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4.1 Primeiro momento – Significados da Experiência dos Alunos com a Língua Inglesa

4.1.3 Perspectiva dos alunos

4.1.3.1 Práticas de letramento não escolares

As respostas aos questionários iniciais dos alunos revelaram que a maioria deles relaciona a língua inglesa a práticas de letramento não escolares, como ouvir músicas (24 alunos), assistir vídeos e filmes (22 alunos), jogar vídeo games e jogos de computador (18 alunos) e acessar sites/programas da Internet (18 alunos). Quatro alunos mencionaram o uso do idioma para ler livros e revistas.

Conforme pontua Paiva (2009 apud SIQUEIRA; DOS ANJOS, 2012), quando motivados, os aprendizes utilizam a LE para atividades corriqueiras fora da sala de aula, tais como: “ouvir música, ouvir programas de rádio e TV, compreender falas em filmes, brincar com jogos eletrônicos e, em alguns poucos casos, interagir com estrangeiros” (PAIVA, 2009, p.33). Paiva (2001) também salienta a importância da Internet enquanto ferramenta na promoção de estudos autônomos, demonstrando que o interesse pela língua inglesa leva os alunos a utilizarem a língua em contextos exteriores à sala de aula. Tal interesse advém, principalmente, da influência que a cultura pop exerce nos jovens ao redor do mundo, conforme sugere um trecho do grupo focal em que os alunos discutem sobre o tipo de músicas que gostariam de ter na aula:

MAp: Músicas que a gente conhece, né? K: É...

Mat1: Lógico.. K: Em inglês...

L: Toda professora dá música...

MAp: A professora passada dava Beyoncé! G: (risos)

Ainda que essa prática não tenha acontecido na turma D durante a coleta de dados, o excerto acima remete ainda à incorporação (por vezes inapropriada) da cultura pop às aulas de inglês pelos professores, numa tentativa de se aproximarem da realidade de seus alunos. Segundo Duff (2002), apesar de a cultura pop constituir um recurso potencialmente rico e poderoso em sala de aula, é necessário que o professor tenha em mente que tanto a relevância quanto o acesso dos alunos à informação contida no texto devem ser levados em consideração, uma vez que, devido ao fato de os alunos geralmente não compartilharem “habilidades, práticas e os repertórios socioculturais e psicolinguísticos necessários” (p. 486) para realização da atividade, ela pode trazer resultados frustrantes tanto para alunos quanto para professores.

Outro ponto que chamou atenção foi a relação estabelecida pelos alunos entre práticas não escolares envolvendo a língua inglesa e o uso da tradução. No grupo focal, os alunos relataram que suas experiências com músicas, por exemplo, baseiam-se em ouvir a música para aprender a pronúncia enquanto checam a tradução da letra; já a experiência com filmes implica no acompanhamento do filme com legendas em português, conforme apontado por eles em relatos off the record. Esse é um trecho extraído do grupo focal:

A gente consegue cantar mesmo errado, então assim, se pegarem músicas que a gente conhece pra colocar pra traduzir fica até mais interessante, porque você sabe a tradução da música que você tá escutando...

É possível observar, a partir do excerto acima, que a tradução pode ser vista como uma forma de aproximação entre o aluno e o texto em inglês, ao mesmo tempo em que explicita a distância já existente entre esse aluno e o idioma. Em outras palavras, se o aluno precisa da tradução para compreender uma música, e se a música tem que ser conhecida, infere-se que ele não se encontra preparado para algo novo – ouso dizer que a possibilidade de uma

novidade na aula de inglês parece assustar esse aluno, que a entende como algo difícil e frustrante. A discussão envolvendo o uso da língua materna e da tradução no aprendizado do inglês será apresentada no segundo momento da análise.

A próxima seção apresenta outro significado da língua inglesa para a maioria dos alunos – um diferencial para o mercado de trabalho.

4.1.3.2 O inglês e o mercado de trabalho

Além da relação entre a língua inglesa e práticas não escolares, reconhecida tanto pela professora quanto pela turma observada, o questionário inicial dos alunos revelou que a maioria deles associa o aprendizado do idioma aos discursos dos pais e familiares sobre sua importância. Um exemplo disso está presente nas respostas dos alunos sobre o papel do inglês em suas vidas. A partir dessas respostas, observou-se que a língua inglesa ocupa na vida do aluno uma posição de necessidade futura, e está atrelada a possibilidades de ascensão profissional, reproduzindo o discurso dos pais acerca da importância do domínio da língua para fins profissionais.

Um elemento que aponta para tais questões é o pouco ou nenhum contato dos pais da maioria dos alunos com o idioma, em contraposição à importância dada por eles ao aprendizado do idioma segundo seus filhos – dezoito alunos responderam que, para seus pais e familiares, estudar inglês é importante por razões profissionais. Conforme pontua Abramovay (2008), “a elevada seletividade do mercado, o que por sua vez se acentua em período de reestruturação da economia, dá mais oportunidade àqueles que dispõem de altos níveis educacionais” (p. 1). Depreende-se dessa afirmação que os pais dos alunos atribuem um papel “salvador” à educação, no sentido de oferecer aos seus filhos oportunidades que eles mesmos não tiveram.

Ao mesmo tempo, Gomes (1997) menciona que o paradoxo trazido pela importância da “história de escolarização de uma família na história individual de seus filhos” faz com que muitos alunos considerem a escolaridade “um critério ainda secundário quando estão em jogo os emprego acessíveis ao jovem nesse nível de classe” (p. 54). Significa dizer que se o aluno não vê aplicação prática do conteúdo trabalhado em sala de aula e não enxerga a escola como “um dos mecanismos essenciais de determinação do status de destinação”, torna-se cada vez mais difícil para o jovem reconhecer a importância da escolaridade em sua vida; como consequência, aprender uma língua estrangeira só será de fato relevante quando e se houver necessidade real para seu aprendizado.

Outro ponto que reforça a importância do inglês para o mercado de trabalho, segundo os alunos, é a resposta dada por eles à questão aberta “Por que você estuda inglês”, presente no questionário inicial. Dentre os vinte e sete respondentes, treze responderam que estudam o idioma porque é importante no futuro, e seis deles enfatizaram que o idioma os auxiliará profissionalmente, o que, a meu ver, sugere que os sete alunos que não relacionaram explicitamente o domínio do idioma para fins profissionais provavelmente atrelam a importância futura da língua inglesa ao mercado de trabalho. Um possível motivo para essa postura é “a institucionalização do ensino médio integrado à educação profissional” (BRASIL, 2006, s. p.), o que acabou por atribuir ao EM a missão um tanto quanto “ousada” de integrar a formação intelectual e crítica do aluno, ao mesmo tempo em que enfoca seu sucesso profissional e oportunidades para sua educação continuada. De acordo com as OCEM, são finalidades do EM:

[o] aprimoramento do educando como ser humano, sua formação ética, o desenvolvimento de sua autonomia intelectual e de seu pensamento crítico, sua preparação para o mundo do trabalho e o desenvolvimento de competências para continuar seu aprendizado” (BRASIL, 2006, p. 7).

Essa constatação acerca das múltiplas funções do EM parece ir ao encontro das falas dos alunos, que reproduzem o discurso da escola enquanto um trampolim para oportunidades profissionais e do domínio da língua inglesa enquanto diferencial no momento de procurar um emprego, sem, no entanto, reconhecerem seu papel nesse processo; como resultado, eles podem acabar atribuindo à escola toda a responsabilidade pela sua formação pessoal, acadêmica e profissional. Parece existir, dessa forma, um paradoxo entre as expectativas dos alunos em relação ao papel da língua inglesa na obtenção de um emprego, observadas em suas respostas ao questionário inicial, e a percepção da professora sobre a turma D. Ao caracterizar a turma, Ana comenta que a maioria dos alunos apresenta pouco conhecimento sobre a língua inglesa e que a turma pode ser considerada a mais atrasada tanto em termos de conteúdo quanto de proficiência dos alunos (vide 3.1.1 e 3.1.2). Em outras palavras, ainda que os alunos reconheçam a importância do inglês para sua vida futura, parece haver muito pouco investimento dos alunos em sua aprendizagem para além do que acontece na escola. Além disso, como esses alunos parecem não estar sendo instruídos acerca da importância dos estudos autônomos no processo de aprendizagem do idioma (nenhum instrumento de coleta identificou esse tipo de trabalho), pode-se talvez inferir que eles conferem à escola a responsabilidade pelo seu aprendizado.

Uma última evidência que deixa clara a relação entre o aprendizado da língua inglesa e o mercado de trabalho, estabelecida pelos alunos, é o fato de a maioria deles também considerar que as aulas de inglês poderiam contribuir para sua vida fora da escola, em primeiro lugar, no âmbito profissional – dezenove alunos – e, em segundo lugar, no âmbito pessoal (práticas de letramento não escolares) – onze alunos. Essa visão mercadológica do aprendizado da língua inglesa é reforçada pela mídia, que acaba fazendo apologia a cursos livres e não considera a escola como um espaço propício ao ensino e à aprendizagem do idioma. Conforme pontuam Cox e Assis-Peterson,

[o] discurso da ineficiência do ensino do inglês na escola pública é incessantemente entoado por um conjunto de vozes: falam professores, falam alunos, falam pais, falam diretores e coordenadores, atores sociais continuamente assediados pela mídia mediante propagandas de escolas de idiomas, que reivindicam para si os métodos mais modernos, os professores mais capacitados e a garantia de domínio do inglês

perfeito no menor tempo possível” (2007, p.10 apud SIQUEIRA; ANJOS, 2012, p.

128).

Observa-se, dessa forma, a importância dada ao uso do inglês para fins profissionais na perspectiva dos alunos, possivelmente alimentada pelo discurso dos pais, familiares e veículos de comunicação, que disseminam o marketing das escolas de idiomas e contribuem, assim, para a desvalorização das aulas de língua inglesa em escolas regulares.