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LC nas aulas de inglês da escola funciona? Como? Quem disse? Discussão final dos

Uma vez que cada atividade foi analisada separadamente, vejamos agora o que pôde ser concluído tendo-se por base os objetivos propostos no presente trabalho. Buscarei responder às perguntas propostas no título desta seção, baseando-me nos resultados das análises de cada uma das atividades propostas na perspectiva da turma, da professora e de minhas notas de campo.

Primeiramente, foi possível observar, a partir das respostas dos alunos e da professora sobre as atividades propostas, que essas constituíram um primeiro passo em direção à promoção da cidadania dos alunos, haja vista que os temas trabalhados estavam diretamente ligados a questões sociais e políticas constantes no dia a dia dos alunos. Nesse sentido, o letramento crítico, conjunto de teorias que fundamentaram as três atividades trabalhadas na turma D, parece ter tido um papel importante no desenvolvimento da criticidade e da mudança de paradigma dos alunos, de forma a conscientizá-los sobre o que acontece ao redor do mundo e o impacto de suas ações na transformação de sua própria realidade. Conforme salienta Crookes (2013),

[o] ensino crítico de línguas emerge da interação de teorias e práticas que envolvem o aprendizado de uma língua, desenvolvimento e ação por parte dos alunos, direcionado a melhorar aspectos problemáticos de suas vidas, como vistos de uma perspectiva crítica sobre a sociedade. Ele se aplica tanto imediatamente (isto é, poderia referir-se à presente situação dos aprendizes, dentro ou fora da escola), quanto a longo prazo (isto é, deveria envolver a participação ativa dos aprendizes enquanto cidadãos em processos democráticos pela mudança social visando à equidade e à justiça para todos). (p. 8)

Percebe-se, a partir das palavras de Crookes (2013), que as atividades constituíram um esforço no sentido de envolver diretamente os alunos na busca pela justiça social e pelo exercício de sua cidadania. Felizmente, na visão dos alunos e da professora participante, o ensino crítico da língua inglesa, a partir de atividades elaboradas à luz do letramento crítico, criou oportunidades para um aprendizado que extrapolou o aspecto linguístico, visando à transformação da maneira de pensar desses alunos sobre quem eles são e o que podem fazer por si mesmos e pela sua comunidade.

É importante ressaltar que o caráter localizado – e consequentemente subjetivo – da pesquisa reflete-se em seus resultados, também localizados e subjetivos. Ainda assim, esses resultados mostram que a utilização do letramento crítico em aulas de língua inglesa pode contribuir efetivamente para a aproximação entre os alunos e a disciplina, atribuindo relevância ao processo de aprendizagem da língua. Além disso, conclui-se que é possível aliar o conteúdo programático apresentado no livro didático a questões que permeiam o cotidiano dos alunos, a partir de brechas no material que, segundo Duboc (2012), devem ser encontradas pelo próprio professor.

Por último, observa-se o papel primordial do professor na condução de suas aulas. Conforme pontuado anteriormente neste trabalho, cabe ao professor fazer da atividade um meio para que os objetivos estabelecidos para a aula sejam cumpridos de forma efetiva. Segundo Siqueira

(2011), ainda que as escolas ofereçam aulas de inglês cada vez mais cedo, problemas como a falta de um conteúdo programático adequado às necessidades dos alunos, a formação precária dos professores de inglês que ingressam nas escolas públicas e o discurso docente sobre a incapacidade dos alunos contribuem para a reprodução de um modelo de ensino fadado ao fracasso, que só está ali para “cumprir tabela”, sem resultados positivos. Compreende-se, dessa forma, que sem planejamento e sem uma atitude do professor que estimule os alunos a pensarem criticamente, o melhor material didático, por si só, provavelmente não fomentará reflexões profundas a ponto de gerar mudanças internas e semear atitudes conscientes de participação e transformação interior a curto e longo prazo.

Observa-se, assim, que a mudança de paradigma incitada pelas atividades de letramento crítico propostas acarretou em reflexões tanto por parte dos alunos quanto por parte da professora participante no sentido de fomentar a necessidade de aulas que compreendam a realidade dos alunos, e que possam constituir oportunidades para o desenvolvimento de sua capacidade crítica, visando à sua transformação social.

5 Sugestões para pesquisas futuras: possibilidades de transformação?

A presente seção enfoca as informações obtidas nesse estudo no que diz respeito a possibilidades de transformação das aulas de língua inglesa na sala de aula observada, partindo-se de comentários tanto dos alunos quanto da professora acerca de um trabalho que compreenda novos espaços físicos, novas dinâmicas e novos temas a serem trabalhados nas aulas de língua inglesa, visando a possibilitar uma participação mais ativa e concreta dos alunos e a consequente relevância do idioma para eles.

As possibilidades de transformação das práticas escolares foram baseadas em relatos dos discursos docente e discente, ressaltando interseções e discordâncias entre esses dois discursos. A decisão partiu das informações obtidas principalmente na entrevista final com a professora participante e no grupo focal com os alunos, que considerei de extrema relevância no que diz respeito a mudanças possíveis na realidade escolar dos participantes dentro das aulas de língua inglesa.

O primeiro ponto interessante considerando-se o paradoxo estabelecido entre atividades desejadas x trabalhadas, observado tanto nos relatos dos alunos quanto nas observações da professora e pontuado nos momentos anteriores da análise, diz respeito aos temas propostos nas atividades de LC desenvolvidas para a pesquisa. Ao refletir sobre as três atividades em conjunto, a professora menciona em sua entrevista o envolvimento dos alunos, como ilustra o trecho a seguir:

Achei que muitos alunos se envolveram bastante nas discussões. Eles tiveram a oportunidade de se expressar, de discutir com seus colegas sobre as diferentes formas de protestos pacíficos como charges, músicas e discursos.

Além de considerar que as atividades constituíram uma oportunidade para os alunos expressarem suas opiniões, Ana mencionou o fato de os alunos “experimentarem um modelo de aula diferente em um ambiente diferente da sala de aula”, além dos assuntos tratados, que foram relevantes para eles. Considerando tais evidências acerca dos benefícios trazidos pela integração de tais práticas às suas aulas, surge a pergunta: o que falta para que a professora perpetue esse trabalho? Será que mais tempo para o planejamento das atividades? Conhecimento teórico ou até mesmo prático sobre o estabelecimento de objetivos e passos a serem cumpridos em cada aula? De acordo com Miccoli (2011),

[q]uando se é professor, o dia não começa na hora da aula nem termina quando o sinal toca. Um professor consciencioso terá preparado sua aula com antecedência, para poder oferecer aos estudantes um tempo de aula produtivo e prazeroso. E depois da aula, seguramente, terá que dar assistência a alguns alunos, participar de reuniões, ler trabalhos, elaborar e corrigir trabalhos ou provas, dar notas, criar projetos e, talvez, até ligar para alguns pais. Enfim, a lista pode ser maior, dependendo do contexto de ensino, mas uma coisa é certa, tudo isso será um sacrifício para aquele professor sem compromisso com a excelência de sua profissão. Para o professor comprometido, será uma parte importante de seu trabalho. (p. 175)

Em outras palavras, ser professor não é tarefa para qualquer um, e as tarefas da profissão existem como em qualquer outro trabalho. Ao escolher seu ofício, o professor, assim como o médico ou o engenheiro, precisa estar preparado para a realidade que vai enfrentar; precisa estar disposto a cumprir seu papel de educador e transformar seu entorno com alegria e coragem.

A questão aulas desejadas x trabalhadas estende-se a outro ponto – o uso do português em sala de aula. Vimos que, na perspectiva dos alunos, o uso do inglês nas aulas representa algo negativo, devido à sua baixa proficiência no idioma. Entretanto, eles mencionaram no grupo focal que estariam abertos a práticas que integrassem gradualmente o idioma às aulas. Já a professora disse não acreditar que aulas de inglês possam ser ministradas no idioma; como consequência, os aspectos linguísticos das atividades não foram enfocados. A questão é: como, então, mudar essa realidade de forma que os alunos possam realmente desenvolver habilidades de produção em língua inglesa e, ao mesmo tempo, de forma que a professora acredite nessa possibilidade e com isso tente realizar esse trabalho? Seria possível uma negociação com os alunos visando a um planejamento que preveja o uso do inglês em sala de aula? Freire (2013) alerta para a necessidade de que a relação entre alunos e professores seja, de fato, educativa e dialógica, e explicita, ao falar sobre a alfabetização de adultos no Brasil, que as decisões em torno das práticas escolares devem ser construídas a partir de diálogos entre professores e educandos. Dessa forma, cabe ao professor viabilizar esse diálogo, a fim de construir um currículo escolar mais coerente com as experiências, necessidades e perspectivas dos alunos.

A última questão que surgiu com a diferença entre aulas desejadas e aulas ministradas, conforme observado neste estudo, é ilustrada em um trecho da entrevista da professora sobre a possível contribuição das atividades propostas para sua prática pedagógica:

A contribuição foi no sentido de atender aos anseios dos alunos por aulas diferentes e mais dinâmicas que favoreçam mais ainda a oportunidade deles de se expressarem.

Aqui, Ana menciona os anseios dos alunos por aulas diferentes, o que pode ser entendido como o uso da sala de multimeios, a dinâmica das atividades e a interação em grupos. Tais aspectos proporcionaram aulas mais dinâmicas, que geraram visível envolvimento dos alunos. Infere-se, a partir dessa constatação, que “aulas diferentes” provavelmente não foram trabalhadas com a turma observada no período anterior ao início das observações. A pergunta é: por que isso ocorreu?

Voltamos à questão da dependência do livro didático pela professora. Ficou claro que as atividades propostas no livro didático, sem as devidas adaptações, acabam por tornar o aprendizado de língua inglesa algo distante, descontextualizado e, consequentemente, desinteressante para os alunos. Por outro lado, o que fazer quando a professora, com uma filha recém-nascida em casa, precisa retornar à escola no meio do semestre letivo com uma extensa carga horária e prazos institucionais a serem cumpridos? E indo um pouco mais além, do que o professor de escolas regulares precisa, além de tempo, para tornar o ensino de inglês algo relevante, viável e concreto?

As perguntas feitas nesta seção surgiram com os resultados das análises e talvez não possam ser respondidas objetivamente, por se tratarem de questionamentos que envolvem inúmeras variáveis. Como exemplo, Monte-Mór (2007) salienta que

[t]em havido muito debate sobre o que é feito nas práticas de sala de aula, contrastando com o que é idealizado para essa mesma prática. A maioria dessas preocupações enfocam a prática, como se ela existisse isoladamente da pedagogia e da filosofia (p. 627).

Além do ponto enfocado por Monte-Mór (2007), existem fatores que não podem ser ignorados ao se falar no processo de ensino e aprendizagem na escola regular, tais como a condição docente, políticas públicas, a cultura do aluno, relações sociais e de poder, dentre outros. No entanto, a proposição de tais perguntas representa um esforço no sentido de compreender mais de perto a condição docente e distinguir os mitos e os fatos acerca do ensino de inglês em escolas regulares no Brasil. Segundo as OCEM,

[a]s propostas epistemológicas (de produção de conhecimento) que se delineiam de maneira mais compatível com as necessidades da sociedade atual apontam para um trabalho educacional em que as disciplinas do currículo escolar se tornam meios. Com essas disciplinas, busca-se a formação de indivíduos, o que inclui o desenvolvimento de consciência social, criatividade, mente aberta para conhecimentos novos, enfim, uma reforma na maneira de pensar e ver o mundo.

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Para isso, estimula-se um ensino que se preocupe com “uma cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo,

um modo de pensar aberto e livre”, como nos dizeres de Morin (2000, p. 11).”

(BRASIL, 2006, p. 90)

Busca-se com tais questionamentos, dessa forma, contribuir para o trabalho do professor de língua inglesa enquanto formador de indivíduos, utilizando suas aulas como meios para o desenvolvimento da capacidade crítica, social e intelectual de seus alunos.