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2.2 Qualidade da Auditoria

2.2.1 Qualidade “Real” versus Qualidade “Percebida”

Dang (2004) classifica as proxies para qualidade de auditoria em dois grupos de métricas: as que procuram refletir a qualidade “real” da auditoria; e as que sintetizam a qualidade da auditoria “percebida” pelos agentes de mercado.

a) Métricas de Qualidade “Real” da Auditoria

Inicialmente é preciso ressaltar que “qualidade real” não pode ser entendida de forma absoluta. Se assim fosse, não fariam sentido afirmações quanto à dificuldade ou impossibilidade de se mensurar a qualidade da auditoria. O termo é utilizado pelo fato de a proxy ser mensurada a partir de informações ex post, indicativas de que ocorreram problemas em relação a determinada demonstração. Entre os fatores ex post citados na literatura para se estimar a qualidade da auditoria, destacam-se os relacionados no Quadro 1.

Quadro 1: Métricas utilizadas como proxies da qualidade “real” de auditoria

Métrica e pressuposto Exemplos de estudos (*) Determinação de refazimento das demonstrações: se o

regulador determina o refazimento, é evidência de distorções materiais que deveriam ter sido corrigidas pelo auditor.

Dang (2004); Braunbeck (2010).

Republicação voluntária das demonstrações: se a empresa republica suas demonstrações, é porque constatou distorções materiais que deveriam ter sido detectadas pelo auditor.

Dang (2004)

Litígios contra o auditor – ações judiciais e penalidades administrativas: se o auditor é questionado, é evidência de que falhas foram cometidas no exercício da atividade.

Palmrose (1988); Dang (2004); Braunbeck (2010).

Falhas de auditoria: se empresas que faliram não receberam modified opinion dos auditores previamente.

Geiger e Raghunandan, 2002; Gunny e Zhang (2009).

(*) Incluídos os casos em que a métrica é usada como componente para a apuração de um indicador de qualidade, a partir da combinação com outros fatores.

Entre os estudos que utilizaram esse tipo de métrica é comum o desenvolvimento de construto específico a partir de diversos fatores ex-post. Dang (2004), por exemplo, combinou informações sobre as determinações de refazimento de demonstrações pela Securities and Exchange Commission SEC, as republicações voluntárias e as ações litigiosas contra os auditores. Braunbeck (2010), por sua vez, elaborou uma medida síntese, a partir de oito questões representativas de fatores ex post: a determinação, pela CVM, de republicação das demonstrações; a ocorrência de processo administrativo sancionador contra o auditor; a demora na emissão do parecer; a constatação de insolvência da empresa sem que o parecer anterior sinalizasse tal situação; o nível de rigor na emissão do parecer nos primeiros e nos últimos anos de contrato; entre outros.

O pressuposto para o uso dessas variáveis na estimação da qualidade da auditoria é que a própria ocorrência desses fatores seria indício de que o auditor não cumpriu apropriadamente o seu papel. Se as demonstrações estão sendo reelaboradas – voluntariamente ou por determinação do regulador – ou se o auditor está sendo questionado administrativa ou judicialmente, é evidência de que havia distorção material nas informações financeiras atestadas.

Particularmente em relação à métrica de litígios contra o auditor, cabe ressaltar que deve ser entendida de forma distinta do chamado risco de litigância, medida também utilizada na literatura de qualidade de auditoria - como em Heninger (2001) e Pae e Yoo (2001). O risco de litigância é uma medida ex ante da probabilidade de o auditor vir a ser questionado futuramente sobre sua atuação em uma auditoria corrente, podendo os litígios atuais serem usados como insumo para se inferir a probabilidade de ocorrer no futuro. No caso da medida ex post, os questionamentos judiciais ou penalidades administrativas são encarados como evidências de falhas de auditoria que ocorreram no passado.

Embora autores como Dang (2004) defendam que medidas ex post representam mais apropriadamente os problemas de auditoria do que as medidas que captam a percepção da qualidade, essas métricas também apresentam limitações, como as relacionadas a seguir, que justificam a não adoção delas como parâmetro de qualidade no presente estudo:

• como são medidas verificáveis apenas posteriormente, não conseguem capturar evidências que sirvam para se estimar a qualidade da auditoria contemporaneamente;

baixa qualidade – demonstrações financeiras materialmente distorcidas, se não descobertas pelos órgãos reguladores ou se não voluntariamente assumidas como tal pela própria empresa são tratadas como evidências de auditoria de alta qualidade;

• uma mesma auditoria pode ser tratada como de alta ou de baixa qualidade, dependendo do momento em que o estudo é realizado – se antes ou após uma republicação ou litígio -, o que compromete a confirmação dos resultados obtidos em uma pesquisa; e

• nem sempre é possível identificar a relação de causa e efeito nessas medidas - uma determinação de republicação, por exemplo, pode ser decorrente de uma ressalva do auditor, ou seja, a atuação desse é que induziu a ação do órgão regulador.

b) Métricas de Qualidade “Percebida” da Auditoria

Embora vários trabalhos procurem mensurar a qualidade “real” da auditoria, com medidas ex post, o que tem prevalecido na literatura, desde DeAngelo (1981), são as métricas que procuram captar a qualidade “percebida” da auditoria. Uma das principais razões para essa prevalência é o fato de procurar estimar a qualidade da auditoria no momento em que foi realizada, considerando que, objetivamente, a qualidade efetiva não é uma variável observável – só constatada em processo de verificação in loco. Nesse caso, as medidas mais comumente utilizadas como parâmetros de qualidade da auditoria são as relacionadas no Quadro 2.

Quadro 2: Métricas utilizadas como proxies de qualidade “percebida” de auditoria

Métrica e pressuposto Exemplos de estudos

Tamanho do auditor (big-N, volume de receitas, número de clientes): firmas de auditoria de maior porte tem mais competência técnica para a identificação de distorções materiais e independência para relatar esses problemas.

DeAngelo (1981); Teoh e Wong (1993); Hogan (1997); Becker et al. (1998); Lennox (1999); Bauwhede, Willekens e Garremynch (2000); Krishnan e Gul (2002); Krishnan (2003); Kim, Chung e Firth (2003); Jhol, Jubb e Houghton (2003); Dang (2004); Ebrahim (2004); Khurana e Raman (2004); Gu, Lee e Rosett (2005); Kim, Song e Tsui (2007); Souza (2007); Behn, Choi e Kang (2008); Beneish, Billings e Hodder (2008); Autore, Billingsley e Schneller (2009); Kanagaretnam, Krishnan e Lobo (2009); Francis e Yu (2009); Chang, Dasgupta e Hilary (2009); Carlin e Victor (2010); Shen, Tseng e Chang (2010); Kanagaretnam, Krishnan e Lobo (2010); Keasey (2011); Zagonov (2011). Especialização do auditor: o maior

conhecimento do negócio de determinada indústria aumenta a capacidade do auditor em identificar as impropriedades da divulgação financeira.

Jhol, Jubb e Houghton (2003); Behn, Choi e Kang (2008); Chambers e Payne (2008); Romanus, Maher e Fleming (2008); Beneish, Billings e Hodder (2008); Kanagaretnam, Krishnan e Lobo (2009); Shen, Tseng e Chang (2010); Kanagaretnam, Krishnan e Lobo (2010).

Coeficiente de resposta do preço das ações aos resultados contábeis: indicador de confiança do mercado na informação divulgada, o que reflete, por dedução, a confiança na auditoria.

Teoh e Wong (1993); Krishnan e Gul (2002); Ghosh e Moon (2005); Braunbeck, 2008).

Erros nas projeções dos gestores ou dos analistas: indicador de que a ação dos auditores

limitou as eventuais manobras da administração para alcançar os resultados pretendidos.

(2009).

Até pelo pioneirismo de DeAngelo (1981), ao concluir que a qualidade das auditorias tinha relação com o tamanho das firmas, considerando que a proporção das receitas que o auditor recebe de um cliente particular o torna menos objetivo em relação às demandas da administração, comprometendo o ceticismo e potencializando o risco de auditoria, muitos estudos passaram a usar o tamanho da auditoria (big-N versus não big-N) como proxy de qualidade10. Grande parte desses estudos indica que o tamanho da firma de auditoria é associado com menos informações assimétricas e maior qualidade da informação.

Não obstante o grande número de estudos com essas proxies, em particular os que usam a variável dicotômica big-N, encontrando evidências de que o tamanho da firma é associado com informações menos assimétricas e de maior qualidade, permanecem discussões sobre a sua capacidade de capturar a efetiva qualidade dos trabalhos de auditoria. Dang (2004), por exemplo, argumenta que falhas de auditoria reveladas em casos como os da Enron, Waste Management e WorldCom lançam dúvidas quanto à relação positiva entre tamanho e qualidade da auditoria. Outro problema é que, ao utilizar variáveis dicotômicas como proxy para qualidade de auditoria, segundo Dang (2004), pressupõe-se dois pressupostos problemáticos de serem assumidos deterministicamente: o primeiro é que a firma realiza os seus trabalhos de auditoria, para diferentes clientes e em diferentes períodos de tempo, com o mesmo nível de qualidade; e o segundo é que a qualidade entre um grupo de auditores - big-N ou não big-N, por exemplo - é homogênea.

Outro questionamento à utilização de proxies ex-ante, em particular o tamanho da firma, é apresentado por Lawrence, Minutti-Meza e Zhang (2011), ao examinarem se as diferenças em três medidas de qualidade da informação contábil - accruals discricionários, custo de capital próprio ex-ante e precisão na projeção dos analistas – entre auditorias big four e não big four pode ser um reflexo das características dos respectivos clientes. Os pesquisadores constataram que os efeitos de o auditor ser ou não big four são insignificantes, indicando que as diferenças entre os dois grupos são determinadas de forma mais relevante pelas características dos clientes, em particular o seu tamanho.

Por críticas e limitações como essas, as métricas ex-ante também não serão utilizadas no presente estudo como referência para a definição da qualidade da auditoria.

10

Pesquisas mais recentes, como Francis e Yu (2009), testam não o tamanho da firma (big-N), mas o tamanho do escritório como referência de qualidade. O pressuposto é exatamente o mesmo, ou seja, os maiores escritórios de determinada firma de auditoria proveem auditorias de maior qualidade, devido à presumível maior capacitação dos profissionais do próprio escritório em relação aos de menor porte.