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Auto-ajuda e gestão de negócios: uma parceria de sucesso

1 PROBLEMATIZAÇÃO DA PESQUISA

1.2 PESQUISAS ACADÊMICAS QUE INVESTIGARAM A AUTO-AJUDA

1.2.3 Auto-ajuda e gestão de negócios: uma parceria de sucesso

A pesquisa de doutorado, na área de Sociologia, realizada por Carla Gandini Giani Martelli (2004), orientada pelo Prof. Dr. José Antonio Segatto, na Faculdade de Ciências e Letras da Unesp – campus de Araraquara, apresenta a auto-ajuda como discurso relevante no mundo organizacional contemporâneo, partindo da hipótese de que a auto-ajuda auxilia na hierarquização de valores e nas formas de constituí-los, assim como na construção da racionalidade. Enfatiza, ainda, que as próprias organizações se apropriaram do modo de pensar da auto-ajuda, construindo uma “parceria de sucesso” (p. 1), que consolida um modo de pensar a natureza, o homem e a sociedade.

Tratando dos principais acontecimentos do século XX, como a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria, a internacionalização do capital, os impactos do capitalismo e da globalização e, por fim, dos seus impactos no mundo do trabalho, a pesquisadora faz uma discussão sobre o cenário do mundo contemporâneo, refletindo sobre o contexto em que a auto-ajuda se insere. A retrospectiva histórica traçada permite o entendimento dos deslocamentos pelos quais o discurso da auto-ajuda passou e também confirma o envolvimento do discurso com os valores sociais difundidos em cada época.

Martelli (2004) faz um debate sobre o tipo de racionalidade presente no mundo contemporâneo. Discute os pressupostos de universalidade, individualidade e autonomia, fazendo considerações que passam por Weber (1985) e Giddens (2002). Toma Horkheimer e Adorno (1985), que se colocam contrariamente à razão iluminista, afirmando o “desencantamento do mundo”, dito por Weber (1985).

Também apresenta a perspectiva de Rouanet (1993), que trata do “reencantamento do mundo”. Conclui que a auto-ajuda, nesse sentido, pode tomar dois rumos: o da indústria cultural que promove a homogeneidade dos comportamentos ou o do

reencatamento do mundo, por meio de uma instrumentalização do sujeito que

adquire novas formas – através da auto-ajuda, em manuais que tratam de deus, da fé, da sorte e da energia positiva – de legitimar seu saber, mas que produzem um cenário de dominação. Caracteriza, ainda, a sociedade contemporânea como envolvida por aspectos antagônicos, como: unificação e fragmentação, impotência e apropriação, autoridade e incerteza.

São significativas, ainda, as discussões sobre a construção de individualismos, os vários sentidos produzidos por eles e a autonomia na sociedade moderna. A pesquisadora afirma que a identidade é constituída por uma polifonia, ligada às perspectivas que o indivíduo tem da natureza, do outro, da relação com o outro e de como deve viver. A primeira abordagem vem de uma discussão sobre a teoria de Taylor (1997), quanto à formação do self (de “dentro” para “fora”), também de Agostinho, quanto à internalização de fontes morais – o corpo é exterior, a alma é interior e, ainda, de Descartes, que diz que a razão governa as paixões. Trata a teoria de Locke, que propõe a remontagem da visão de mundo – é preciso “demolir para reconstruir”, é preciso refletir sobre as idéias tradicionais percebidas e examinadas. Além desses autores, Martelli (2004) discute os pressupostos de Rousseau e de Kant, para, finalmente, afirmar que “o self, dinâmico e mutável vai se constituindo na história e, junto a ele, a moralidade. A individualidade e o bem, ou, em outras palavras, a identidade e a moralidade, apresentam-se como temas, inextricavelmente, entrelaçados” (2004, p. 107). Outra possibilidade de constituição

de individualismos vem das teses relacionadas à alienação, oriunda do sistema capitalista. A pesquisadora trata de três tipos de indivíduos: “pouco indivíduo”, “muito indivíduo” e “indivíduo altruísta”. O primeiro é o indivíduo fragmentado, dividido, não- integral, que conseguiu se liberar das amarras familiares, mas permanece preso ao sistema capitalista. O segundo tipo são os indivíduos donos dos meios de produção e ditam as regras do jogo capitalista. O terceiro tipo vive um processo de descentralização para garantir o autocentramento – vive um processo de escolhas e decisões pessoais. Esses três tipos de indivíduos norteiam as discussões seguintes da pesquisadora, no que refere ao tipo de indivíduo constituído no âmbito da auto- ajuda. As discussões sobre a construção da identidade possibilitam discussões efetivas sobre o sujeito postulado da auto-ajuda e confirmam a hipótese de sujeito individual que se constitui por meio de valores sociais.

Martelli (2004) trata das mudanças no mundo das organizações, colocando como hipótese principal o argumento de que as organizações têm grande influência nos aspectos da vida social, possibilitando uma análise do discurso social contemporâneo, mais especificamente do discurso do mundo do trabalho e do sujeito que nele se constitui. Esboça fatos relativos à história da Administração Científica, trazendo à luz as teorias de Taylor, Fayol e Ford. Discute os pressupostos de Maslow que apresenta a psicologia humanista como ciência que promove interferências significativas na teoria organizacional, principalmente na constituição do sujeito reativo – diferente daquele sujeito passivo da escola clássica. Apresenta, ainda, discussões dos estruturalistas contemporâneos: Merton, Selznick, Etzioni e outros, que salientam a relevância da eficiência produtiva. Prossegue com a perspectiva histórica, relatando os impactos da globalização e da ascensão

japonesa e, enfim, caracteriza o modelo de homem e de trabalhador: “[...] proativo, incansável na busca por aprimoramento de saber técnico-científico, audaz, dinâmico, multifuncional, inovador, preocupado com a imagem, com a aparência, equilibrado, estável, autocentrado, seguro de si, enfim, competente” (MARTELLI, 2004, p. 205).

Considerando as discussões sobre o discurso da mídia e o discurso editorial – apresentados nos itens anteriores – e os deslocamentos da auto-ajuda, tratados por Bosco (2001), observa-se que a auto-ajuda caminha pelos dois rumos apresentados por Martelli (2004), pois, ao mesmo tempo em que é apresentada como mercadoria, por meio de um discurso publicitário, também sugere proporcionar, ao sujeito-leitor, formas de equipá-lo para que se sobressaia na sociedade, ou que se “reencante com o mundo”. A pesquisa enfoca o sujeito e a constituição de sua identidade, deixando antever um cenário do qual emergem valores na relação sujeito e sociedade, o que possibilita, na presente tese, uma investigação lingüística, por meio do dialogismo bakhtiniano, dos valores envolvidos no processo de constituição do sujeito.