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PARTE II CAMINHO

3.2 A disciplina jurídica da dispensa coletiva no Brasil

3.2.1 Ausência de legislação específica

No Brasil, não há legislação sobre dispensas coletivas.

A Lei nº 4.923/1965, que criou o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED, para registro permanente de admissões e dispensas de empregados, autorizava as empresas que, em face de conjuntura econômica, se encontrassem em dificuldade, devidamente comprovada, a adotarem como medida alternativa e temporária a redução da jornada ou dos dias trabalhados, com a respectiva redução dos salários, respeitado o salário mínimo144.

Para tanto, era necessária prévia negociação com o sindicato representante da categoria profissional e homologação da Delegacia Regional do Trabalho. Ficavam proibidas a realização de horas extraordinárias e, por determinado período, a contratação de novos funcionários sem que antes fosse proposta a readmissão para os empregados dispensados durante a crise.

A lei foi considerada não recepcionada pela Constituição, pois esta prevê disposição específica sobre a matéria. O texto constitucional consagra o princípio da irredutibilidade salarial, o qual somente pode ser excepcionado por meio de negociação coletiva, em caso de redução de jornada145.

Há autores, no entanto, que defendem a vigência da Lei nº 4.923/1965, salientando a sua compatibilidade formal e material com a Constituição146. Nesse

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Interessante apontar que, ocorrendo tal hipótese, a lei determinava que fossem reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores (art. 2º).

145 PORTO, Lorena Vasconcelos. La disciplina dei licenziamenti in Italia e neldirittocomparato: una proposta per ildirittodel lavoro in Brasile. Op. cit., p. 57. FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara; RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Crise financeira mundial: tempo de socializar prejuízos e ganhos.

Op. cit., p. 203.

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FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara; RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Crise financeira

mundial: tempo de socializar prejuízos e ganhos. Op. cit., p. 203. PAGLIARINI, Alexandre

Coutinho; STEPHAN, Cláudia Coutinho. Da impossibilidade das dispensas coletivas sob o

argumento da crise econômica global: interpretações constitucionais e internacionais neste sentido.

caso, a lei ordinária funcionaria como espécie normativa que regulamenta a matéria.

O Ministério do Trabalho também procurou enfrentar o problema das dispensas coletivas por meio da publicação de duas portarias.

A Portaria nº 3.218/1987 indicava algumas medidas que poderiam ser tomadas pelas empresas para evitar a dispensa de empregados, como, por exemplo, redução da jornada, antecipação de férias e concessão de férias coletivas. Caso a despedida coletiva fosse inevitável, estabelecia critério com a ordem de prioridade para as dispensas: primeiro, aqueles que voluntariamente se apresentassem; depois, os solteiros com menor tempo de serviço e, por último, os aposentados. A empresa deveria, ainda, assegurar aos dispensados a manutenção de assistência médica, por certo tempo, e acionar as agências do Sistema Nacional de Empregos - SINE para auxiliá-los na obtenção de novo emprego.

Essa portaria, contudo, não chegou a ser respeitada pelo fato de não possuir força de lei. Ademais, era ineficaz, pois continha apenas sugestões que poderiam ser ou não acatadas pelas empresas e não continha nenhuma previsão de sanção para o seu descumprimento147.

A Portaria nº 01/1992, por sua vez, determinava a fiscalização das empresas que efetuassem dispensa coletiva, para garantir o cumprimento da legislação trabalhista. Mais uma vez, carente de força legal, a portaria não foi aplicada na prática148.

Assim, para além das regras gerais sobre término de contrato de trabalho, não existe legislação dispondo especificamente a respeito da matéria, de modo que as dispensas em massa são tratadas como uma pluralidade de dispensas individuais.

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PORTO, Lorena Vasconcelos. La disciplina dei licenziamenti in Italia e neldirittocomparato: una proposta per ildirittodel lavoro in Brasile. Op. cit., p. 59. FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara; RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Crise financeira mundial: tempo de socializar prejuízos e ganhos.

Op. cit., p. 204.

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No entanto, é importante fazer a distinção entre a dispensa individual e a coletiva149. São fenômenos sociais diferentes, para os quais o Direito do Trabalho contemporâneo tem reservado tratamentos jurídicos específicos. Como ressaltado anteriormente, a Convenção nº 158 da OIT tem disposições especialmente direcionadas à cessação contratual coletiva e uma análise de direito comparado demonstra que vários países a regulamentam, como Argentina, México, Alemanha, França, Espanha e Portugal.

Enquanto a dispensa individual geralmente tem motivação ligada à pessoa do trabalhador, a dispensa coletiva tem razões ligadas à empresa, para as quais os empregados não concorreram. Conforme dispõe o art. 2º da CLT, cabe ao empregador assumir os riscos da sua atividade econômica. Além das consequências particulares da perda do emprego para cada trabalhador, a despedida de vários empregados ao mesmo tempo tem repercussão social muito grande, na medida em que prejudica a comunidade e onera a seguridade social.

Pela ausência de regramento150, o Brasil, além de estar atrasado em relação aos outros países, perde a oportunidade de reduzir as dúvidas a respeito de sua caracterização e do procedimento cabível em casos de dispensa coletiva.

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ALMEIDA, Renato Rua de. O regime geral do direito do trabalho contemporâneo sobre a

proteção da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa: estudo comparado

entre a legislação brasileira e as legislações portuguesa, espanhola e francesa. Revista LTr: legislação do trabalho, v. 71, n. 3, p. 336-345, mar. 2007, p. 337. ROCHA, Claudio Jannotti da.

Dispensa coletiva. Belo Horizonte: RTM, 2011, p. 153-154. FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara;

RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Crise financeira mundial: tempo de socializar prejuízos e ganhos.

Op. cit., p. 203. PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; STEPHAN, Cláudia Coutinho. Da impossibilidade das dispensas coletivas sob o argumento da crise econômica global:

interpretações constitucionais e internacionais neste sentido. Op. cit., p. 200. 150

Consideram importante o tratamento individualizado da matéria e defendem a regulamentação das dispensas coletivas, entre outros, Claudio Jannotti da Rocha (Dispensa coletiva, op. cit., p. 152), Nelson Mannrich (Dispensa coletiva, op. cit. p. 13), Mauricio Godinho Delgado (Curso de

Direito do Trabalho, op. cit., p. 1157), Renato Rua de Almeida, O regime geral do direito do trabalho contemporâneo sobre a proteção da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa: estudo comparado entre a legislação brasileira e as legislações portuguesa,