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O pouco tempo de existência da educação bilíngue para surdos não pode ser um argumento para que ainda não viceje um modelo metodológico básico para que os sujeitos surdos possam estruturar seu desenvolvimento, no entanto, e apesar de todo o esforço dos profissionais, tanto no que diz respeito aos aspectos teóricos, como no que se refere à prática educacional, os modelos metodológicos ainda não encontraram a prática da sala de aula se, para Vigostski (2007, p. 103),

o aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas.

Vigotski, no excerto acima, é direto ao posicionar o papel do ensino, com destaque para a expressão ensino organizado no desenvolvimento humano, ou, para ser mais específico, o desenvolvimento do humano. Seria redundante discorrer sobre o papel da educação na sociedade moderna, uma vez que não somos mais capazes de conceber, apesar da quantidade alarmante de sujeitos não letrados no mundo, um sujeito que não tenha acesso ao letramento. Os sujeitos surdos bilíngues não se apartam disso, visto que, para esse grupo, a língua portuguesa escrita é a via principal de conhecimento acumulado e, por conseguinte, não existem maneiras de abrir mão desse conhecimento.

Ao nos propormos a desvendar as representações sociais dos professores de surdos de Libras e língua portuguesa, pareceu inevitável, ao menos, tangenciar as questões metodológicas que sustentam a prática de ensinar essas línguas. Afinal, estamos aqui tratando dos atores principais da instituição escolar – o professor, aluno e ensino –, assim como ensinar os surdos seria um ponto que dificilmente poderíamos nos furtar de tocar, e assim aconteceu.

Ao serem questionados de diferentes formas, uma vez que a entrevista, conforme já descrito, foi aberta, sobre como o português é ensinado, muitas foram as respostas, mas claramente a falta de metodologia destacou-se. A visualidade da língua de sinais, assim, torna- se um ponto de partida para que os professores encontrem meios para que os alunos surdos aprendam a língua portuguesa, como se nota nos depoimentos.

A falta de um modelo metodológico para a Educação Bilíngue para Surdos, no Brasil, leva os professores a adotar cada qual seu próprio referencial em sua prática de ensino, assim, ao ministrar suas aulas, a visualidade pode ser assumida como metodologia, ainda que nem mesmo o conceito de visualidade esteja explicitado. As metodologias e estratégias elaboradas para sujeitos ouvintes ainda são uma prática, na sala de aula, uma vez que é o referencial mais acessível dos profissionais, como pode ser constatado na fala do professor 6: Via as práticas de outras professoras, entro em escola de ouvintes mesmo, via o que o ouvinte estava fazendo e tentava adaptar para o surdo. Fiz muito isso, muito mesmo, já tinha até as escolas certas que eu pesquisava. Ou no discurso de professor 1:

Às vezes, eu vou procurar, eu vou fazer um curso, vou fazer um… só que tá muito fora. Eu queria alguma coisa que partisse da realidade sabe, alguma coisa, olha eu vamos trabalhar isso, por conta disso. Não eu ir lá e ficar tentando, eu acho que dá para aproveitar isso… é pouco né? Às vezes eu faço um curso de muitas horas e aproveito…o mínimo assim, né?

O uso de recursos tecnológicos fica subentendido como metodologia, compreendida como a mais efetiva para os surdos, como pode ser verificado no discurso do professor 6: Nós tivemos apoio, conseguimos adequar a sala. Ser uma sala que tivesse toda a aparelhagem, data show, computador… Pra você poder trabalhar mesmo com o surdo como se deve né. Oferecer aos alunos surdos recursos tecnológicos facilitadores de leituras coletivas dos materiais didáticos, assim como potencializar uma característica da língua de sinais, que é sua viso-espacialidade, dá ao professor a tranquilidade de atender às necessidades de seu alunado, mesmo que a estratégia não esteja vinculada a uma metodologia específica.

As metodologias e estratégias elaboradas para sujeitos ouvintes ainda são uma prática na sala de aula, uma vez que é o referencial mais acessível do profissional, como se constata na fala do professor 5: Trabalhei muito com lista de palavra, alfabetizei muito com lista de palavra, mas opa! Lista de palavra com surdo eu … lista de palavra, depois colocar isso no texto. Vai funcionar!.

Ainda que não consigam identificar a metodologia, todos os professores, apesar de não explicitar claramente, afirmam existir uma metodologia como a mais afirmativa, mais contundente, que pode ser percebida no discurso do professor 6:

Com certeza tem uma metodologia, você não ensina o surdo da mesma forma que você ensina o ouvinte né. Essa metodologia, são jeitos diferentes, didáticas diferentes que você vai adotar pra ensinar. Principalmente quando você está trabalhando a L2 né. Então você tem o jeito próprio, diferenciado de ensinar a língua portuguesa pra esses alunos.

E também é bastante enfática quando afirma, Então, a grande diferença é a língua. Outro recurso encontrado pelos entrevistados, quando se deparam com a ausência de uma metodologia para orientar, é o apoio nos colegas mais experientes na área, como relatado pelo professor 1: Dentro da escola, com os colegas, sempre assim, eu sempre tive… eu ia atrás né? Olha, como que é isso, como que é aquilo, como que eu faço isso, como que eu faço aquilo, né? Alguns eram abertos para ensinar, outros já….

Para o professor 6: você não está preparada, você não sabe nem como você vai fazer na verdade. Você tem algumas estratégias que você vai… será que dá certo? Será que não é? Até com aluno regular é assim, mas com o surdo você vai buscando, pesquisando pedindo ajuda dos colegas e graças a Deus, a escola já estava assim, meio que preparada né. Ou quando a mesma professora afirma: Pegando a colega que já tinha vindo de uma (sigla de uma escola), de uma prática com surdos. E, começamos fazer o projeto juntos, e conseguimos.

A teoria é assumida de modo reverso quando a Filosofia da Comunicação Total é evocada para que o aluno possa “apreender”, ainda que sabidamente a abordagem não tenha sido considerada competente para tanto, a Libras não é considerada suficiente para o ensino de conceitos aos alunos surdos. Então na hora você… dramatiza, faz tudo, mas ele tem que entender. Mostra figura, mostra imagem, chama um na frente, dá exemplo, faz tudo, conta o professor 6. Em um movimento quase desesperado, o professor quer que ele simplesmente aprenda.

Recorrer à mescla de diversas abordagens também é um recurso, no discurso do professor 7:

o professor muda, a didática muda, as teorias mudam, tudo muda e eu mudei também, as ideias mudam sim. Porque, por exemplo, eu estudo, pego um pouco de uma teoria, estudo e vejo que não dá, mudo. Crio muitas ideias, vou tendo muitas experiências, eu não vou seguindo uma coisa só. O ouvinte tem mais opções, tem mais materiais, para surdos tem poucos, então você pega para ler, em inglês e em japonês tem muitas coisas interessantes. Eu pego, leio junto essas coisas e a minha didática vai se aprimorando, eu não gosto de sempre dar a mesma coisa, não tem que ser diferente, como se abrisse uma cortina, rompe tudo e desvenda segredos. Existe um sentimento de resistência, e os profissionais ainda buscam. O professor 1 afirma:

eu sinto falta, mas, tudo bem eu até procuro, mas eu queria que isso viesse assim para mim, viesse dentro da realidade que eu trabalho. Porque às vezes eu vou procurar, eu vou fazer um curso, vou fazer um… só que tá muito fora. Eu queria alguma coisa que partisse da realidade, sabe, alguma coisa, olha, eu, vamos trabalhar isso, por conta disso. Não eu ir lá e ficar tentando, eu acho que dá para aproveitar isso… é pouco, né? Às vezes, eu faço um curso de muitas horas e aproveito… o mínimo assim, né?

A tentativa e erro vêm sendo uma premissa dos professores, buscando uma metodologia de trabalho que atenda à necessidade do aluno e aos objetivos do trabalho. Ao acessar, professores com mais anos de prática, dentro de um contexto de mudanças tão recentes, correm o risco de buscar fontes que são a antítese do que acreditam ser o caminho mais produtivo. Conforme o depoimento do professor 1, apenas após colocar a experiência do outro em prática percebem que não responde à sua expectativa de ensino

uma professora amiga de lá, ela me adotou, ela me ensinou muito coisa, tudo eu tirava dúvida com ela, eu perguntava para ela. ‘Cê fala assim’, puxa, mas eu tenho, eu vou fazer isso assim, olha, eu vou... né, eu estudei muito sobre construtivismo, mas muita coisa não encaixava, não dava certo, eu tive que ir buscando, eu tive que ler mais coisa. Buscava muitas revistas, buscava...

Para o professor surdo 2, a formação específica é o que falta para o ensino do aluno surdo. A formação dos professores, formar em sinais na pedagogia , o professor que seja realmente proficiente em Libras,

Tem muitas pessoas formadas em pedagogia, mas o curso não tem nada de surdos. Como vai adaptar? Um curso específico para surdos, não é… não que seja ruim o jeito do professor, tem que ter uma formação própria para o surdo, para a Libras, saber bem a língua de sinais, se profissionalizar nisso para haver troca.

É só isso que precisa, mesmo reconhecendo a necessidade de uma formação específica, a adaptação ainda é mencionada, ou seja, a representação que afeta a nós como ouvintes, afeta o surdo, que reconhece, ainda que inconscientemente, a inexistência de um trabalho que o contemple para sua formação.

Assim, a adaptação é tida pelos dois professores surdos como a única opção de trabalho para aquele que pretende educar os surdos. O professor 2 relata que, por vezes, a exigência é tanta de adaptação que o esforço não vale a pena:

Tudo que eu olhava, me falavam: tem que adaptar, mas dá muito trabalho adaptar para o surdo. Faço várias adaptações para entregar um texto, tem que adaptar várias vezes. Não dá! […] No Brasil não tem material para surdos, só teoria, na prática nada.

Em Moscovici (2012, p. 143), encontramos que é o papel da teoria tornar a experimentação desnecessária e o papel da experimentação tornar a teoria impossível. A relação dialética existente entre as duas proposições deve ser convenientemente empregada, a fim de que o conhecimento avance. Supomos, na educação de surdos, que ambos, teoria e prática, estão fragilizados, uma vez que não cumprem suas funções na tarefa de educar os surdos.

Os relatos dos professores são quase unânimes ao não conseguirem estabelecer a relação entre teoria e prática, e ainda assim, os que são exceção nesta regra, o fazem buscando mesclar recursos para estabelecer um caminho pessoal de trabalho.