Uma dificuldade que se apresenta neste caminho, para determinar se a série correspondente de Hilbert de um módulo monomial é racional, é o fato de que o anel KxXy não satisfaz a condição de ser Noetheriano; isto é, o ideal monomial I pode ser infinitamente gerado ainda no caso bilateral e, portanto, não se tem certeza sobre a possibilidade de computar as funções Txi.
Por esta razão, na seguinte seção mostramos que o caso quando I é regular, também é o caso em que os monômios do ideal I podem ser representados por “expressões regulares” finitas, o qual vai tornar possível o cálculo de Txi.
Nesta seção apresentamos algumas definições e resultados principais referentes a autômatos determinísticos finitos, os quais nos ajudam na tarefa de determinar quais ideais monomiais são regulares. Para os detalhes das demonstrações e exemplos do material aqui apresentado, veja por exemplo [16]. A abordagem apresentada nesta seção será aplicada a um ideal bilateral regular (infinitamente gerado) concreto na Seção 3.4.
Lembre-se de que denotamos por MonpF q o monoide de todos os monômios de F KxXy, isto é, os elementos de MonpF q são as palavras sobre o alfabeto X tx1, . . . , xnu.
Nesta seção utilizaremos as seguintes notações: • W MonpF q;
• Wop é o monoide oposto de W ;
• e FpQq é o monoide de todas as funções Q Ñ Q.
Definição 3.3.1. Um autômato determinístico é uma 5-tupla pQ, X, T, q0, Aq, onde
• Q é qualquer conjunto; os elementos de Q são geralmente chamados de estados do autômato. • T : WopÑ FpQq é um homomorfismo de monoides, isto é, a função T define uma ação
à direita de monoide de W no conjunto Q. O homomorfismo T é chamado de função de transição do autômato. Para esta aplicação, usamos a notação w xi1 xid ÞÑ Tw
• q0 P Q, o estado inicial.
• A Q; os elementos de A são chamados os estados de aceitação.
Um autômato determinístico é chamado um autômato determinístico finito, resumidamente um FDA, quando o conjunto Q é finito.
Alguns conceitos relacionados com autômatos determinísticos são os seguintes.
Definição 3.3.2. Qualquer subconjunto L W é chamado de linguagem (formal). Dado
um autômato determinístico pQ, X, T, q0, Aq, dizemos ele que reconhece a linguagem L se
L tw P W | Twpq0q P Au.
Uma linguagem L é chamada regular se ela for reconhecida por um FDA. Um FDA que reconhece uma linguagem regular L é chamado de minimal se o número de seus estados for minimal com relação a qualquer outro FDA que reconheça L.
Suponha que o autômatopQ, X, T, q0, Aq reconheça a linguagem L. Então por definição
tem-se que L tw P W | Twpq0q P Au. Agora, Lc tw P W | Twpq0q P Acu, assim o autômato
pQ, X, T, q0, Acq reconhece a linguagem Lc, onde Ac, Lc são os complementos de A, L em Q,
W , respectivamente.
Com as notações e os conceitos acima introduzidos, temos o seguinte resultado.
Proposição 3.3.3. Seja L W . Então L é uma linguagem regular se, e somente se, Lctambém
o é.
A seguir descrevemos algumas operações entre linguagens que precisaremos mais adiante. Dadas duas linguagens L, L1 W , pode-se definir sua união L Y L1, como a união de conjuntos, e seu produto como
LL1 tww1 | w P L, w1 P Lu.
Para qualquer d¥ 0, definimos a potência Ld tw1 wd| wi P Lu, onde L0 t1u, e a operação
estrela L ¤
d¥0
Ld. Em outras palavras, a linguagem L é o submonoide W que é gerado por L. A união, o produto e a operação estrela são chamados de operações racionais sobre as linguagens.
Seja agora L W uma linguagem qualquer. Consideremos o autômato pW, X, T, 1, Lq definido por Tvpwq wv, para todo v, w P W . Então, tem-se que L tw P W | Twp1q P Lu.
Definição 3.3.4. Seja L W . Para w P W defina o conjunto w1L tv P W | wv P Lu. A equivalência de Nerode definida por L é dada pela seguinte relação de equivalência em W :
w w1pw, w1 P W q se, e somente se, w1L w11L.
Isto é, duas palavras w e w1 são equivalentes em relação a L se, sempre que você acrescentar o mesmo vP W , as duas palavras resultantes estejam ambas em L ou ambas fora de L.
Pelo fato de ser um relação de equivalência, temos que o conjunto quociente W { está em correspondência biunívoca com o conjuntotw1L| w P W u e, escrevemos rws w1L. Além disso, note que a relação é invariante à direita, isto é, se w w1 temos que wv w1v, para todo v, w, w1 P W .
Considere a 5-tupla pW { , X, T , r1s, rLsq, onde Tvprwsq rwvs, para quaisquer v,
wP W e rLs trws | w P Lu. Temos que
tw P W | Twpr1sq P rLsu tw P W | rws P rLsu
tw P W | w l para algum l P Lu. Claramente L tw P W | w l para algum l P Lu.
Suponha que w l, para algum l P L. Então w1L l1L, isto é, tv P W | wv P Lu tv P W | lv P Lu.
Note que 1 P l1L, assim 1 P w1L. Logo, w P L. Portanto pW { , X, T , r1s, rLsq é um autômato determinístico reconhecendo L, o qual é chamado de autômato de Nerode reconhecendo L.
Os seguintes dois teoremas fundamentais da teoria dos autômatos vão nos permitir determinar, no nosso estudo, quando um ideal monomial é regular (ver, por exemplo [8]).
Teorema 3.3.5 (Myhill-Nerode). Uma linguagem L W é regular se, e somente se, o conjunto
quociente W{ de W pela relação for finito. Neste caso, o autômato de Nerode é um FDA mínimo reconhecendo L.
Teorema 3.3.6 (Kleene). Uma linguagem L W é regular se, e somente se, L puder ser
obtida a partir de linguagens finitas, aplicando uma sequência finita de operações racionais.
Exemplo 3.3.7. A linguagem L tpx1xi2q
j | i, j ¥ 0u Y tpx
2x1qk | k ¥ 0u é regular, uma
vez que é obtida a partir das linguagens finitas L1 tx1u, L2 tx2u por meio de operações
Finalmente mostramos uma abordagem, a partir da teoria dos autômatos apresentada nesta seção, a qual relaciona o conceito de linguagem regular com o fato de ser ideal monomial regular.
Lembramos que mi denota o conjunto de todos os ideais monomiais à direita F e para cada variável xi P X temos a função Txi: mi Ñ mi dada por TxipIq pI :R xiq, para qualquer
I P mi.
Agora, nós temos um homomorfismo de monoides T : Wop Ñ Fpmiq tal que w xi1 xid ÞÑ Tw Txid Txi1, onde para cada ideal monomial à direita I P mi tem-se que
TwpIq pI :Rwq tf P F | wf P Iu.
Fixe I P mi. Temos que OI tTwpIq | w P W u e, portanto, podemos restringir a ação
de W em mi definida por T , a uma ação na órbita OI. Por abuso de notação, denotaremos o
homomorfismo de monoides correspondente como T : Wop Ñ FpOIq.
Considere o elemento tx1yu P OI. Podemos definir então o autômato determinístico
pOI, X, T, I,tx1yuq.
A linguagem L, que é reconhecida por este autômato é, por definição, o conjunto L tw P W | TwpIq P tx1yuu
tw P W | TwpIq x1yu
tw P W | pI :Rwq x1yu
tw P W | w P Iu W X I.
Observe também que o autômato complementarpOI, X, T, I, OIztx1yuq reconhece exata-
mente a linguagem L W zI dos monômios normais módulo I.
Agora, sabemos que os estados do autômato de Nerode reconhecendo L estão em corres- pondência biunívoca com os conjuntos w1L tv P W | wv P Lu, para todo w P W . Como L I X W , temos que
w1L tv P W | wv P Lu tv P W | wv P I X W u pI :Rwq X W
e, portanto, obtemos o seguinte resultado.
Proposição 3.3.8. O ideal à direita monomial I F é regular se, somente se, a linguagem
Demonstração. Por definição, um ideal monomial à direita I é regular se, e somente se, a órbita OI for finita. Pelo comentário acima, temos que a órbita OI é finita se, e somente se, para
L I X W o conjunto tw1L| w P W u for finito. Agora, sabemos pelo Teorema 3.3.5 que a linguagem L é regular se, e somente se, o conjunto tw1L| w P W u for finito.
Pela proposição acima segue que, no caso do ideal I ser regular, o algoritmo ORBITDATA é
adequado para calcular a série racional de Hilbert de um módulo monomial à direita C F {I por meio da sequência exata (3.3). Além disso, temos o Teorema 3.3.6 para verificar se o ideal à direita monomial I é regular.