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PARTE II CAMINHO

2.4 Denúncia da Convenção nº 158 da OIT

Sob o argumento de que a adesão à Convenção nº 158 da OIT acarretaria ao Brasil perda de competitividade internacional, além de que a medida estaria gerando confusão jurídica, devido às conflitantes decisões dos tribunais durante o curto espaço de tempo em que teve vigência no país118, foi tornada pública a denúncia da convenção pelo Brasil, por meio do Decreto nº 2.100, de 20 de dezembro de 1996. Pelas regras da OIT, o tratado deixaria de vigorar

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=514993. Acesso em:

jun. 2012. 115

Parecer do Deputado Sabino Castelo Branco, para Comissão de Trabalho, na MSC n. 59/2008. Disponível em:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=512066. Acesso em:

jun. 2012.

116 Parecer do Deputado Ricardo Berzoini, na MSC n. 59/2008. Disponível em:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=524432. Acesso em:

jun. 2012. 117

VIANA, Márcio Túlio. Trabalhando sem medo: novas possibilidades para a proteção ao emprego. Op. cit., p. 491.

118 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS – DIEESE. A Convenção 158 da OIT e a garantia contra a dispensa imotivada. Nota técnica, n. 61, mar. 2008, p. 7.

internamente doze meses após o registro da denúncia. Desde então, passou a ser questionada a validade dessa denúncia perante o ordenamento jurídico brasileiro.

A OIT estabelece, no art. 17.1 da Convenção, que todo membro que a tenha ratificado poderá denunciá-la ao expirar o prazo de dez anos, contados da data inicial da sua vigência. Considerando que o prazo de dez anos deve ser contado da vigência em cada país, como a ratificação da Convenção nº 158 foi realizada pelo Brasil em 1995, a denúncia realizada em 1996, poucos meses após ter entrado em vigor,contraria as regras da OIT119.

No entanto, a própria OIT não tem adotado este critério e interpreta a referida regra no sentido de que o prazo começa a fluir da vigência internacional da Convenção120. Assim, estaria autorizada a denúncia da Convenção nº 158 a partir do ano de 1995, sendo plenamente válido,perante a OIT, o ato brasileirorealizado em 1996.

Contudo, perante o ordenamento jurídico brasileiro existem outras dúvidas sobre sua legalidade. Isso porque a denúncia foi realizada por ato único do Presidente da República, sem realização de consulta prévia ao Congresso Nacional.

Desde a Constituição de 1891 - com exceção da Carta de 1937 - há a colaboração entre os Poderes Executivo e Legislativo na conclusão de tratados internacionais. A Constituição de 1988 estabelece, em seu art. 49, inciso I, que é competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais. Já no art. 84, inciso VIII, dispõe que compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. Dessa forma, como visto, a ratificação da Convenção nº 158 seguiu esse procedimento de ratificação pelo Poder Executivo após concordância do Legislativo.

Apesar de não existir regra constitucional que expressamente disponha sobre a denúncia de tratados internacionais, a análise conjunta dos arts. 49, I e

119 SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. São Paulo: LTr, 1994, p. 39. 120

ROMITA, ArionSayão. A tentativa de ressuscitar a Convenção n. 158 da OIT. Arquivos do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior, v. 32, p. 9-32, 2008, p. 28.

84, VIII, leva à conclusão de que se o Congresso é o órgão competente para aprovar tratados, também o é para rejeitá-los. Se a ratificação é feita de modo conjunto, é ilógico pensar que a denúncia poderia ser levada a cabo por decisão unilateral do Poder Executivo, sem concordância do Poder Legislativo.

O Decreto Legislativo nº 68/1992, que aprovou o texto da Convenção nº 158, dispõe que quaisquer atos que possam resultar em revisão desse tratadosão sujeitos à aprovação do Congresso Nacional. Assim, o próprio decreto legislativo estabeleceu regra de que a denúncia deveria passar pelo Parlamento.

A Convenção nº 144 da OIT estabelece que os Estados-Membros devem se comprometer a colocar em prática procedimentos que assegurem consultas efetivas aos representantes do governo, de empregadores e de trabalhadores, sobre assuntos relacionados com as atividades da agência, entre esses, sobre as propostas de denúncia de convenções ratificadas.

Essa disposição visa valorizar o tripartismo, que distingue a OIT das demais agências, instituindo que as decisões relativas ao órgão internacional sejam tomadas de forma colegiada, de modo que a estrutura tripartite seja mantida também internamente por cada país. A Convenção nº 144 foi ratificada pelo Brasil, logo, o país está obrigado a respeitar suas normas. Assim, como a denúncia da Convenção nº 158 não foi precedida de consulta aos representantes de empregados e empregadores, o ato é inválido, posto que desrespeitou o procedimento formal exigido pela OIT.

Ainda, para análise da validade da denúncia, é necessário definir a hierarquia da Convenção nº 158 no ordenamento interno. Este ponto será tratado adiante, cabendo agora apenas uma síntese. A Constituição estabelece, no art. 5º, § 2º, que aos direitos e garantias fundamentais nela previstos, podem ser agregados outros decorrentes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Assim, considerando que a Convenção nº 158 é um tratado de direitos humanos, suas normas têm hierarquia constitucional. A alteração das normas constitucionais deve seguir procedimento próprio, que exige a discussão e votação, em cada Casa do Congresso, em dois turnos, e votos de três quintos dos

membros para aprovação. Por outro lado, os direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas da Constituição, as quais não podem ser abolidas por emenda.

Ainda que não seja considerado que a Convenção nº 158 tem hierarquia constitucional, após a Emenda Constitucional nº 45, que acrescentou o § 3º ao art. 5º, aos tratados de direitos humanos tem sido atribuída hierarquia de norma supralegal, ou seja, abaixo da Constituição, mas acima das leis infraconstitucionais. Portanto, por qualquer ângulo que seja analisada a hierarquia da Convenção, a sua denúncia foi irregular. Isso porque a Convenção nº 158 assegura normas fundamentais, cláusulas pétreas que não poderiam nunca ter sido objeto de denúncia tendente a excluí-las do ordenamento ou, no mínimo, porque a decisão não poderia ter sido tomada unilateralmente pelo Presidente da República. Defender a validade do decreto significaria permitir que o Poder Executivo reduzisse de maneira arbitrária o nível de proteção de direitos humanos garantido aos cidadãos brasileiros.

Seguindo essa linha de raciocínio, é inconstitucionalo Decreto nº 2.100/1996, sendo inválida a denúncia da Convenção nº 158 da OIT.Se a denúncia foi irregular, a conclusão não pode ser outra: a Convenção nº 158 continua plenamente em vigor no Brasil121.