• Nenhum resultado encontrado

2.1 Propósitos da Auditoria

2.1.3 Auditoria Independente como Suporte à Supervisão Bancária

Bancos são entidades peculiares, por serem vulneráveis a uma “corrida bancária” – situação em que os depositantes podem exaurir as contas da instituição, por saques excessivos e imprevistos – se opiniões adversas sobre eles forem divulgadas para o mercado de capitais e depositantes (OJO, 2006). Por outro lado, um problema de insolvência pode gerar consequências em cadeia para os demais bancos e outros segmentos econômicos, como verificado na crise global de 2008. Dadas essas peculiaridades, a confiança e a credibilidade no funcionamento do sistema e nas informações assume particular importância.

Para assegurar esse ambiente de confiança, destacam-se os papéis desempenhados pelos órgãos reguladores/supervisores e pelos auditores externos, embora sirvam a interesses distintos (MILLIET, 2006; OJO, 2008; ICAEW, 2010). O regulador trabalha no intuito de salvaguardar a estabilidade financeira e os interesses dos investidores, enquanto o auditor serve aos interesses privados dos shareholders de uma companhia. De qualquer forma, como os reguladores atuam no sentido de forçar os bancos a produzirem informações abrangentes e adequadas sobre as suas atividades, os auditores assumem papel relevante nesse processo (BARTH; CAPRIO JR; LEVINE, 2001-b). Para Douthett Jr, Duchac e Warren (2001), embora supervisores e auditores tenham papéis distintos, podem cooperar no sentido de assegurar a credibilidade da informação financeira do banco e a sobrevivência e solidez da instituição no longo prazo. Esse também é o entendimento externado pelo Comitê de Basiléia e pela IFAC (BCBS, 2002), em documento conjunto elaborado com informações e orientações de como o relacionamento entre eles pode ser fortalecido, com vantagens mútuas.

Isso se justifica pelo fato de que as demonstrações financeiras dos bancos são acompanhadas pelos supervisores e revisadas pelos auditores externos. Em essência, se espera que a opinião do auditor leve credibilidade às informações e contribua para a confiança no sistema bancário. A esse respeito, o BCBS (2008) destaca quatro áreas de maior preocupação ou interesse quanto à atuação dos auditores no suporte ao processo de supervisão:

a) A necessidade de se confiar cada vez mais na expertise e no julgamento dos auditores, devido a questões como: (i) implementação de normas contábeis baseadas em princípios e a complexidade crescente de normas baseadas em regras; (ii) instrumentos financeiros e transações bancárias cada vez mais complexos; (iii) julgamentos relevantes em relação à provisão de perdas nos empréstimos, ao reconhecimento de impairments, à consolidação e aspectos off-balance sheet, às estimativas de fair value, às imprecisões relacionadas a instrumentos financeiros ilíquidos ou complexos e ao disclosure de metodologias de avaliação e exposição a risco; e (iv) normas éticas e de auditoria elaboradas para o conjunto de companhias auditadas, não incluindo requerimentos específicos para bancos. b) A necessidade de auditorias de alta qualidade para aumentar a confiança do mercado,

particularmente em tempos de maior stress, devido às seguintes questões (observadas na crise de 2008): (i) os desafios na avaliação de instrumentos financeiros complexos e/ou ilíquidos; (ii) a deficiência de informação transparente por parte dos bancos e dos sistemas financeiros de forma geral; (iii) a existência de normas que não estipulam orientações claras para consolidação, desreconhecimento (baixa) e re-consolidação de operações off-balance sheet, levando a práticas contábeis inconsistentes.

c) A necessidade de os supervisores acreditarem em auditorias para complementar os processos de supervisão, presumindo-se que: (i) como grande parte dos ativos bancários do mundo são auditados, auditorias contribuem para a solidez do sistema e a estabilidade financeira; (ii) os auditores podem prover uma advertência preliminar para questões relacionadas à supervisão; (iii) a informação financeira auditada é relevante no processo de supervisão bancária, contribuindo para sua eficiência.

d) As principais firmas de auditoria têm atuação global, mas não são geridas globalmente, têm estruturas complexas e possuem deficiência de transparência em seus processos de governança.

Para Douthett Jr, Duchac e Warren (2001), se os supervisores acreditam no trabalho dos auditores, podem confiar mais nas demonstrações, concentrando seus esforços na avaliação dos controles da administração e dos resultados financeiros. Outro aspecto a ser considerado, de acordo com Lau (2001), é que a auditoria é parte de uma resolução eficiente

de restrição de custos, tendo em vista que bancos com maior custo regulatório tem um incentivo ex-ante para contratar auditorias percebidas como de alta qualidade. Douthett Jr, Duchac e Warren (2001) também afirmam que a escolha de um auditor de alta qualidade sinaliza para o regulador maior efetividade do controle da administração, maior confiança na avaliação de seus ativos e passivos e maior confiança e competência da gestão.

Fernández e Gonzáles (2005) sintetizam a importância da divulgação financeira e dos requerimentos de auditoria para uma maior transparência nos sistemas bancários, por encorajarem a disciplina de mercado e servirem de instrumento para os reguladores e supervisores. De acordo com Ojo (2008), a extensão do papel dos auditores externos no processo de supervisão bancária depende da natureza e ambiente do supervisor nacional. Se a supervisão é exercida essencialmente por meio de inspeções diretas, o papel do auditor é mínimo. Se, no entanto, a supervisão também utiliza o monitoramento indireto das instituições, quer por estratégia ou por limitação de recursos, os auditores independentes assumem papel muito relevante, possibilitando julgamentos mais efetivos sobre os bancos.

O mais comum é a utilização de modelos que combinam a realização de inspeções diretas com a análise indireta das demonstrações, como é o caso do Brasil. Segundo o BCBS (2002), dada a complexidade dos sistemas bancários, inspeções diretas demandam cada vez mais recursos, o que tem levado supervisores à necessidade de maior confiança nas informações, sendo a ação do auditor essencial para esse fim. Para o Comitê, a supervisão efetiva requer a coleta e a análise de informações sobre os bancos supervisionados para checar a aderência aos requerimentos prudenciais. O monitoramento indireto pode identificar potenciais problemas, particularmente entre os intervalos de supervisões diretas, permitindo a identificação prévia e a ação corretiva antes que se tornem sérios. A efetividade dessas ações de monitoramento depende, essencialmente, da possibilidade de validação dessas informações, o que pode ser feito nas inspeções in loco ou com o uso dos auditores externos.

Como exemplo da importância da auditoria para a supervisão bancária, pode ser destacado o estudo de Barth, Caprio Jr. e Levine (2001-a, updated 2008), periodicamente atualizado pelo Banco Mundial, com pesquisa realizada com autoridades supervisoras e regulatórias em todos os continentes, cobrindo aspectos do sistema financeiro de cada país, entre os quais requerimentos relacionados especificamente à auditoria independente. Na Tabela 1 é apresentada a síntese dos resultados, com destaque para a situação brasileira.

Tabela 1: Consolidação das respostas sobre auditoria na pesquisa Bank Regulation and Supervision QUESTÃO % de atendimento aos requerimentos Resposta do Brasil aos requerimentos 2000 2003 2007 2000 2003 2007 Nº de países respondentes 118 151 143

1 - A auditoria externa é uma obrigação compulsória para os

bancos? 97,5% 99,3% 99,3% Sim Sim Sim

1.1 – As práticas de auditoria estão de acordo com as normas

internacionais de auditoria? 95,1% Sim

1.2 – É requerido pelo regulador que as auditorias nos

bancos sejam divulgadas publicamente? 75,4% Sim 2 - Há requerimentos específicos sobre a extensão e a

natureza dos relatórios da auditoria? 66,9% 80,1% 85,0% Sim Não Sim 3 - Os auditores são licenciados ou certificados? 94,9% 98,0% 97,2% Sim Sim Sim 4 - O supervisor recebe uma cópia do relatório de auditoria? 97,5% 100,0% 97,9% Não Sim Não 5 - O supervisor tem o direito de se encontrar com auditores

externos para discutir seus relatórios sem a aprovação do banco?

72,0% 80,1% 90,8% Sim Sim Sim 6 - Os auditores são obrigados a comunicar ao supervisor

qualquer envolvimento de diretores ou de membros do conselho em atividades ilícitas, fraudes ou abusos?

59,3% 70,9% 83,3% Sim Sim Sim 6.1 – Os auditores são obrigados a comunicar ao supervisor

qualquer outra informação descoberta em uma auditoria que possa comprometer a saúde de um banco?

85,5% Sim

7 - O supervisor pode tomar ações legais contra auditores

externos por negligência? 52,5% 60,3% 59,9% Sim Sim Sim 8 - Foram adotadas ações legais contra auditores nos últimos

cinco anos? 13,6% 24,5% 13,8% Sim Sim Sim

Fonte: Barth, Caprio Jr. e Levine (2001-a, updated 2008).

A análise temporal revela, de forma geral, um crescimento ou certa estabilidade no atendimento aos requisitos ao longo dos períodos examinados. A exceção é quanto à adoção de ações legais contra auditores nos últimos cinco anos - após um crescimento no ano de 2003, em relação a 2000, voltou-se ao estágio inicial em 2007. Uma possível justificativa para esse comportamento pode ser o ambiente pós-Enron em 2003, com profundas desconfianças em relação aos auditores, que pode ter influenciado a adoção de ações legais contra eles.

Dos requerimentos, os mais difundidos, particularmente em relação à data-base mais recente, são: a obrigação compulsória da auditoria externa para os bancos (99,3%); a exigência de que uma cópia do relatório de auditoria seja entregue ao supervisor (97,9%); e a necessidade de que os auditores sejam licenciados ou certificados (97,2%). No outro extremo, os que têm a menor adesão são: a adoção de ações legais contra auditores nos últimos cinco anos (apenas 13,8%); a possibilidade de o supervisor adotar ações legais contra os auditores

por negligência (59,9%); e a exigência da divulgação pública das auditorias (75,4%).

No que se refere à situação brasileira, das onze questões pesquisadas na data-base 2007 foram atendidas dez delas. A única resposta negativa foi para a obrigação do envio de uma cópia do relatório de auditoria para o supervisor. A norma brasileira determina que o banco e o auditor devem preservar os resultados da auditoria, para apresentação ao regulador, quando solicitado. Chama a atenção o fato de que entre os 143 países pesquisados naquele ano, apenas Brasil, Jersey e Estados Unidos – 2,1% do total – não fazem esse requerimento.

Por fim, cabe ressaltar as afirmações de Goulart (2007) que, ao tratar especificamente da possibilidade de gerenciamento de resultados pelas instituições bancárias, demonstra o papel de complementariedade das ações de auditores e supervisores. Para o autor, ambos são instrumentos relevantes para evitar a má utilização da discricionariedade na aplicação das normas e princípios contábeis. Como exemplo, cita o fato de as normas estabelecerem requerimentos para a mensuração do valor justo de títulos e valores mobiliários, com o propósito de mitigar a discricionariedade dos administradores das instituições, mas sua efetividade depende, fundamentalmente, das ações desenvolvidas pelos auditores e supervisores para garantir a adoção de boas práticas. É mais uma afirmação que reforça o papel que os auditores podem e devem desempenhar no suporte à supervisão bancária.