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Sucessos que não ocorrem por acaso: literaturas de auto-ajuda

1 PROBLEMATIZAÇÃO DA PESQUISA

1.2 PESQUISAS ACADÊMICAS QUE INVESTIGARAM A AUTO-AJUDA

1.2.1 Sucessos que não ocorrem por acaso: literaturas de auto-ajuda

A pesquisa de mestrado realizada por Ângelo Marcos Bosco (2001), na área de Sociologia, orientada pelo Prof. Dr. Renato José Pinto Ortiz, na Universidade Estadual de Campinas, aborda a constituição da subjetividade, no âmbito da sociedade contemporânea., recortando, como corpus, os autores Roberto Shinyashiki e Lauro Trevisan11.

10 A seleção das três pesquisas obedeceu a dois critérios: a) à área de conhecimento em que as

pesquisas se inserem - Sociologia e Estudos de Linguagem - que correspondem diretamente à discussão que estabelecemos, trazendo contribuições para a elaboração desta tese; b) às datas de publicação, pois se tratam de trabalhos sobre o tema auto-ajuda que foram desenvolvidos recentemente.

11 As obras analisadas por Bosco (2001) são: de Roberto Shinyashiki – A carícia essencial, Sem

medo de vencer, A revolução dos campeões e Mistérios do coração; e de Lauro Trevisan: Você tem o poder de alcançar riquezas; O poder infinito de sua mente; Exploda a crise e faça sucesso e Pode quem pensa que pode.

O pesquisador faz uma retrospectiva histórica da auto-ajuda. Trata da origem, discutindo os principais pressupostos do inglês Smiles12, o criador da expressão “auto-ajuda”, que defendia, com mais ênfase, o esforço físico e moral, em detrimento da mobilidade social. Bosco (2001) afirma que o primeiro deslocamento da temática da auto-ajuda ocorreu, na América do Norte, devido à articulação de princípios morais e religiosos com princípios pecuniários. O fato muda o tom da auto- ajuda de origem inglesa, porque deixa de pregar somente um crescimento moral para tratar, também, da ascensão financeira. É preciso, a partir de então, ter um “bom caráter”, para atingir uma “salvação econômica”. A consciência do indivíduo vai se constituindo do seu interior para o exterior que se mostra impessoal. Justifica-se a riqueza do homem pela aprovação divina, devida ao bom caráter.

Ao final do século XIX e início do século XX, há outro deslocamento na auto-ajuda: um esmorecimento do cultivo da moral e um enfoque ao cultivo das habilidades pessoais, numa perspectiva mais terapêutica:

O movimento americano do Novo Pensamento sintetiza as novas tendências da literatura do sucesso. Associando a religiosidade, a psicologia e ciências naturais (magnetismo), no Novo Pensamento apresenta a idéia básica do poder da mente como uma emanação do Divino e, desta forma, apto a prover o indivíduo em seus desejos de sucesso ou saúde. Abre-se a possibilidade da realização do eu através do desenvolvimento pessoal, ligado a um eu superior místico e religioso, mas diminuindo a importância de uma ordem moral superior (BOSCO, 2001, p. 11).

Ao indivíduo, diante das grandes corporações, numa sociedade de massa, é exigida auto-confiança, força de vontade e energia, como características da personalidade. Para que isso ocorra, são necessárias técnicas, possíveis graças

às novas ciências das relações humanas e da comunicação. Surge a idéia do individualismo em competição, e também a correta administração do eu, a integração pessoal, o indivíduo socialmente ajustado. Bosco (2001) discute a produção de Normam Vincent Peale, que afirma que a adequação pessoal se deve a técnicas médicas, psicológicas, espirituais ou às três. Após a década de 50, a auto- ajuda aponta uma mudança temática – não deixando de contemplar os mitos anteriores -, salientando uma individualidade radicalizada, que promove uma crítica à sociedade técnica e burocrática, baseada na produção incessante de mercadorias. O eu - nessa sociedade moderna em que se prioriza o consumo - é elevado à categoria de narciso, que busca, incessantemente, satisfazer seus próprios interesses. Deve-se levar em conta, ainda, a constituição de uma nova racionalidade.

O pesquisador também discute a composição do mercado editorial da auto-ajuda, principalmente a partir da década de 90. Comenta que a literatura ganha o status de best-seller, sendo divulgada por periódicos da imprensa em listas de livros mais vendidos. Trata, ainda, da falta de norteamento que envolve o sujeito contemporâneo que busca, por conseguinte, a auto-ajuda como saída para sua desorientação, numa sociedade de massa. Os textos de auto-ajuda são caracterizados por sua produção calcada no senso comum, nas frases feitas, nas soluções imediatas, nos segmentos rápidos e simplificados. Por isso, Bosco (2001, p. 26-27) afirma que, na auto-ajuda, pode-se verificar “seu caráter de literatura para o consumo na qual pode ser observada uma tendência de substituição do velho por aquilo que aparenta novidade”. A afirmação do pesquisador conduz aos preceitos da indústria cultural, ou seja, uma literatura feita para ser divulgada como mercadoria.

Bosco (2001) afirma que a dinâmica das editoras, principalmente das de pequeno e médio porte, faz-se pela movimentação em nichos de mercado com público segmentado. Apelam para as temáticas que garantem o crescimento pessoal e para o crescimento humano, respaldadas pelos meios de comunicação de massa. Ressalta que as editoras tendem a satisfazer os anseios triviais do público que, a partir da década de 70, passa a ter um acesso maior à educação. Numa parceria entre o estado e o mercado editorial, este se beneficia, uma vez que aquele necessita de uma infra-estrutura para o desenvolvimento de programas de alfabetização, produção de livros didáticos e cumprimento de acordos internacionais, por meio da difusão de livros. Na década de 80, o foco se volta para o esoterismo e, nas décadas seguintes, as editoras desenvolvem estratégias de comercialização, sempre atentas ao crescimento da atividade. Ainda, nesse período, a auto-ajuda se volta para o aspecto profissional de produção do livro; há uma preocupação com o padrão de qualidade do material impresso colocado no mercado. As contribuições do pesquisador mostram-se por meio da evolução do gênero e dos diálogos estabelecidos entre os valores sociais e os aspectos econômicos das editoras.

Em relação ao leitor, Bosco (2001) afirma que a lista dos livros mais vendidos orienta sua escolha. Na década de 90, sobressai a idéia de que o indivíduo bem-sucedido tem informação, obtida por meio de leitura. Nesse sentido, surge a leitura como elemento utilitário, mas com informação rápida, superficial e de aplicação imediata, alicerçada pelo conhecimento que seus autores têm do respectivo público-alvo.

O pesquisador afirma que o esoterismo é uma das formas de auto- ajuda, e os centros esotéricos (casas e lojas de I Ching, Yoga, Do-in e afins) são

empreendimentos de cunho empresarial. Trata das obras de Huberto Rohden e de José de Vasconcelos, conhecidos escritores de auto-ajuda. Também toma como objeto de estudo os autores Roberto Shinyashiki e Lauro Trevisan. Sobre o primeiro, Bosco (2001) diz que a temática da administração popular perpassa seus textos e que o tempo presente opõe-se radicalmente ao tempo anterior. Para o autor, Shinyashiki também aborda o trabalho como um instrumento de competição na sociedade, sugerindo a articulação entre a ética e o sucesso pessoal. Entretanto, o que move seu texto é a busca por um objetivo que satisfaz o indivíduo, sendo essa busca sempre articulada com uma ordem racional das organizações e, em seguida, pela busca de uma espiritualidade transcendente. Sobre Lauro Trevisan, Bosco (2001) afirma que se trata de um herdeiro do Novo Pensamento, em que o poder da mente ganha destaque e também a religião tem primazia em suas justificativas. Considerando um ambiente desequilibrado, sua obra destaca a necessidade da mudança interior para o sucesso profissional e material, trazendo à tona uma lista de qualidades de sucesso, dentre estas: convicção, determinação, sinceridade etc. Bosco (2001) afirma que a obra de Shinyashiki está vinculada a uma racionalidade da esfera econômica e a de Trevisan, a tendências mais religiosas.

As considerações finais do pesquisador retomam a constituição da subjetividade, na auto-ajuda, por meio da realização pessoal a ser atingida em meio aos distúrbios sociais coletivos. Conhecendo este fato, o mercado editorial cuida dos sistemas abstratos da sociedade, divulgando uma noção de individualidade sujeita a um tratamento terapêutico.

Bosco (2001) discute a composição dos textos de auto-ajuda, investigando os diversos deslocamentos ocorridos nos séculos XIX e XX. Não é

objetivo do seu trabalho tratar do discurso e do gênero auto-ajuda, no entanto, o autor abre caminhos para que sejam investigados. Quanto ao discurso, nesta tese, possibilita a ampliação do estudo no tocante à manifestação das diversas áreas do conhecimento, que vão dando corpo à auto-ajuda. E, quanto ao gênero, a abordagem histórica feita pelo autor, traça um passado e um presente da auto- ajuda, leva a refletir sobre a significância do tempo e do espaço na constituição temática, do estilo e da estrutura composicional do referido gênero.

Também, ao discutir a auto-ajuda como literatura de consumo, feita para ser divulgada como mercadoria, Bosco (2001) faz esclarecimentos sobre a sociedade e o sujeito contemporâneos, em perspectivas histórica e sociológica, afirmando que as realizações pessoais devem ser atingidas em meio a “distúrbios sociais coletivos”. A investigação sociológica sobre o sujeito, realizada pelo autor, vislumbra a possibilidade de estudos na esfera lingüística, por exemplo, numa perspectiva dialógica, de cunho bakhtiniano, se considerado o sujeito constituído por valores sociais, estudos que são realizados no decorrer desta tese.

As possibilidades de investigação decorrentes da pesquisa de Bosco (2001) são confirmadas pela leitura do corpus selecionado – parte da obra de Roberto Shinyashiki – e apresentadas no decorrer das discussões seguintes.