais;

- Outras ações de apoio à implementação das ações afirmativas. No acompanhamento pedagógico, os esforços ficaram voltados prioritariamente aos estudantes ingressantes por reserva de vagas, processos seletivos diferenciados (indígenas e refugiados) e convênios (PEC-G, Pró-Haiti). Ao mesmo tempo em que houve o crescimento do acesso ao Ensino Superior, também foi possível viabilizar algumas ações entre a CAAPE, desde 2014 – voltadas ao Acompanhamento de Ações Pedagógicas para Estudantes – e o CCI. No caso desse capítulo, destacamos apenas algumas ações conjuntas entre a Coordenadoria e o Centro de Cultura Indígena. Apenas para ilustrar, destacamos três ações:

a. I ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDANTES INDÍGENAS (I ENEI) O “I Encontro Nacional de Estudantes indígenas: metas e desafios no caminho do ensino superior” ocorreram na Universidade Federal de São Carlos, de 02 a 06 de setembro de 2013. Participaram 27 universidades, em sua maioria federais, 4 estaduais e uma confessional. Além dessas universidades estiveram presentes um representante da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC), da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Prefeitura Municipal de Dourados e Instituto de Psicologia da USP e 51 etnias. Ao final do evento os organizadores enviaram um relatório para o Ministério da Educação e para a SECADI com indicações escritas pelos participantes e organizadores do evento. Estiveram presentes por volta de 400 (quatrocentas) pessoas, entre profissionais, lideranças indígenas, estando representados no evento 51 povos. A iniciativa do evento foi dos 77 estudantes indígenas da UFSCar, provenientes de todo território nacional, que se organizaram pelo Centro de Cultura Indígenas (CCI) entre o final de 2012 e início de 2013. É importante enfatizar que esse evento teve como prioridade a composição das mesas por indígenas, suas lideranças, formadores e profissionais dessas áreas. A finalidade não era seguir os moldes acadêmicos, mas ser concebido de modo a refletir sobre suas dificuldades, preocupações e situações vividas nas universidades públicas. Contou com 5 mesas, tal como estava na Programação do Evento:

“Mesa 1: AS AÇÕES AFIRMATIVAS E OS POVOS INDÍGENAS Objetivo: Discussão das políticas de inclusão dos povos indígenas no nível superior através dos Programas de Ações Afirmativas, o processo de exclusão vivido pelos povos indígenas no que se refere às Políticas Públicas e que justifica as Ações Afirmativas. A importância da formação de indígenas, os ganhos e perdas com a formação em cursos regulares e não-específicos para indígenas e os desafios enfrentados pelos alunos.