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Categorização, Classificação e Diagnóstico do Autismo 39

Capítulo 1 – AUTISMO: Histórico, Conceito, Epidemiologia e Classificação 22

1.4 Categorização, Classificação e Diagnóstico do Autismo 39

Nos últimos 60 anos, quando se falava em pessoas com deficiência eram elencadas cinco categorias: física, visual, auditiva, intelectual (substituindo a deficiência mental) e a múltipla (ocorrência simultânea de duas ou mais deficiências na mesma pessoa).

A partir de 2006, com a publicação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), adotada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU, 2006), uma nova categoria foi acrescentada, a deficiência psicossocial, que consiste em uma pessoa que tem impedimentos mentais. O que pode ser constatado no Artigo 1 da Convenção, onde:

“…pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (ONU, 2006).

É importante destacar que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, constitui o primeiro tratado internacional de Direitos Humanos considerado no Brasil com equivalência à emenda constitucional. Nos 30 artigos que compõem a Convenção são tratados diversos temas que instituem a dignidade das pessoas com deficiência incluindo as pessoas com transtornos mentais.

A utilização da categoria deficiência psicossocial engloba as pessoas com autismo, e sua inserção no texto da Convenção representa uma histórica vitória da luta de pessoas com deficiência psicossocial, pois, pela primeira vez na história dos direitos humanos, pessoas

do campo da saúde mental e pessoas do campo das deficiências trabalharam juntas em torno do mesmo objetivo ― a elaboração da Convenção (Sassaki, 2010).

No que diz respeito ao diagnóstico e classificação do autismo, este possui, atualmente, dois instrumentos oficiais, a CID – Classificação Internacional de Doenças – elaborada pela Organização Mundial de Saúde – OMS – e o – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM-IV – da Associação Americana de Psicologia – APA.

Atualmente, o transtorno autista é considerado como um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID), segundo um dos manuais de classificação mais aceitos no meio científico, a Classificação Internacional de Doenças – CID-10 (OMS, 2000). Os TIDs são um grupo de condições que apresentam atrasos em geral e desvios no desenvolvimento de habilidades sociais e comunicativas, devido aos transtornos do neurodesenvolvimento, os quais afetam os mecanismos cerebrais de sociabilidade básicos e precoces (APA, 2003).

A CID-10 (OMS, 2000) publicada pela Organização Mundial de Saúde – OMS – é mais utilizada na Europa e em outros países, e define o autismo como:

“… um transtorno global do desenvolvimento caracterizado por a) um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três anos, e b) apresentando uma perturbação característica do funcionamento em cada um dos três domínios seguintes: interações sociais, comunicação, comportamento focalizado e repetitivo. Além disso, o transtorno se acompanha comumente de numerosas outras manifestações inespecíficas, por exemplo, fobias, perturbações de sono ou da alimentação, crises de birra ou agressividade.”

A CID-10 (OMS, 2000) considera que pelo menos oito dos dezesseis critérios para o diagnóstico do Autismo, devem ser satisfeitos, A classificação para o Autismo é denominada F84.0, e contempla os seguintes critérios:

A) Lesão marcante na interação social recíproca, manifestada por pelo menos três dos próximos cinco itens:

1. dificuldade em usar adequadamente o contato ocular, expressão facial, gestos e postura corporal para lidar com a interação social.

2. dificuldade no desenvolvimento de relações de companheirismo.

3. raramente procura conforto ou afeição em outras pessoas em tempos de tensão ou ansiedade, e/ou oferece conforto ou afeição a outras pessoas que apresentem ansiedade ou infelicidade.

4. ausência de compartilhamento de satisfação com relação a ter prazer com a felicidade de outras pessoas e/ou de procura espontânea em compartilhar suas próprias satisfações através de envolvimento com outras pessoas.

5. falta de reciprocidade social e emocional. B) Marcante lesão na comunicação:

1. ausência de uso social de quaisquer habilidades de linguagem existentes. 2. diminuição de ações imaginativas e de imitação social.

3. pouca sincronia e ausência de reciprocidade em diálogos.

4. pouca flexibilidade na expressão de linguagem e relativa falta de criatividade e imaginação em processos mentais.

5. ausência de resposta emocional a ações verbais e não verbais de outras pessoas. 6. pouca utilização das variações na cadência ou ênfase para refletir a modulação comunicativa.

7. ausência de gestos para enfatizar ou facilitar a compreensão na comunicação oral.

C) Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos dois dos próximos seis itens:

1. obsessão por padrões estereotipados e restritos de interesse. 2. apego específico a objetos incomuns.

3. fidelidade aparentemente compulsiva a rotinas ou rituais não funcionais específicos.

4. hábitos motores estereotipados e repetitivos.

5. obsessão por elementos não funcionais ou objetos parciais do material de recreação.

6. ansiedade com relação a mudanças em pequenos detalhes não funcionais do ambiente.

Esta classificação considera, também, que tais especificidades no desenvolvimento da criança devem ser percebidas nos primeiros três anos para que o diagnóstico seja realizado.

O Manual Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais – DSM – publicado pela APA, estabelece critérios de classificação de desordens mentais e é usado nos Estados Unidos e em todo mundo por clínicos, pesquisadores, farmacêuticos, empresas de saúde. Na sua versão DSM-IV-TR (APA, 2003) afirma que:

“…o transtorno autista consiste na presença de um desenvolvimento comprometido ou acentuadamente anormal da interação social e da comunicação e um repertório muito restrito de atividades e interesses. As manifestações do transtorno variam imensamente, dependendo do nível de desenvolvimento e da idade cronológica do indivíduo.”

O DSM-IV é uma classificação dos transtornos mentais desenvolvida com objetivos de oferecer um manual útil para a prática clínica, além de facilitar as pesquisas e permitir uma melhor coleta das informações clínicas. Neste manual, o autismo constitui uma das cinco categorias dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, possuindo como característica o comprometimento da interação social, da comunicação e a existência de comportamentos repetitivos.

De acordo os DSM-IV (APA, 2003), alguns critérios de diagnóstico para o transtorno autista deverão ser observados para que a sintomatologia seja identificada. Tais critérios são:

(i) prejuízo qualitativo na interação social, manifestado por pelo menos dois dos seguintes aspectos:

a) prejuízo acentuado no uso de múltiplos comportamentos não verbais, tais como contato visual direto, expressão facial, posturas corporais e gestos para regular a interação social;

b) fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares apropriados ao nível de desenvolvimento;

c) falta de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (por ex., não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse);

d) falta de reciprocidade social ou emocional.

(ii) prejuízos qualitativos na comunicação, manifestados por pelo menos um dos seguintes aspectos:

a) atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem falada (não acompanhado por uma tentativa de compensar através de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímica);

b) em indivíduos com fala adequada, acentuado prejuízo na capacidade de iniciar ou manter uma conversação;

c) uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou linguagem idiossincrática; d) falta de jogos ou brincadeiras de imitação social variados e espontâneos apropriados ao nível de desenvolvimento;

(iii) padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos um dos seguintes aspectos:

a) preocupação insistente com um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse, anormais em intensidade ou foco;

b) adesão aparentemente inflexível a rotinas ou rituais específicos e não- funcionais;

c) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por ex., agitar ou torcer mãos ou dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo);

d) preocupação persistente com partes de objetos.

Além disso, através do DSM-IV são observados atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início antes dos 3 anos de idade: (1) interação social, (2) linguagem para fins de comunicação social, ou (3) jogos imaginativos ou simbólicos.

Caso não sejam identificados pelo menos 6 dos critérios dos itens (i), (ii) e (iii), com pelo menos um de (i), um de (ii) e um de (iii), assinala-se que a perturbação pode ser melhor explicada por Transtorno de Rett ou Transtorno Desintegrativo da Infância.

No Brasil, a classificação oficial do autismo é realizada de acordo com a CID em conjunto com o DSM IV, além disso, o Childhood Autism Rating Scale – CARS – também é utilizado para o diagnóstico.

O CARS é uma escala de avaliação que permite identificar crianças com autismo e distingui-las de crianças com atraso no desenvolvimento. É formada por quinze itens comportamentais relacionados com características do corpo, resposta aos sentidos e comunicação, entre outros. A avaliação pelo CARS é feita por observação inclusive com testemunho dos pais, registros históricos e observação em sala de aula (Pereira, 2007)

Normalmente uma síndrome é diagnosticada através de exames laboratoriais e de características visíveis, como no caso da Síndrome de Down. No caso do autismo, a ausência de indícios visuais dificultam o diagnóstico comprometendo inclusive o seu diagnóstico precoce. Neste sentido, o diagnóstico do autismo é feito através de um vasto protocolo de investigação realizado a partir de exames e agrupamento de critérios

estabelecidos por uma abordagem multidisciplinar e seguindo as classificações internacionais como a CID-10 e o DSM-IV. É interessante frisar que o diagnóstico é diferente da classificação. O diagnóstico é ativo e pessoal, enquanto a classificação é impessoal e equilibrada, prendendo-se à doença em si.

Embora o indivíduo com autismo possua características peculiares da síndrome, suas manifestações comportamentais diferem em graus de comprometimento. Os procedimentos de diagnósticos devem ser realizados para comprovar o acometimento e inclusive para contribuir com as investigações sobre a etiologia da síndrome. E normalmente este diagnóstico é fechado antes dos três anos de idade.

Destaca-se que o diagnóstico do autismo é difícil, visto que os casos são muito particulares, com características específicas, constituindo um leque extenso de casos específicos com comprometimentos que variam em número e grau.

Embora haja uma tendência atual dos estudos em focar os aspectos biológicos, é interessante destacar que poucos estudos tendem a considerar a importância da interação social nas crianças autistas. O presente trabalho adota a visão desenvolvimentista apresentada, pois acredita-se que a interação social é promotora do desenvolvimento e sua importância no universo da criança autista deve ser considerada e fomentada. Tais aspectos do desenvolvimento sócio-comunicativo da criança autista são desenvolvidos no tópico seguinte.