• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1 – AUTISMO: Histórico, Conceito, Epidemiologia e Classificação 22

1.2 Autismo: a Evolução de um Conceito 30

O autismo vem sendo estudado e explorado desde a década de 40 do século XX (Kanner, 1943), porém ainda é considerado uma temática obscura, com indefinições acerca de sua origem e natureza. Esta característica da síndrome a transforma em um tema interessante e fascinante; um território a ser explorado.

A palavra autismo é composta por duas palavras gregas aut – que significa próprio – e ism – que significa orientação ou estado. Desta forma, a palavra autismo pode ser definida como a condição da pessoa que está absorvida em si mesma (Trevarthen, 1996). Esta definição se concentra num aspecto do autismo que consiste no isolamento e introspecção do sujeito.

Desde sua origem até os dias atuais, o conceito de autismo continua sendo impreciso, devido à heterogeneidade do seu quadro clínico que associa o diagnóstico da síndrome com diferentes comprometimentos, que vão desde os genéticos até os ambientais. Diante deste cenário, o autismo infantil corresponde a um quadro de extrema complexidade, para o qual não há cura, há sim a necessidade de utilizar abordagens multidisciplinares, para desenvolver as habilidades de socialização da criança, sua educação, com destaque para a promoção da generalização e internalização dos conceitos relacionados à sua interação com o ambiente social.

O autismo é classificado como um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento – TID. O termo invasivo que dizer que afeta todo o ser, e compromete o desenvolvimento por que prejudica as áreas da cognição, linguagem, habilidades motoras e interação social. O comprometimento do desenvolvimento acontece em algumas áreas determinadas, enquanto outras áreas mantêm um desenvolvimento normal.

O autismo tem em sua origem perturbações biológicas, além de envolver o comprometimento das habilidades sociais e comunicativas e também comportamentos e interesses limitados e repetitivos (Bosa, 2006). Tem origem na infância, persiste ao longo de toda a vida e pode dar origem a uma grande variedade de expressões clínicas. É caracterizado por distúrbios qualitativos na interação social recíproca e na comunicação verbal e não verbal, por manifestações de padrões restritos de interesses e de atividades, além da exibição frequente de condutas repetitivas e estereotipadas (Nunes, 1992, 1999, 2003).

São crianças com características muito particulares, mas em alguns casos, apresentam características que as destacam, como: habilidades motoras, percepção musical, facilidade de memorização, entre outras, que muitas vezes não estão de acordo com suas idades cronológicas, apresentando-se bem mais adiantada do que deveriam estar (Orrú, 2003).

A tríade de comprometimento do autismo consiste em sintomas que ao estarem presentes permitem que um diagnóstico seja feito. Primeiramente há um prejuízo grave no desenvolvimento de interações sociais recíprocas; a segunda característica consiste num comprometimento grave do desenvolvimento da comunicação, não apenas a linguagem falada, mas também expressões faciais, gestos, postura corporal. E, finalmente ocorre uma limitação da variabilidade de comportamentos, de modo que os autistas não conseguem mudar seu padrão de comportamento de acordo com a situação social, de acordo com as demandas sociais ou o ambiente social (Wing & Gould, 1979; Gilberg, 2005).

O diagnóstico autista acontece com a intersecção de três aspectos que são comuns à síndrome: comportamento repetitivo, interesse restrito e dificuldades na comunicação

social. A seguir apresentar-se-á Figura 1 que ilustra a tríade do comprometimento do autismo.

Figura 1 – Tríade de comprometimento do autismo.

Os comprometimentos das crianças autistas geralmente são identificados pelos pais antes dos três anos de idade, quando são observadas as limitações, que vão se tornando cada vez mais aparentes ao longo do desenvolvimento (Camargo & Bosa, 2009). Afinal, é por volta dos 18 meses que os pais esperam que as crianças progridam em relação ao desenvolvimento da linguagem e em relação ao interesse no seu entorno, e é neste momento que as pessoas percebem que algo está acontecendo.

Estudos epidemiológicos apresentam uma prevalência de 1 autista em cada 200 indivíduos (Klin, 2006), sendo a incidência de quatro vezes mais em meninos do que em meninas. No Brasil, não há dados epidemiológicos estatísticos do número de autistas, apenas uma estimativa de 2007, quando a população estimada era de 190 milhões de

Espectro do Autismo Limitação da variabilidade de comportamentos Comprometimento da comunicação Prejuízo na interação social recíproca

habitantes havia aproximadamente um milhão de casos de autismo, sendo portanto uma proporção de 1 pessoa para cada 190 habitantes (Junior, 2010).

Os autistas possuem um pensamento concreto e visual. Em geral, possuem um ótimo desempenho em funções perceptivas visuais e espaciais, como quebra-cabeças, mas apresentam dificuldade se neste processo perceptivo lhe for requerido que compreenda o significado de uma situação.

Nesta tela, convém diferenciar o autismo clássico da Síndrome de Asperger. Estes dois diagnósticos possuem pontos em comum – dificuldades na comunicação social, comportamentos repetitivos e interesses restritos – e pontos divergentes – no Asperger o coeficiente de inteligência – QI – é médio e não há atraso na linguagem e no autismo o QI pode estar em qualquer ponto da escala e há atraso na linguagem (Baron-Cohen & Patrick, 2008). Esta diferenciação pode ser observada na Figura 2.

Figura 2 – Distinção entre Autismo e Asperger. Adaptado de Baron-Cohen e Patrick (2008).

1 2 3

-3 - 2 -1

Asperger

Autismo com alta funcionalidade Autismo com baixa

funcionalidade Inteligência (QI) Desenvolvimento da linguagem -1 -3 -2 3 2 1

A conceitualização do autismo é imprecisa, pois há um universo de quadros clínicos envolvidos, além de um universo de enfoques teóricos que procuram explicá-lo. Atualmente, segundo Lampreia (2004) predominam dois enfoques teóricos que invocam diferentes prejuízos primários (social ou linguagem): o cognitivista e o desenvolvimentista.

Na visão cognitivista, o déficit primário no autismo encontra-se em um dos módulos da mente. Este déficit é identificado no processo de aquisição da linguagem quando a criança se constitui como um sujeito ativo que constrói o conhecimento por intermédio do outro (Delfrate, Santana & Massi, 2009). A criança autista possui dificuldade em estabelecer a concepção do ser ativo, e segundo Baron-Cohen e Patrick (2008), essas crianças têm um déficit neurológico inato e a habilidade de regular a atenção compartilhada encontra-se comprometida, apesar de outras habilidades sociais estarem intactas.

Diante destes déficits das crianças autistas, apontados por Baron-Cohen, um nome de referência em estudos sobre o autismo, surgiram experimentos, como a situação social de Sally e Ann, que apresentaram evidências de que crianças com autismo não possuem a Teoria da Mente. No primeiro momento do experimento é apresentado a boneca Sally que tem um pote, e a boneca Ann que tem uma caixa. No segundo momento Sally tem um dado e coloca o dado no pote. No terceiro momento Sally sai para um passeio. No quarto momento Ann tira o dado do pote e coloca na caixa. No quinto e último momento Sally volta, e é perguntado onde Sally vai procurar o dado.

Neste experimento era de se esperar que a criança identificasse que como Sally estava ausente e não viu que a amiga Ann retirou o dado do pote e colocou na caixa, deveria procurar no pote, pois foi onde ela colocou o dado. Nas crianças autistas esta constatação esperada não acontece.

Portanto, o experimento da situação social de Sally e Ann reforça a teoria de que a criança autista não se sente motivada a partilhar experiências ou informações com o outro, pois não desenvolve as habilidades necessárias para representar o estado mental do outro, o que denomina-se Teoria da Mente (Baron-Cohen & Patrick, 2008).

A Teoria da Mente, que surgiu nos anos 80 do século passado com autores como Uta Frith e Baron-Cohen (Frith & Happe, 2009; Bahon-Cohen & Patrick, 2008), diz respeito à capacidade de atribuir estados mentais, ou seja, crenças, desejos, conhecimentos e pensamentos, a outras pessoas e a si mesmo, e predizer o comportamento das mesmas em funções destas atribuições (Baron-Cohen & Patrick, 2008). Quando essa habilidade emerge e como se desenvolve são aspectos que têm sido pesquisados por psicólogos desenvolvimentistas e cognitivistas sob o nome de Teoria da Mente das crianças (Jou & Sperb, 1999).

As pesquisas sobre Teoria da Mente de Baron-Cohen e sua equipe, com crianças autistas e também com Síndrome de Down, foram de grande importância para o desenvolvimento do ponto de vista inatista.

Além disso, outros autores reforçam a abordagem cognitiva no autismo (Burack, 1992; Leboyer, 1991; Klin et al, 2006) frisando que cerca de 60 a 70% dos autistas são pessoas com deficiência mental, e que possuem um déficit cognitivo a considerar.

Olhando por outro prisma, segundo a visão desenvolvimentista, adotada no presente estudo, o quadro autístico é consequência de um desvio do desenvolvimento que tem em sua origem transtornos biológicos, que prejudicam o desenvolvimento de forma típica através do comprometimento da afetividade e da capacidade geral de relacionamento social. Esta corrente define o autismo como uma síndrome comportamental na qual o processo de

desenvolvimento infantil se encontra profundamente distorcido (Bosa, 2006; Lampreia, 2004, 2007; Hobson, 2004).

Tais pesquisadores consideram que o déficit biológico está presente, mas que não constitui o único distúrbio identificado nas crianças autistas. É preciso considerar que este déficit nas capacidades biológicas iniciais leva a uma quebra na capacidade de engajamento social e nas interações sociais posteriores. Assim, o déficit primário biológico levará a déficit secundários característicos da síndrome autista.

Nesta abordagem, procura-se compreender o desvio do desenvolvimento da criança autista, com suas características e peculiaridades, pois acredita-se que uma falha biológica no mecanismo inato impede a criança de se relacionar afetiva e socialmente, ocasionando um prejuízo na linguagem e como consequência na cognição (Lampreia, 2007). Segundo Trevarthen (1979, 1996) as funções de atenção e intersubjetividade estariam prejudicadas em crianças autistas, pois elas possuem um distúrbio no mecanismo inato. Ainda neste sentido, de acordo com Hobson (2004), os autistas possuem um déficit inato na coordenação do comportamento social com outras pessoas, pois há uma ausência da responsividade emocional que levaria ao desenvolvimento de habilidades emocionais e comunicação não verbal.

Diante do exposto, neste estudo, considera-se a abordagem desenvolvimentista do autismo, considerando que a linguagem pré-verbal, verbal, não verbal e as habilidades de comunicação funcional são norteadoras das interações mãe-criança autista.

Concorda-se com Bosa e Callias (2004) que são necessários estudos que abordem as competências sociais das crianças autistas, visto que as suas capacidades devem ser consideradas e enfatizadas, como forma de promover seu desenvolvimento e inclusão social.

E tais estudos são necessários e importantes, pois o autismo está fortemente presente na nossa realidade, como está comprovado nos dados apresentados nos estudos epidemiológicos descritos a seguir.